06 de January de 2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. BENS DOADOS A TÍTULO DE ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. COLAÇÃO.

Caso no qual os agravantes receberam doação dos pais, feita por escritura pública que declarou expressamente que a doação era feita a título de adiantamento de legítima, e que deveria ser depois objeto de colação.

No contexto de um instrumento de doação que afirma que a doação foi feita a título de adiantamento de legítima para ser depois objeto de colação, não há falar e nem cogitar em necessidade de ajuizamento de ação ordinária para investigar inoficiosidade da doação.

Hipótese de adequada determinação de colação dos bens recebidos por doação.

NEGARAM PROVIMENTO.

AGRAVO DE INSTRUMENTO

OITAVA CÂMARA CÍVEL

Nº 70061125704 (N° CNJ: 0305133-52.2014.8.21.7000)

COMARCA DE PASSO FUNDO

CORDEVINA MELLO FONTANA E OUTROS,

AGRAVANTES;

ANTONIO JARDELINO FONTANA,

AGRAVADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo de instrumento.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ.

Porto Alegre, 25 de setembro de 2014.

DES. RUI PORTANOVA,

Relator.

portanova@tj.rs.gov.br

RELATÓRIO

DES. RUI PORTANOVA (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação de inventário, determinou aos agravantes que colacionassem bens recebidos por doação do autor da herança, a título de adiantamento de legítima.

Os agravantes alegam que as doações foram feitas em 1991, e dizem que a parte adversa deveria ter ajuizado ação declaratória de nulidade por doação inoficiosa, coisa que não ocorreu. Reputam ocorrência de prescrição. Dizem que o inventário não é a via adequada para apurar se houve ou não doação inoficiosa. Pediram a reforma da decisão.

Foi indeferido o pedido liminar.

Não vieram contrarrazões.

O Ministério Público deixou de ofertar parecer.

É o relatório.

VOTOS

DES. RUI PORTANOVA (RELATOR)

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que, em inventário, determinou aos aqui agravantes que colacionassem bens que receberam em doação dos pais.

Os aqui agravantes alegaram que o agravado teria que ter ingressado com ação para anulação da doação inoficiosa, e que tal ação não ajuizada já estaria fulminada pela prescrição (porque contam o prazo a partir da data da doação, não a partir da data da abertura da sucessão).

Mas sem razão.

Os aqui agravantes receberam doação dos pais por escritura pública. E a escritura pública foi absolutamente clara ao afirmar que:

(...) a presente doação é feita como adiantamento de legítima, devendo ser trazida à colação, na forma do artigo 1.785 e seguintes do Código Civil, do que dou fé. (fl. 146, verso)

Ora, se o próprio instrumento da doação já declarou que era doação a título de adiantamento de legítima a ser depois colacionada, não há falar nem cogitar fosse necessária ação própria para que fosse possível determinar aos agravantes que procedessem à colação.

O próprio instrumento da doação já impôs aos donatários, os aqui agravantes, o dever de colacionar. E por isso é desnecessária ação própria para essa finalidade.

Não olvido, de resto, que a necessidade de apurar “doação inoficiosa” tem cabimento quando se está diante de doação que sai da parte disponível do doador.

Contudo, não é o que se dá no caso, já que como se viu a doação foi feita expressamente a título de adiantamento de legítima, não havendo “inoficiosidade” a ser apurada, mas apenas valores daquilo que foi doado, para fins de equiparação das legítimas.

Por fim, não custa destacar que mesmo que fosse ou venha a se tornar necessário o ajuizamento de alguma ação, o prazo extintivo para tal ajuizamento deve ser contado da data da abertura da sucessão, não da data da doação, em face da aplicação da teoria da “actio nata”, tal qual referi no despacho liminar:

De resto, não custa trazer ainda mais um argumento, de natureza lógica.

Não tem sentido pensar ou cogitar que os demais herdeiros tenham contra si correndo algum prazo de decadência ou prescrição, mas a contar de cada negócio jurídico de doação.

Os herdeiros não sabem e nem tem como saber o que, em vida, o autor da herança fez com o seu patrimônio.

Parece lógico, só a partir da abertura da sucessão é que os demais herdeiros podem saber ou tomar ciência de que o autor da herança, em vida, doou parte ou todo o seu patrimônio.

E portanto, só faz sentido pensar na fluência de algum prazo extintivo, seja de decadência ou de prescrição, a partir da abertura da sucessão, e não de antes.

Incide, nessas hipóteses, o princípio da “actio nata”, segundo o qual a ação só nasce para o titular do direito vulnerado quando este toma (ou pode tomar) ciência da lesão daí decorrente, iniciando-se somente a partir de então o curso do prazo extintivo.

Tal princípio se aplica ao nosso ordenamento jurídico, na esteira do pacificado e reiterado entendimento do STJ sobre esse tema, como ilustra o aresto abaixo transcrito:

ADMINISTRATIVO. VÍCIO CARTORÁRIO NA MATRÍCULA DE IMÓVEL RECONHECIDO NO BOJO DE AÇÃO DEMARCATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA O ESTADO. TERMO INICIAL. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA.

1. No caso, a certeza da lesão ao direito, marco inaugural do curso do prazo para o ajuizamento do pleito indenizatório, surgiu a partir da sentença homologatória do acordo celebrado pelas partes em audiência, no bojo da ação demarcatória por meio do qual fora reconhecido e declarado o erro atribuído ao ofício registral, pois, até então, "estava a prevalecer a fé pública do ato do oficial do registro imobiliário, quanto à higidez dos assentamentos".

2. O acórdão recorrido se amolda à jurisprudência deste Superior Tribunal, firmada no sentido de que "o prazo prescricional está submetido ao princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia quando possível ao titular do direito reclamar contra a situação antijurídica" (AgRg no REsp 1.348.756/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 28/5/2013, DJe 4/6/2013).

3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1069115/PR, 1ª Turma, STJ, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, julgado em 06/05/2014)

Assim, fosse caso para pensar em necessidade de ajuizar alguma ação ordinária (mas não é), e se fosse caso para calcular algum prazo extintivo para o ajuizamento de tal ação (mas também não é), deveria se pensar em tudo isso a partir da data da abertura da sucessão, o que mostra que não haveria qualquer prescrição ou decadência.

De qualquer forma, esse argumento embasado na teoria da “actio nata” é de menor relevância por aqui e por agora.

De maior relevância é a constatação de que os agravantes receberam doação a título de adiantamento de legítima, com expressa imposição do dever deles de efetuarem a colação.

Não pode restar dúvida, portanto, que a determinação de colação emanada da decisão agravada é adequada e deve ser mantida em sua integralidade.

ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao agravo de instrumento.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70061125704, Comarca de Passo Fundo: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: LUIS CHRISTIANO ENGER AIRES

Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=doa%C3%A7%C3%A3o+em+adiantamento+de+leg%C3%ADtima&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&lr=lang_pt&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris