30 de August de 2016
1ª VR|SP: Dúvida inversa – Impossibilidade de dar o bem em alienação fiduciária em garantia

Cláusula de impenhorabilidade - Propriedade resolúvel – Restrição dos efeitos da garantia – Dúvida procedente.

Processo 1067944-37.2016.8.26.0100 Dúvida – Registro de Imóveis Banco Tricury S/A

Dúvida inversa – cláusula de impenhorabilidade – impossibilidade de dar o bem em alienação fiduciária em garantia – propriedade resolúvel – restrição dos efeitos da garantia – Dúvida procedente.

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Banco Tricury S/A em face da Oficial do 4º Registro de Imóveis de São Paulo, tendo em vista a negativa de registro da alienação fiduciária dada em garantia junto às matriculas nºs 160.395 e 160.396. O óbice registrário refere-se à existência de cláusula de impenhorabilidade que grava os mencionados imóveis.

Informa o suscitante que, por instrumento particular, a empresa São Marco Administração de Bens e Participações emitiu em garantia das alienações fiduciárias dos imóveis matriculados sob nºs 160.395 e 160.396, duas cédulas de crédito bancário (nºs 044/2016 e 045/2016), que tiveram o ingresso para registro obstado, pela razão acima exposta. Sustenta que as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade não impedem a alienação. Argumenta que se a dívida garantida não for paga, os imóveis não seriam objeto de penhora, mas sim de consolidação de propriedade, razão que afastaria a cláusula de impenhorabilidade, em se tratando de alienação fiduciária. Juntou documentos às fls. 14/70.

A Registradora esclarece que a existência da cláusula de impenhorabilidade tem por finalidade excutir o bem como garantia de credores, seja por ato voluntário ou não do beneficiário, o que impede o registro do título de alienação fiduciária, diante da possibilidade de resultar em fraude à aludida restrição ( fls. 78/80 e 81/278).

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 282/286 e 296).

É o relatório. Decido.

Com razão a Registradora e o Douto Promotor de Justiça. De acordo com o ilustre jurista Melhim Namem Chalhub:

“Ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do contrato principal” (g.n) (Chalhub, Melhim Namem. Negócio Fiduciário. 2ª Ed. RJ. Renovar, 2009, pg. 220) E também:

“A alienação fiduciária imobiliária possibilita que o bem sobre o qual será constituída a propriedade fiduciária pertença ao devedor fiduciante ou, também, a terceira pessoa estranha a obrigação principal, da qual a alienação fiduciária é acessória, que leva o nome de interveniente garantidor, com a exclusiva finalidade de prestar a garantia.” (Chalhub, Melhim Namem. Negócio Fiduciário. 4ª Ed. RJ. Renovar, 2009, pg. 229/230) Grifei. Assim é asseverado pela Lei 9.514/97, instituidora deste mecanismo de garantia:

”Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.” Não resta dúvida que o objetivo deste instrumento é a garantia do cumprimento de uma obrigação. O bem não é propriedade definitiva daquele credor-fiduciário, mas sim transitória, resolúvel, que deve ser restituída com o adimplemento do negócio jurídico principal, já que a alienação fiduciária atuará como um contrato acessório.

Assim, observa-se que a cláusula de impenhorabilidade veda a instituição de alienação fiduciária envolvendo o imóvel, já que o seu objetivo é impedir a tomada da propriedade por motivos de débitos contraídos em caso de descumprimento da obrigação garantida. O que se busca, aparentemente, é atingir o bem assegurado.

Tratando de matéria diversa, mas possuindo efeito prático semelhante, a decisão desta 1ª VRP, no processo de número 1131409-54.2015.8.26.0100:

”Portanto, subsistindo a impenhorabilidade, impossível a averbação da caução, que em última análise seria ineficaz caso a obrigação não fosse cumprida. ‘Na presente hipótese, a alienação fiduciária em garantia não surtiria seus efeitos, pois a cláusula de impenhorabilidade impediria a transferência do imóvel em caso de inadimplência. No mais, conforme bem observado pelo Douto Promotor de Justiça, ‘os proprietários dos imóveis, R. M. B. e M. H. S. B., são meros avalistas da cédula de crédito bancário, o que significa dizer que inadimplida a obrigação, eles poderiam perder os imóveis em decorrência da dívida de um terceiro, violando, frontalmente, o clausula restritiva e a vontade do seu instituidor”. Diante do exposto julgo procedente a dúvida, suscitada por Banco Tricury S/A em face da Oficial do 4º Registro de Imóveis de São Paulo, mantendo assim o óbice registrário.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C. São Paulo, 11 de agosto de 2016

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito (DJe de 15.08.2016 – SP)

Fonte: DJE/SP

Disponível no site do Colégio Notarial do Brasil/Conselho Federal - CNB/CF http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=ODI3Mw==