26 de August de 2019
A gravata

Jornal ABC - 25-08, por JFBF

Eu não uso gravata. Tem quem goste e eu respeito. Mas na minha vida, um belo dia não consegui mais lidar com o regimento imposto pela sociedade de usar aquele adereço, pagando o preço de ser desconfortável, o que não me permitia ser eu mesmo. Se olharmos a história mais antiga da gravata, veremos que ela virou acessório indispensável no traje masculino também sem um motivo genuíno. Por volta do ano 1635, cerca de seis mil soldados e cavaleiros vieram a Paris para dar suporte ao rei Luís XIV e ao Cardeal Richelieu. Entre eles, havia muitos soldados croatas. Antes de partirem da Croácia em direção a França, as mulheres dos soldados amarraram tecidos nos seus pescoços como símbolo de proteção e amor. O traje tradicional destes soldados croatas despertou interesse dos franceses por causa dos cachecóis incomuns e pitorescos enlaçados em seu pescoço. Os franceses logo se encantaram com esse adereço elegante e desconhecido e perguntavam em francês apontando para os lenços o que era aquilo. Os croatas não entendendo a pergunta, achavam que os franceses estavam perguntando quem eles eram e respondiam se denominando croatas. Logo, os franceses interpretaram que a expressão “croata”, na língua original, seria em francês “cravate”, aquele tecido no pescoço. O rei Luís XIV ordenou que seu alfaiate particular criasse uma peça semelhante a dos croatas e que a incorporasse aos trajes reais. O adereço que tinha um propósito genuíno para os croatas, que era de amor e proteção de suas mulheres, foi simplesmente imitado pelos franceses e depois pelo mundo afora. Atualmente é símbolo dos guerreiros corporativos modernos, que usam a gravata para fortalecer a sua imagem, impor respeito e intimidar os inimigos nas batalhas diárias do mundo empresarial. O que me intriga é a manutenção desse adorno até os dias de hoje, sendo que a maioria dos homens chega em casa no final do dia e faz um gesto de libertação e relaxamento, soltando aquele nó apertado que gerou desconforto, podendo finalmente ser ele mesmo. Não parece estranho para você também? Eu acredito que o que vale a pena mesmo é se sentir bem com você mesmo, independente da gravata. Um dia, num Congresso Notarial em Porto de Galinhas, onde eu presidia a abertura do evento, olhei de cima do palco para todos aqueles homens vestidos praticamente iguais, num calor louco, com o sol e o mar vistos da janela. Alguns se abanando, outros tentado aliviar o aperto da gravata, que estava claramente desconfortável. Era a hora de me libertar. Dei as boas vindas para todos e disse: declaro que o uso da gravata neste Congresso é abolido. Tirei minha gravata ali mesmo e fui seguido por muitos colegas, que se deram conta de que aquele não era o melhor traje para o nosso encontro e fizeram gestos de alívio enquanto se soltavam. Eis que o protocolo chama o Ministro palestrante da abertura, que entra “engravatado” e eu explico para ele sobre a nossa libertação naquele encontro, ele achou legal, deu um sorriso meio tímido, mas não conseguiu renunciar àquela formalidade e seguiu com seu jeito de ser. Por mim está bem, cada um com as suas crenças e com as suas próprias permissões. Cada um é o que se permite ser. Muitos homens consideram a moda como uma frivolidade e citarei aqui alguns famosos: Albert Einstein - Usou o mesmo terno durante muitos anos. Ele tinha várias cópias do mesmo traje. Em raríssimas ocasiões, Obama foi visto de outra forma que não seja vestindo um terno preto ou azul, e tinha um argumento similar ao de Einstein de não querer perder tempo tendo que escolher o que vestir, pois já tem decisões demais para tomar. Já Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, foi questionado sobre o motivo de usar sempre a mesma camiseta cinza e respondeu com uma sabedoria incrível e com o motivo que mais me identifiquei: “Eu realmente quero limpar minha vida de ter que tomar decisões que não tenham a ver com servir a minha comunidade da melhor maneira possível”. Isso fez um sentido enorme para mim, por isso declaro que eu não uso gravatas (salvo em ocasiões “obrigatórias”) justamente porque todos os dias sigo tentando ser alguém melhor para mim e para o mundo.