EMENTA: ADOÇÃO SOCIOAFETIVA - DECLARAÇÃO DE VONTADE EFETIVADA NO TESTAMENTO - RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO INCIDENTAL - POSSIBILIDADE. - O magistrado deve julgar com observância da legislação aplicável ao caso, mas não deve ignorar, diante das peculiaridades, a sensibilidade inerente ao ser humano, principalmente quando a relação a ser tutelada está fundada no afeto. - A doutrina e jurisprudência vêm caminhando para o abandono do formalismo excessivo e, em se tratando de filiação socioafetiva, tem-se priorizado a dignidade da pessoa. - No caso em exame deve ser reconhecida a adoção em razão do reconhecimento de filiação declarado no testamento deixado pelos falecidos pais afetivos da requerida, mesmo que o ato não se tenha efetivado com a observância estrita do procedimento prescrito na legislação. V.V.
EMBARGOS INFRINGENTES. ADMISSIBILIDADE. TESTAMENTO. DECLARAÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE. EFEITOS. LEI VIGENTE À DATA DO ÓBITO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DOS VOTOS VENCEDORES. EMBARGOS PARCIALMENTE CONHECIDOS E NÃO ACOLHIDOS. 1. O juízo de admissibilidade da ação rescisória não é questão de mérito, razão pela qual não pode ser objeto de impugnação por meio de embargos infringentes. 2. O testamento deve ser feito com a observância dos requisitos legais vigentes à data da lavratura, mas as declarações de última vontade nele contidas ganham eficácia tão-somente com o óbito do testador, daí por que devem ser apreciadas sob a égide da lei vigente à data do falecimento. 3. A atribuição da condição de filho, quando inexistente o vínculo biológico, depende da adoção, que, de acordo com o disposto no § 5º do art. 227 da Constituição da República e art. 1.623 do Código Civil, necessita de intervenção do Poder Público e processo judicial, com sentença constitutiva. 4. Constatada a violação a literal disposição de lei, impõe-se a desconstituição da decisão objurgada, com a procedência da ação rescisória.
EMBARGOS INFRINGENTES CÍVEL Nº 1.0000.08.472935-9/003 NA AÇÃO RESCISÓRIA Nº 1.0000.08.472935-9/000 - COMARCA DE CAMPESTRE - EMBARGANTE (S): ALDA DO LAGO FRANCO - EMBARGADO (A)(S): FLÁVIO JAIR DE ALMEIDA FRANCO - RELATOR: EXMO. SR. DES. BITENCOURT MARCONDES - RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda o 4º GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador WANDER MAROTTA , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM ACOLHER OS EMBARGOS, POR MAIORIA. ABSTEVE-SE DE VOTAR A DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO.
Belo Horizonte, 20 de fevereiro de 2013.
DES. ELPÍDIO DONIZETTI - Relator para o acórdão.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Relator vencido.
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21/03/2012
4º GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 1.0000.08.472935-9/003 NA AÇÃO RESCISÓRIA Nº 1.0000.08.472935-9/000 - COMARCA DE CAMPESTRE - EMBARGANTE (S): ALDA DO LAGO FRANCO - EMBARGADO (A)(S): FLÁVIO JAIR DE ALMEIDA FRANCO - RELATOR: EXMO. SR. DES. BITENCOURT MARCONDES
O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES:
VOTO
Trata-se de Embargos Infringentes opostos por ALDA DO LAGO FRANCO, cujo pleito é a modificação do acórdão proferido na ação rescisória movida por FLÁVIO JAIR DE ALMEIDA FRANCO, para que prevaleçam os votos vencidos dos eminentes Desembargadores Roney Oliveira e Alvim Soares, que acolheram a preliminar de inadmissibilidade da rescisória e, no mérito, julgaram improcedente a ação.
Alega o não cabimento da ação rescisória em face de decisão interlocutória que, inclusive, foi objeto de interposição de agravo de instrumento, ao argumento de inexistir decisão de mérito.
Sustenta a inaplicabilidade das normas insertas no novo Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto os testamentos foram elaborados em abril e maio de 1990, antes da vigência de referidas normas e sob a égide do Código Civil de 1916.
Aduz que, nos termos do voto minoritário, a filiação por consanguinidade pode ser admitida por simples ato de vontade, ainda que de efeitos póstumos, se eleita a via testamentária, de modo que a ausência de instrumentalidade ou escritura pública não poderia servir de empeço para o reconhecimento da adoção pelo mesmo modo, ou seja, pelo testamento. Alega que a declaração feita pelos testadores é mais abrangente que uma simples escritura de adoção, pois menciona as figuras do filho e da filha, sem distinguir se adotivo ou consanguíneo, declarando a vontade expressa de contemplar ambos na partilha.
Contrarrazões às f. 366/372.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, opinando pelo desprovimento do recurso.
I - DA ADMISSIBILIDADE DOS EMBARGOS INFRINGENTES.
O art. 530 do Código de Processo Civil, assim dispõe:
Art. 530 - Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.
Embora seja patente a existência de divergência no acórdão relativamente ao juízo de admissibilidade da ação rescisória, entendo não ser cabível a oposição de embargos infringentes para discussão da questão, pelo simples motivo de não se tratar de matéria afeta ao mérito.
A propósito, assevera CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in verbis:
Diretamente, nada diz o novo art. 530 sobre a hipótese de a maioria de votos conter um juízo negativo de admissibilidade, não conhecendo da apelação ou extinguindo o processo da ação rescisória sem julgamento do mérito. Daí porém a certeza de não querer os embargos infringentes em qualquer desses casos, ao dizer que eles cabem quando o acórdão, por maioria de votos, reformar a sentença em grau de apelação ou julgar procedente a ação rescisória, porque (a) reformar a sentença em apelação é conhecer do recurso e dar-lhe provimento e (b) julgar procedente a ação rescisória é afastar preliminares de sua inadmissibilidade e julgar-lhe o mérito. Segue-se que essas locuções não só excluem os embargos infringentes quando a maioria confirmar a sentença em apelação ou julgar improcedente a ação rescisória, mas também quando sequer chegar ao mérito de uma ou de outra, parando no juízo negativo de admissibilidade - porque também nessa hipótese o apelante ou o autor terá sucumbido duas vezes, ainda que de modo não-homogêneo (vencido pelo mérito no julgamento anterior e vencido na preliminar, no julgamento da apelação ou ação rescisória). (...) Não há dúvida de que a Reforma da Reforma negou de modo radical os embargos infringentes contra acórdão que profere algum desses juízos negativos de admissibilidade, porque em todo sistema processual os recursos existentes são aqueles que a lei indica e sob os pressupostos que a lei exige. (...). (DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, pg. 200).
Assim, conheço dos Embargos Infringentes apenas quanto ao mérito. II - DO OBJETO DO RECURSO
Requer a recorrente a manutenção dos votos vencidos, bem como a prevalência da decisão proferida pelo Juiz de Direito da comarca de Campestre que, nos autos do inventário de Jair Rosa Franco e Maria de Almeida Franco, atribuiu à embargante a condição de filha dos autores da herança e, via de consequência, de herdeira necessária, em decorrência dos testamentos firmados pelos genitores do embargado.
A decisão rescindenda encontra-se assim fundamentada:
(...) basta uma análise mais detida do testamento para chegar-se à conclusão de Alda do Lago Franco foi reconhecida como filha pelo testador nas mesmas condições de seu filho biológico Flavio Jair de Almeida Franco.
Há no testamento várias citações atribuindo a qualidade de filha para Alda do Lago Franco, inclusive no testamento deixado por Maria de Almeida Franco, que também sem equívocos ou dúvidas, reconheceu Alda como filha e, doravante, deve assim ser tratada, participando do feito nessa qualidade. (f. 27/28)
O voto condutor do acórdão, proferido pela Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, entendeu pela procedência da ação rescisória aos seguintes argumentos:
Desta feita, ressaindo induvidoso que o Código Civil estatuiu depender, também a efetivação da adoção de maiores de dezoito anos, de sentença constitutiva, a ser obtida através de processo judicial específico, no caso dos autos, há de se convir que o magistrado singular, ao atribuir à Ré qualidade de filha de Jair Rosa Franco e Maria de Almeida Franco, e determinar que nesta qualidade participasse do inventário, como fez, deixou de observar os dispositivos legais atinentes à espécie. (...)
Consequentemente, restando demonstrado ter havido violação literal de lei, como determina o artigo 485, inciso V do CPC, a procedência do pedido, com a rescisão da decisão de fls. 27/28, na parte em que reconheceu a ré como filha de Jair Rosa Franco e Maria de Almeida Franco, determinando que participasse do inventário de bens deixados pelos mesmos nessa qualidade, é de se impor.
1 - DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL
Afirma serem inaplicáveis as normas insertas no novo Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto os testamentos foram elaborados em abril e maio de 1990, sob a égide do Código Civil de 1916.
O testamento, na lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 11ª ed., p. 134/135), "é o ato pelo qual uma pessoa dispõe de seus bens para depois de sua morte, ou faz outras declarações de última vontade", ressaltando, ainda, tratar-se de negócio jurídico mortis causa, "porque se existe sucessão sem testamento, este não tem eficácia sem a ocorrência do fato da morte do de cujus".
Percebe-se, portanto, que a simples lavratura do testamento não gera direitos para o herdeiro testamentário ou legatário, o que somente ocorre após o falecimento do testador.
Conquanto devam ser observados os requisitos exigidos pela lei vigente quando da lavratura e assinatura do testamento, enquanto viver o testador inexiste qualquer direito à herança, legado ou às declarações nele contidas, porquanto não houve a concretização do direito subjetivo nele estampado. Logo, o herdeiro testamentário e/ou o legatário não poderão invocar direito adquirido quanto às declarações de última vontade antes do óbito, por possuírem tão-somente expectativa de direito, daí por que quanto a essas, aplica-se a lei vigente na data da morte. Não por menos, a sucessão é regida pela legislação vigente à data do falecimento.
Nesse sentido, a posição doutrinária de JOSÉ DA SILVA PACHECO (PACHECO, José da Silva. Inventários e Partilhas na Sucessão Legítima e Testamentária. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 249):
Quanto à lei que regula a sucessão testamentária, pode-se dizer o seguinte: a) a lei vigente, por ocasião da elaboração e assinatura do testamento, prevalece com relação à capacidade do testador e às formalidades extrínsecas do ato, de modo que a superveniência de incapacidade ou da capacidade não altera a sua invalidade ou validade, do mesmo modo que a abolição ou modificação da forma em que foi feito o testamento, não lhe altera o valor; b) a lei vigente por ocasião da abertura da sucessão incide sobre a capacidade para suceder e sobre os efeitos ou condições das disposições testamentárias.
No caso presente, os testamentos foram elaborados em abril e maio de 1990, sob a égide do Código Civil de 1916, mas os falecimentos ocorreram em 2003 e 2004, assim, nos termos do acima exposto, as declarações de última vontade dos testadores devem ser analisadas sob a égide do Código Civil de 2002, vigente à data do óbito.
2 - DA ALEGADA VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI
A presente ação rescisória foi ajuizada pelo embargado, com fulcro no artigo 485, V, do Código de Processo Civil, com o fito de rescindir decisão de mérito, transitada em julgado, que, sob a ótica do autor, violou literal disposição de lei. Sua irresignação está no fato de a decisão rescindenda ter legitimado a ré como filha dos inventariados, na condição de adotada, sem qualquer procedimento litigioso, em inobservância à norma inserta no art. 1.623 do Código Civil, ressaltando que o magistrado, por via indireta, retirou do mundo jurídico o nome dos pais biológicos e registrais da requerida, sem que estes tenham sido demandados ou que tenham consentido com a adoção.
A questão litigiosa, portanto, cinge-se em perquirir se as declarações de última vontade teriam o condão de legitimar a ré como filha dos testadores, em decorrência da suposta manifestação de adoção, decorrendo daí efeitos sucessórios.
A norma inserta no art. 375 do Código Civil de 1916 permitia que a adoção se fizesse por meio de escritura pública, independentemente da idade do adotando. Com o advento da Constituição da República de 1988, a adoção passou a necessitar de intervenção estatal, dispondo o art. 227, § 5º, que "será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiro". Em consonância com o caput do artigo, a norma constitucional se dirigia tão-somente para crianças e adolescentes.
Por sua vez, a Lei 8.069/90 veio para dar proteção integral à criança e ao adolescente, prevendo expressamente que "o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil" (art. 47). Com a entrada em vigor do ECA, foram revogados os princípios do Código Civil de 1916 para os menores de dezoito anos, que passaram a ser regidos pela nova lei. Assim, o ECA e o Código Civil conviveram por algum tempo, exigindo, o Estatuto, processo judicial para a adoção de menores e a norma civil tão- somente manifestação volitiva dos adotantes de maiores de 18 anos, via escritura pública.
Com o novo Código Civil, passa a ser indispensável a intervenção judicial também para o adotando maior de dezoito anos, conforme dispõe o parágrafo único do art. 1.623, do Código Civil, vigente à época:
Art. 1.623. A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código.
Parágrafo único. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.
Por oportuno, transcrevo a lição de GALDINO AUGUSTO COELHO BORDALLO sobre o art. 1623, mencionada pela eminente Desembargadora Relatora em seu voto:
A regra do caput está em consonância com a norma do art. 227, § 6º da Constituição Federal, seguindo, também, a linha adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo com que a adoção só se realize através de processo judicial.
(...)
O parágrafo único encerra comando que deve ser celebrado como um grande acerto do legislador, pois põe termo à esdrúxula figura da adoção por escritura pública para maiores de 18 anos de idade, prevista noCódigo Civil de 19166. Não mais existem modalidades diversas de adoção em função da idade do adotando.
Deve ser ressaltado que, com o advento do ECA, se extinguiu a adoção por escritura pública para as crianças e adolescentes (art. 47 da Lei nº 8069/90). Com o texto do atual Código Civil, passa-se a ter aplicação efetiva do princípio constitucional da igualdade, pois o procedimento da adoção será o mesmo para todas as pessoas, findando a distinção que havia com relação à idade do adotando, bem como se dando efetiva aplicação ao disposto no art. 227, § 5º, da Constituição Federal, que determina que a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei.
(...)
Não se pode entender que a adoção para menores de 18 anos seja realizada com intervenção judicial e a dos maiores de 18 anos não o seja, sob pena de ser violado, como já dito acima, o principio da igualdade. Ademais, como pode ser realizada a adoção dos maiores de 18 anos de idade apenas com a intervenção do Ministério Público, se será necessário o cancelamento do registro de nascimento original do adotando e realização de novo registro, o que só se dará com determinação judicial?
(...)
Indispensável a ação de adoção para a efetivação do parentesco civil, o qual só terá eficácia após o trânsito em julgado da sentença que julgar o pedido procedente, determinando-se o cancelamento do registro original e a realização de novo registro de nascimento, conforme art.477 e seus parágrafos 1º e 2º, do ECA.
No caso presente, os genitores do autor rescindendo firmaram testamentos em abril e maio de 1990, nos quais declararam que criaram Alda do Lago Franco, como filha, desde onze dias de idade, dispondo de 12,5% de seus patrimônios para a ré (f. 57/60 e 65/67). Depreende-se, ainda, que, naquela época, a embargante já havia adquirido a maioridade civil.
Percebe-se do acima exposto, portanto, que a suposta manifestação de vontade dos testadores, no documento, não era suficiente para atribuir à embargada a condição de filha, sendo indispensável sentença constitutiva para tanto, por meio de processo judicial específico.
Assim, o magistrado ao declarar a recorrida como filha adotiva dos autores dos testamentos, violou literal disposição de lei, qual seja, a norma inserta no art. 1.623 do Código Civil.
Lado outro, como bem asseverou a i. Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, "revela-se inócua qualquer discussão acerca da presença ou não dos requisitos para a adoção póstuma" nestes autos, porquanto indispensável a instauração de procedimento próprio para tanto.
Demonstrada violação a literalidade de dispositivo legal, impõe-se a rescisão da decisão objurgada, nos termos do art. 485, V, do Código de Processo Civil.
III - CONCLUSÃO
Ante o exposto, não conheço do recurso quanto ao juízo de admissibilidade da ação rescisória e, no mérito, rejeito os embargos infringentes.
Custas na forma da lei.
É como voto.
O SR. DES. PEIXOTO HENRIQUES:
Sr. Presidente.
Reconfortado agora com o voto de S. Ex.ª, o eminente Relator, ratifico o voto prolatado por ocasião do julgamento da Rescisória.
O SR. DES. WASHINGTON FERREIRA:
Com o Relator.
O SR. DES. WANDER MAROTTA:
Peço vista dos autos, apesar de ter votado quando do julgamento da ação, porque surgiram-me algumas dúvidas ao examinar o voto vencido do eminente Des. Roney Oliveira.
O SR. DES. ELPÍDIO DONIZETTI:
Sr. Presidente, pela ordem.
Gostaria de adiantar o meu voto.
VOTO
Trata-se de embargos infringentes interpostos por Alda do Lago Franco, com o fito de resgatar os votos vencidos proferidos no julgamento da Ação Rescisória nº 1.0000.08.472935-9/000, da lavra do vogal para aquela ação, Des. Roney Oliveira, o qual foi acompanhado pelo Des. Alvim Soares.
Acordou o 4º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça de Minas Gerais em julgar procedente a ação rescisória para rescindir parcialmente a decisão de f. 27/28, na parte em que reconheceu a ora embargante como filha de Jair Rosa Franco e Maria de Almeida Franco, conforme voto condutor da relatora, Des.ª Teresa Cristina da Cunha Peixoto.
O vogal da ação rescisória, vencido em tal capítulo do acórdão, afirmou que: se a própria filiação por consangüinidade pode ser admitida por um simples ato de vontade, ainda que de efeitos póstumos, se eleita a via testamentária, entendo que, ainda que atropelada a formalidade da adoção pela ausência de instrumentalidade ou escritura pública, algo existe de muito mais valia que uma singela escritura passada em cartório: a declaração de última vontade, que coloca em posição de igualdade tanto o Autor quanto a Ré desta rescisória. No caso em tela, o Autor teve a felicidade de que fossem seguidos os trâmites legais. O trâmite legal, na adoção, somente é exigível para oficializar o desejo efetivo do adotante. Inexistiu, in casu, a instrumentalidade da escritura formal, o ato ocorreu inter vivos, mas houve reconhecimento póstumo, equivalente a uma escritura pública de adoção e com força ainda maior do que ela.
Inconformada com a conclusão do julgamento colegiado, a ré manejou estes embargos infringentes (f. 359-362), nos quais pugna pela reforma do acórdão, para que prevaleça o voto do vogal.
A questão discutida nos autos cinge-se a saber se a declaração dos testadores, reconhecendo a embargante como filha, teria o condão de constituir sua adoção.
Compulsando os autos, verifica-se que Maria de Almeida Franco e Jair Rosa Franco deixaram testamentos (f. 57-60 e 65-67), nos quais afirmaram que criaram a embargante, nascida em 20/07/1944, desde os 11 dias de idade.
À época da elaboração dos referidos testamentos - 1990 -, a adoção de maiores era regida pelo Código Civil de 1916, o qual, em seu art. 375, permitia que a adoção se fizesse por meio de mera escritura pública, ou seja, sua formalização ocorria pela simples manifestação de vontade dos adotantes perante um tabelião.
Os referidos testamentos, intitulados "particular escritura de testamento" (Maria de Almeida Franco) e "testamento cerrado" (Jair Rosa Franco), foram elaborados na presença de testemunhas, tendo sido levados a cartório para reconhecimento de firma.
De uma simples leitura de tais documentos, verifica-se que os testadores não fizeram qualquer distinção entre a embargante e o embargado, conforme se depreende dos seguintes trechos dos testamentos:
(...) que não tendo filho acolhi e criei como filha desde 11 dias de idade Alda do Lago Franco, brasileira, casada e Flávio Jair de Almeida Franco, filho legítimo nascido em 24 de julho de 1955 (...) faço meu testamento e disposição de última vontade como de fato faço, podendo dispor livremente da metade, assim faço pela forma seguinte: primeiro desejo que vinte e cinco por cento de meus bens fique para meu esposo Jair Rosa Franco e doze (12,5%) para cada um de meus filhos, os quais foram criados por mim e a ambos muito bem quero (...) nomeio meu esposo Jair Rosa Franco como testamenteiro para indicar os bens imóveis da fazenda Canaã município de Campestre MG que passará a pertencer aos filhos Alda do Lago Franco e Flávio Jair de Almeida Franco, num total de 12,5% ou seja metade da metade para cada um (...) (Testamento de Maria de Almeida Franco, f. 57-59)
(...) não tenho filhos, acolhi e criei como filha desde onze dias de idade, Alda do Lago Franco, brasileira, casada e Flávio Jair de Almeida Franco, filho, nascido em 24 de julho de 1955 (...) que podendo dispor livremente da metade, desejo que 25% (vinte e cinco por cento) de meus bens fiquem para minha esposa, Maria de Almeida Franco, e 12,5% (doze e meio por cento) para cada um de meus filhos, os quais foram criados por mim testador e a ambos muito quero (...) Declaro que dei ao meu filho Flávio Jair de Almeida Franco (...) uma parte de terra onde tem plantações de café para dela usar e desfrutar, enquanto eu vivo fosse, portanto, logo que eu deixar de existir, entrará para monte-mor aquelas terras de café, havendo-se por nenhuma e qualquer declaração que apareça em sentido contrário. Deixo para minha filha Alda do Lago Franco, uma gleba de terra de cultura, com área enunciativa de 1.81.50 hectares, lugar denominado "Serrinha" ou Roseira (...) Deixo ainda uma gleba de terra existente na Fazenda Canaã (...). lugar denominado Esmeul (...) Deixo ainda um galpão de guarda adubo três casas de tijolo com instalação elétrica. Se porventura no caso de falecimento de minha esposa e eu próprio seja entregue aos meus diletos filhos a metade legítima de tudo de que minha esposa e eu Jair Rosa Franco somos donos legítimos. (...) A Fazenda Canaã, excluindo a gleba que já doei ao meu filho Flávio, deverá ser dividida para o Flávio e a Alda no caso de falecimento de seus pais (...) (Testamento de Jair Rosa Franco, f. 65-66v)
Não restam dúvidas de que pretendiam os testadores que cada um de seus filhos adotivos - um com adoção formalizada e outra, não - recebesse metade dos bens da família, havendo, inclusive, referência à divisão igualitária da legítima no testamento deixado por Jair Rosa Franco.
Além disso, Jair ainda declara que doou ao embargado parte da Fazenda Canaã, em claro adiantamento da legítima, uma vez que o próprio testador determina o retorno de tal gleba ao "monte-mor" após sua morte.
Ora, não é da cultura do brasileiro elaborar testamento, pelo que as cédulas testamentárias em discussão - ao que parece - foram elaboradas justamente para se garantir o tratamento igualitário aos filhos, em virtude da não regularização - por motivo que não se sabe precisar - da adoção da filha, ora embargante.
Deve-se lembrar que a escritura de adoção constitui manifestação de vontade com participação do delegatário do serviço público, o qual possui fé pública. Da mesma forma, os testamentos de Maria de Almeida Franco e Jair Rosa Franco são manifestações de vontade - diga-se de passagem, declarações de última vontade -, que foram emanadas na presença de testemunhas e cujas firmas foram reconhecidas como autênticas pelo tabelião.
Em que pese a escritura pública de adoção e os testamentos em questão serem documentos distintos, o excesso de formalismo, quando a vontade dos testadores restou clara, ao dispensarem tratamento idêntico a ambos os filhos adotivos, considerando a embargante como herdeira e, não, apenas como legatária, apenas impede que se atinjam os verdadeiros anseios de Justiça. Ora, as formas devem ser observadas para que sejam resguardos garantias e direitos, nunca para suprimi-los.
Assim, inexiste razão para que se desconsidere a manifestação de vontade das partes, ainda que declarada por meio de documento diferente da escritura pública específica de adoção, motivo pelo qual, assim como o Des. Roney Oliveira, entendo que, no caso em comento, os testamentos são instrumentos hábeis a constituir a adoção da embargante pelos testadores.
Por estas razões, ACOLHO os embargos infringentes interpostos pela ré para negar provimento à ação rescisória ajuizada pelo embargado.
SÚMULA: PEDIU VISTA O DES. WANDER MAROTTA, APÓS O RELATOR (DES. BITENCOURT MARCONDES) CONHECER PARCIALMENTE DOS EMBARGOS E REJEITÁ-LOS, SENDO ACOMPANHADO PELO REVISOR (DES. PEIXOTO HENRIQUES) E DES. WASHINGTON FERREIRA. O DES. ELPÍDIO DONIZETTI, EM ADIANTAMENTO DE VOTO, ACOLHIA-OS.
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16/05/2012
4º GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS
ADIADO
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 1.0000.08.472935-9/003 NA AÇÃO RESCISÓRIA Nº 1.0000.08.472935-9/000 - COMARCA DE CAMPESTRE - EMBARGANTE (S): ALDA DO LAGO FRANCO - EMBARGADO (A)(S): FLÁVIO JAIR DE ALMEIDA FRANCO - RELATOR: EXMO. SR. DES. BITENCOURT MARCONDES
O SR. PRESIDENTE (DES. WANDER MAROTTA):
O julgamento deste feito foi adiado na Sessão do dia 21/03/2012, a meu pedido, após votar o Relator (Bitencourt Marcondes), conhecendo parcialmente dos Embargos e rejeitando-os, sendo acompanhado pelo Revisor (Des. Peixoto Henriques) e 1º Vogal (Des. Washington Ferreira). O 5º Vogal (Des. Elpídio Donizetti), em adiantamento de voto, votou acolhendo os Embargos.
O meu voto é o seguinte.
Examinam-se embargos infringentes opostos por Aldo do Lago Franco, visando a fazer prevalecer o voto minoritário proferido pelo eminente Vogal, Des. Roney Oliveira, que julgou improcedente a ação rescisória, nos seguintes termos:
"Os votos que me precederam, mormente o da eminente Relatora, estão, do ponto de vista técnico e jurídico, perfeitos. Gostaria de acompanhar esse posicionamento. Todavia, em minha curta vida profissional como advogado, deparei com caso idêntico ao destes autos.
Nos idos de 1966 a 1968, tive a oportunidade, enquanto, repito, advogado do interior, de representar um viúvo, como inventariante do espólio da falecida esposa. Havia três pessoas do sexo masculino, todos eles notoriamente filhos do casal, e uma filha, por todos assim considerada. Quando da outorga da procuração, tanto o viúvo, quanto os filhos declararam que havia quatro herdeiros, três do sexo masculino e aqueloutra do sexo feminino. Todos convencionaram que a partilha deveria ser feita em igualdade de condições entre os quatro. O viúvo foi além: abdicou de sua meação em favor do quarteto de herdeiros.
Sabia o jovem advogado de então que filhos consanguíneos eram apenas três e que a outra era tida como filha, mas não havia documento comprobatório de sua condição, fosse ela legítima ou adotada. Prevaleceu, no entanto, a vontade de todos, ferindo a legalidade, mas homenageando a isonomia.
Já como Magistrado, numa comarca interiorana, fui convidado para ser, noutra cidade, testemunha de determinado casamento, no outro extremo do Estado. A noiva era mãe solteira, sua filha fora fruto de uma aventura, quando ela viajou para a Itália com um cidadão que a abandonou, tão logo soube da gravidez. O noivo brasileiro sabia daquela situação e concordou, plenamente, em se casar com a mãe solteira. Fui testemunha das núpcias, não como magistrado, mas em caráter social, informal, até mesmo familiar.
Na celebração do casamento civil, o noivo, que, na verdade, não era o pai, declara, expressamente, na mesma escritura, que reconhecia a infanta como sua filha. Fiquei surpreso e chocado com as duas situações, mas silenciei. Pode ser que meu silêncio tenha sido até um pouco cúmplice, mas entendi que, extra e ultra legem, se fazia justiça naquela situação de fato.
Todos nós, quando estudamos"Sucessões"no Direito de Família, mormente a questão do reconhecimento de paternidade, sabemos que este pode fazer-se por via judicial, quando o pretenso pai se nega ao reconhecimento e é compelido, por sentença, a fazê-lo, ou voluntariamente, por escritura pública ou testamento.
Ora, se a própria filiação por consanguineidade pode ser admitida por um simples ato de vontade, ainda que de efeitos póstumos, se eleita a via testamentária, entendo que, ainda que atropelada a formalidade de adoção pela ausência de instrumentalidade ou escritura pública, algo existe de muito mais valia que uma singela escritura passada em cartório: a declaração de última vontade, que coloca em posição de igualdade tanto o Autor quanto a Ré desta rescisória. No caso em tela, o Autor teve a felicidade de que fossem seguidos os trâmites legais. O trâmite legal, na adoção, somente é exigível para oficializar o desejo efetivo do adotante. Inexistiu, in casu, a instrumentalidade da escritura formal, o ato ocorreu inter vivos, mas houve reconhecimento póstumo, equivalente a uma escritura pública de adoção e com força ainda maior do que ela.
Ainda que esse argumento possa ser descartado, retorno àqueloutro que me levou à rejeição da prefacial: inexistiu sentença de mérito, mas mera decisão interlocutória. Seja por um motivo, seja pelo outro, não vejo como albergar a rescisória, que reputo improcedente.
Todavia, peço desculpas à Relatora, pois somente agora, pouco antes da sessão, tive tempo de examinar a matéria, o que explica o caráter surpreendente deste voto que, embora escoteiro e minoritário, expressa minha íntima convicção contra o excesso de formalismo e em favor da validade do ato, desde que haja um outro, superveniente, que possa suprir a ausência daquela formalidade primeira. A declaração dos testadores supre, sim, essa vontade, e a supre com muito maior razão, por ser mais abrangente que uma simples escritura de adoção, pois menciona, de maneira genérica, as figuras do filho e da filha, não distingue se adotivo ou consanguíneo, declarando, assim, a vontade expressa de contemplar todos eles na partilha.
Em respeito à vontade dos testadores, à coisa julgada e à literalidade do art. 485 do CPC, que veda o ajuizamento da rescisória na ausência de sentença de mérito, por tudo isso sou levado, com respeitosa vênia, a julgá-la improcedente."
Penso, data venia, que deve prevalecer este voto.
Realmente, conquanto não tenha sido observado o procedimento devido para a adoção da requerida, as declarações efetivadas no testamento demonstram a manifestação de livre vontade dos testadores de serem os pais da embargante. Esta vontade foi construída com base no afeto e sem vício de consentimento, haja vista que os testamentos foram confirmados judicialmente (fls.61/64 e 68/70) e a decisão transitou em julgado, não tendo as partes se insurgindo contra ela - que os considerou válidos.
A testadora, Maria de Almeida Franco, em 15.04.1990, declarou: "que não tendo filho, acolhi e criei como filha desde 11 dias de idade, Alda do Lago Franco, brasileira, casada e Flávio Jair de Almeida Franco, filho legítimo nascido 24 de julho de 1995 (...); primeiro desejo que vinte e cinco por cento de meus bens fique para meu esposo Jair Rosa Franco e doze (12,5%) para cada um de meus filhos, os quais foram criados por mim e a ambos quero muito bem" (fls.57 e 58).
Em seu testamento, firmado em 21.05.1990, Jair Rosa Franco, declarou que: "não tendo filhos, acolhi e criei como filha desde onze dias de idade, Alda do Lago Franco, brasileira, casada e Flávio Jair de Almeida Franco, filho nascido a 24 de julho de 1955 (...); que podendo dispor livremente da metade, desejo que 25% (vinte e cinco por cento) de meus bens fiquem para sua esposa Maria de Almeida Franco e 12,5% (doze e meio por cento) para cada um de meus filhos, os quais foram criados por mim, testador e a ambos eu quero bem"- (fls. 65 e 65-v).
Os termos destes testamentos - a última vontade das partes - não devem ser violentados e sim respeitados, a fim de que se declare a filiação socioafetiva e a adoção, que, embora realizadas de forma atípica, merecem prevalecer, uma vez que o reconhecimento espontâneo de filiação no testamento também pode ser incidental, conforme leciona o ilustre colega e Desembargador Elpídio Donizetti, em sua recente obra Curso Didático de Direito Civil:
"O reconhecimento de filho tem a natureza de um ato jurídico voluntário unilateral, e pode ter uma das seguintes formas (art. 1609 do Código Civil e art. 26 do Estatuto, segundo parte): declaração ao oficial de registro de nascimento, levada a termo; escritura pública, ou escrito particular registrado em cartório; testamento; manifestação direta e expressa perante o juiz.
No testamento, o reconhecimento pode ser incidental, o que, todavia, não o invalida. Um exemplo seria uma cláusula em que o testador escreve"deixo meus bens para meu filho Clóvis", sendo que o testador nunca antes reconhecera a paternidade de Clóvis.
No caso do reconhecimento judicial, não é necessário que o objeto da ação em que ele se deu fosse a declaração de filiação, nem que o reconhecimento fosse objeto do ato em que se manifestou. Logo, se em uma ação qualquer - imaginemos uma ação de reparação civil -, em uma audiência, a parte menciona perante o magistrado" quando tive certeza de que Rui era meu filho... ", o reconhecimento se considera feito. Veja-se que a menção incidental em peça estrita não produz este efeito, porquanto elaborada por advogado, e não pela parte, a não ser que por meio do mandato celebrado se tenham conferido poderes para reconhecer filiação.
O reconhecimento espontâneo da filiação pode ser até mesmo anterior ao nascimento, bem como posterior à morte do filho (art. 1.609, parágrafo único).
(...)
No Direito contemporâneo, admite-se o reconhecimento espontâneo não apenas de filiação biológica como também de filiação socioafetiva. O reconhecimento espontâneo de filiação socioafetiva configura o que se chama de" adoção à brasileira "" (pg.1013/1014 - Curso didático de direito civil / Elpídio Donizetti; Felipe Quintella. São Paulo: Atlas, 2012).
O magistrado deve julgar com observância da legislação aplicável ao caso, mas não deve ignorar, diante das peculiaridades, a sensibilidade inerente ao ser humano, principalmente quando a relação a ser tutelada está fundada no afeto.
Não me sinto confortável em reconhecer a requerida apenas como herdeira testamentária se considerada a prova inequívoca da vontade dos testadores em adotá-la e atribuir-lhe a filiação. A doutrina e jurisprudência vêm caminhando para o abandono do formalismo excessivo e, em se tratando de filiação socioafetiva, tem-se priorizado a dignidade da pessoa.
No caso em exame, deve ser reconhecida a adoção em razão do reconhecimento de filiação declarado no testamento deixado pelos falecidos pais afetivos da requerida, mesmo que o ato não se tenha efetivado com a observância estrita do procedimento prescrito na legislação.
O só fato de os testadores terem deixado para o filho biológico e a filha afetiva a herança havida por eles, em proporções iguais, demonstra que não estabeleciam qualquer diferenciação entre ambos, não cabendo ao Judiciário distingui-los em nome de princípios processuais de origem meramente formal.
A propósito, o colendo Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a adoção socioafetiva com base em certidão de batismo, mesmo após a morte do pai afetivo. Confira-se:
"ADOÇÃO PÓSTUMA. Prova inequívoca.
- O reconhecimento da filiação na certidão de batismo, a que se conjugam outros elementos de prova, demonstra a inequívoca intenção de adotar, o que pode ser declarado ainda que ao tempo da morte não tenha tido início o procedimento para a formalização da adoção.
- Procedência da ação proposta pela mulher para que fosse decretada em nome dela e do marido pré-morto a adoção de menino criado pelo casal desde os primeiros dias de vida.
- Interpretação extensiva do art. 42, § 5º, do ECA.
- Recurso conhecido e provido.
(REsp 457.635/PB, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/11/2002, DJ 17/03/2003, p. 238)"
Ressalte-se, aliás, que o próprio Judiciário vem mudando, quanto a este tema, os rumos de seu arraigado formalismo. No mês de fevereiro deste ano de 2012, a Eg. Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ editou o Provimento nº 16 que estabelece um conjunto de regras e procedimentos para facilitar o reconhecimento de paternidade no país. De acordo com o provimento, as mães de filhos que não possuem o nome do pai na certidão de nascimento poderão recorrer a qualquer cartório de registro civil para dar entrada no pedido de reconhecimento de paternidade. Da mesma forma, os pais que desejarem fazer o registro espontaneamente do filho poderão buscar qualquer cartório de registro civil. Esta desformalização mostra o privilégio que se deve conceder, em certos casos, à substância do ato, como aqui se propugna.
Enfim, mostra-se patente a necessidade de não ficar o Juiz atado a requisitos formais. A questão deve ser analisada conjugando todos os elementos de prova, o contexto cultural dos fatos e a opção dos testadores de criar e educar a filha, conjugando tudo ao afeto, amor e carinho que lhe dedicaram, além da consideração indispensável de sua preocupação em resguardar-lhe os direitos patrimoniais.
Ante o exposto, peço vênia aos ilustres Desembargadores e acolho os embargos para julgar improcedente a rescisória.
O SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM:
Sr. Presidente.
Peço vista dos autos.
SÚMULA: PEDIU VISTA O DES. EDGARD PENNA AMORIM, APÓS VOTAR O DES. WANDER MAROTTA ACOLHENDO OS EMBARGOS.
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NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. PRESIDENTE (DES. WANDER MAROTTA):
O julgamento deste feito foi adiado na Sessão do dia 21.03.12, a meu pedido, após votar o Relator (Des. Bitencourt Marcondes) conhecendo parcialmente dos embargos e rejeitando-os, sendo acompanhado pelo Revisor (Des. Peixoto Henriques) e 1º Vogal (Des. Washington Ferreira). O 5º Vogal (Des. Elpídio Donizetti), em adiantamento de voto, acolheu os Embargos.
Foi novamente adiado na Sessão do dia 16.05.2012, a pedido do 3º Vogal (Des. Edgard Penna Amorim), após votar este 2ºVogal (Des. Wander Marotta), acolhendo os Embargos.
Com a palavra o Des. Edgard Penna Amorim.
O SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM:
VOTO
Pedi vista em sessão pretérita para melhor análise dos autos. Tendo-o feito, peço vênia ao em. Relator para dissentir de seu voto.
Na espécie, dos termos dos testamentos, tem-se por patente o vínculo de filiação socioafetiva existente entre os testadores e a ora embargante, donde caracterizado formalismo excessivo o não reconhecimento da adoção em virtude de ausência de procedimento judicial para este fim.
Destarte, na linha do voto do em. Des. WANDER MAROTTA, impõe-se respeitar a última vontade dos testadores em detrimento ao rigor formal, para se reconhecer a adoção da embargante pelos testadores.
Diante do exposto, renovadas as vênias, acompanho o em. 2º Vogal e acolho os embargos infringentes, para julgar improcedente a rescisória.
O SR. DES. OLIVEIRA FIRMO:
VOTO
I -
1. Quanto à preliminar de inadmissibilidade de rescisória incidente sobre decisão interlocutória (divergência apontada e existente nestes infringentes), sou que acode razão à embargante a respeito - aliás, reiterando tese discutida no acórdão embargado. Eis que a rescisória só incidirá sobre sentença de mérito ou acórdão, o que, definitivamente, não se me afigura ser o caso. E tanto assim é que a decisão de reconhecimento de uma espécie de "declaração de paternidade ou adoção", ora atacada, não transita em julgado, sendo mesmo uma interlocutória, cujo resultado definitivo só se verificará ao final do inventário, com a sua homologação, oportunidade em que a matéria - prejudicial decida em incidente - poderá ser ressuscitada, à luz dos mesmos argumentos que são íntimos da legalidade e da verdade dos fatos (art. 469 do CPC). II -
2. Registro que recebi estes autos no estado em que se encontram, ou seja, já superadas as questões preliminares, inclusive a alegação de não cabimento da ação rescisória, afastada em julgamento deste 4o Grupo de Câmaras Cíveis do qual não participei. Manifesto-me, portanto, quanto à questão meritória divergente, ou seja, a atribuição da condição de filha dos falecidos à embargante na decisão interlocutória.
3.Entendo que, pelas normas que regem as relações de parentesco, em especial a filiação, insertas no Código Civil, consideram-se filhos aqueles: a) - havidos da relação de casamento, ditos biológicos (art. 1596 e art. 1597 do CC/02); b) - os formalmente reconhecidos (art. 1607 e 1.609 do CC/02); c) - e os adotados (art. 1.618 e 1.619 do CC/02).
4. Examinando o caso dos autos, sequer vislumbro qualquer das hipóteses elencadas. Ainda que em testamento tenham manifestado os falecidos que criaram a embargante como filha, os termos utilizados exprimem que assim o fizeram "como se filha fosse", e não há nos testamentos ou em outro documento dos autos o reconhecimento expresso - indicação deliberada de reconhecimento - de que a embargante era filha do casal, ou o intuito incontestável de adotá-la. Ademais, ficaria difícil mesmo reconhecer a paternidade de alguém que já possui pais biológicos, ou mesmo a adoção que não se processe nos moldes de um devido processo legal.
5.Destarte, acompanho o Relator.
O SR. DES. ALYRIO RAMOS:
Sr. Presidente.
Acompanho a divergência, acolhendo os Embargos.
O SR. DES. BELIZÁRIO DE LACERDA:
Sr. Presidente.
Rogo vênia ao eminente Relator para, também, aderir à divergência.
A SRª. DESª. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO:
Sr. Presidente.
Abstenho-me de votar, por não ter participado do início do julgamento.
SÚMULA : ACOLHERAM OS EMBARGOS, POR MAIORIA. ABSTEVE-SE DE VOTAR A DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO.
Fonte:
Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 12 de Setembro de 2014