14 de February de 2018
"Puxadinho" pode ser regularizado: saiba como

Quem mora em casa construída sobre laje ou compartilha o terreno com outra moradia tem o direito a escritura e registro próprios, de acordo com a lei federal em vigor desde 2017.

Uma lei federal promete dar garantias aos que moram nas chamadas lajes, cômodos construídos em cima da moradia inicial e que tenham entradas independentes, e nos condomínios urbanos simples — casas erguidas num mesmo terreno familiar. Quem vive neste tipo de imóvel — conhecidos popularmente como puxadinhos — pode buscar a titulação e ter direito à escritura e ao registro próprios. Mas, junto à independência, virão também os encargos, como o IPTU. 

Desde 2017, a lei 13.465/17 criou mecanismos para a titulação dos imóveis, dentre eles o direito real à laje e dois novos tipos de condomínio: o condomínio de lotes e o condomínio urbano simples. Especialistas em direito imobiliário alertam, porém, que a lei não deixa claro os procedimentos que devem ser tomados pelo proprietário e que as novas modalidades não atingirão as obras sem regularização fundiária. Para o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Marco Aurélio Bezerra de Mello, professor de Direito Civil e do Consumidor e especialista no tema, a nova lei não resolve a situação das moradias irregulares. 

— Antes de regularizar a parte de cima, é preciso regularizar a parte de baixo. Sabemos que, nas favelas e periferias, a maior parte das casas originais não têm escritura. E sem este documento é impossível a lei dar certo  — explica o desembargador. 

Especialista em direito público e direito ambiental, a advogada Shana Dora Gomes destaca que, devido ao fato de a lei exigir o respeito aos padrões urbanísticos, a planta do imóvel também deverá ser aprovada pelo órgão municipal, o que poderá dificultar o processo para o interessado em ver a sua casa, cômodo ou laje regularizada e devidamente registrada:

— O município é o órgão competente para tratar das questões urbanísticas, inclusive para dispor delas. Até o momento, somente a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo editou em dezembro um provimento que trata dos documentos e regula o procedimento perante o Oficial de Registro de Imóveis. Aguarda-se que o mesmo ocorra por aqui. 

Pela lei, se um dos titulares (do imóvel sobreposto ou do puxadinho) pretende alienar a unidade dele, precisará ofertar, primeiro, ao outro (notificação, judicial ou extrajudicial, com prazo mínimo de 30 dias), permitindo a aquisição da plenitudade da propriedade. Havendo mais de uma laje, a preferência será do titular da laje mais próxima da unidade sobreposta.

A regra vale para construções antigas e casas novas e para a venda desses imóveis ou doação, como dos pais para os filhos. Para fazer valer o direito à laje, é preciso o registro do imóvel original. As unidades também têm que ser averbadas no registro de imóveis, ter inscrições municipais individuais e acessos independentes.

O proprietário deve ir a um cartório de notas levando RG e CPF, certidão de casamento ou de óbito se for viúvo, o número de inscrição do imóvel na prefeitura e a certidão da matrícula do imóvel onde conste a averbação da nova construção.

A advogada Shana alerta para outra questão importante: antes de recorrer à lei federal, o proprietário do imóvel precisa conferir as regras do município onde mora para não correr o risco de ter a moradia interditada mais tarde.

— A lei não é clara quanto ao procedimento a ser seguido. Aconselha-se sempre a procura um técnico, que pode ser um advogado especialista no ramo imobiliário, Defensoria Pública ou a Procuradoria Municipal Especializada em Assistência e Regularização Fundiária — destaca.

Quatro casas em um só terreno

 Em Canoas, família tem quatro casas no mesmo terrenoMateus Bruxel / Agencia RBS

Cada cidade mantém regras próprias quando o tema é habitação. Em Porto Alegre, a diretora de licenciamento da prefeitura, Maria Cristina Cademartori, explica que as questões de regularização das edificações e os procedimentos administrativos são regulamentados pela legislação municipal.

Na vizinha Canoas, por exemplo, as edificações localizadas em áreas regulares são licenciadas conforme critérios estabelecidos pelo Plano Diretor Urbano Ambiental e Código de Obras e Edificações. Moradora do bairro Mathias Velho, a diarista Cíntia Kelen de Andrade dos Santos, 36 anos, compartilha o mesmo terreno de quatro casas com a mãe, a irmã e a filha mais velha. A família vive em comunidade, como ela costuma dizer. A primeira a se mudar para o local foi a dona de casa Nilsa Machado dos Reis, 55 anos, mãe da diarista. Em seguida, outra filha ergueu seis cômodos na laje de cima.

Há cinco anos, Cíntia foi a terceira a se mudar com os três filhos. Para isso, comprou o terreno dos fundos, o uniu com o da mãe e construiu uma casa de alvenaria, com entrada própria. Agora, é a filha de Cíntia, Bruna Nitielly, 17 anos, grávida de sete meses, quem está construindo a quarta moradia do local. 

— Nunca pensamos em separar as casas em diferentes escrituras, pois vivemos como uma grande família. Sempre tem um pronto para ajudar o outro. Esta lei não mudará a forma como vivemos porque estamos todos dentro do mesmo terreno — justifica Cíntia que, mesmo assim, pretende buscar informações sobre a lei federal. 

Como garantir o direito

- Você deve buscar informações sobre as leis e regras do município onde vive. Advogados especialistas em direito imobiliário ou defensoria pública podem ser a alternativa. 

- O proprietário deve ir a um cartório de notas levando RG e CPF, certidão de casamento ou de óbito se for viúvo, o número de inscrição do imóvel na prefeitura e a certidão da matrícula do imóvel onde conste a averbação da nova construção.

- Haverá a abertura de matrícula para cada unidade autônoma e a elas caberão uma fração de solo e partes comuns, sob a forma de percentual no terreno.

- As unidades autônomas serão constituídas em matrícula própria, e poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares.

- Com a documentação em dia, o dono passa a pagar IPTU, entre outros encargos. 

Entenda a lei

- A Lei nº 13.465/2017 apresenta normas gerais e procedimentos para a aplicação da Regularização Fundiária Urbana (Reurb) em todo o território nacional. 

- Dentre os procedimentos estão abrangidas medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais, ou seja, vilas e povoados que não estavam, formalmente, dentro do perímetro urbano. 

- Para isso, caberá ao município, a competência de determinar a modalidade de regularização, se de interesse social (Reurb-S) ou de interesse específico(Reurb-E). 

- A lei cria mecanismos para a titulação dos imóveis, dentre eles o direito real à laje e duas novas espécies de condomínio: o condomínio de lotes e o condomínio urbano simples. 

- As moradias ou cômodos vinculados à outra casa poderão ser regularizadas por meio do reconhecimento do direito real à laje ou, então, por meio do condomínio urbano simples.

- O direito real à laje destina-se a titulação daqueles que ocupam unidades habitacionais sobrepostas, situadas em um mesmo lote.

- O condomínio urbano simples é destinado para situações de casas ou cômodos dentro de um mesmo lote, incapazes de ser divididas devido a sua pequena dimensão, mas não estão sobrepostas.

Fonte: Shana Dora Gomes, advogada, especialista em direito público e direito ambiental, membro da diretoria da Agadie e sócia do escritório Smith Advogados Associados

Disponível em:
gauchazh.clicrbs.com.br/economia/dicas-de-economia/noticia/2018/02/puxadinho-pode-ser-regularizado-saiba-como-cjdajpl50071401kendztcbzz.html