05 de June de 2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. união estável. companheiro supérstite. concorrência com os parentes colaterais sucessíveis. inteligência do art. 1.790, inciso III, do código civil. precedentes. decisão por ato da relatora (art. 557 do cpc.)

Considerando que a de cujus não deixou descendentes ou ascendentes, o companheiro supérstite concorre à herança com os parentes colaterais sucessíveis, em atenção ao disposto no inciso III do art. 1.790, do CC, e somente quanto aos bens adquiridos a título oneroso na constância da relação. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO por decisão monocrática.

Agravo de Instrumento

Sétima Câmara Cível

Nº 70064973167 (N° CNJ: 0182694-05.2015.8.21.7000)

Comarca de Tramandaí

SUCESSAO DE MARLENE TEREZINHA FERREIRA

AGRAVANTE OSCAR MACHADO NETO

AGRAVANTE SERGIO LUIZ CARLOS RHEINGANTZ PERNIGOTTI JUNIOR

AGRAVANTE MARITZA MANCIO PERNIGOTTI

AGRAVANTE HELOISA HELENA MANCIO FURTADO

AGRAVANTE LUIZ CARLOS CORREA MANCIO

AGRAVANTE NEUSA MANCIO MELLO

AGRAVANTE FLAVIO CHAGAS

AGRAVADO ESPOPOLIO DE REJANE MARIA SERON MANCIO

AGRAVADO MARLENE TREMEA MANCIO

INTERESSADO SUCESSAO DE VERA MARIA MANCIO PERNIGOTTI

INTERESSADO LUCIANA PERNIGOTTI

INTERESSADO ROSSANA PERNIGOTTI

INTERESSADO SUCESSAO DE HELIO RICARDO FERREIRA MANCIO

INTERESSADO

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por NEUSA M. M. e OUTROS em face da decisão (fls. 101-102) proferida nos autos da ação de inventário dos bens deixados por REJANE MARIA S. M., a qual foi proferida nos seguintes termos:

1. De acordo com o art. 1.829 do Código Civil, a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Destarte, se não houver filhos, nem ascendentes, como na hipótese dos autos, somente a esposa/o ou companheira/o recebem a herança. Os bens só iriam para os colaterais, no caso, os irmãos e sobrinhos, se não houvesse o companheiro. Logo, se o requerente/inventariante conviveu por trinta e seis anos com a de cujus, e se isto for incontroverso, não há que se falar em citação dos irmãos para se habilitarem nos autos, na medida em que a herança pertence apenas ao companheiro. 2. Quanto ao pedido de AJG, considerando que o Espólio possui um acervo de bens suficientes para o pagamento das custas, indefiro o pedido, na medida em que este é reservado para pessoas efetivamente carentes, o que não é o caso dos autos. No entanto, autorizo o pagamento das custas ao final. 3. Intime-se o inventariante para providenciar a avaliação fazendária dos bens, conforme Provimento 31/2009-CGJ, onde refere que a avaliação da Fazenda Estadual será realizada através de DIT (Declaração de ITCD), que deverá ser enviada pela internet sem a remessa dos autos à repartição fazendária. 4. Com as negativas fiscais, e o plano de partilha, voltem. D.L.

Sustentam a necessidade de dilação probatória, porquanto, em que pese a existência de indícios da união estável havida entre a de cujus e o agravado Flávio, não há certeza no respeitante à data em que iniciou a relação. Mencionam a existência de documentos que comprovam que bens foram adquiridos pela falecida em data anterior à união estável. Defendem sejam habilitados como herdeiros no processo de inventário.

Requerem o provimento do recurso para que a decisão seja reformada, declarando-se inexistente a união estável entre Rejane e Flávio, ou, alternativamente, seja declarada a necessidade de instrução probatória  para delimitação do período da aventada união estável.

É o relatório.

Decido.

Presentes os pressupostos processuais, conheço do recurso.

Segundo os autos, REJANE MARIA S. M., falecida em 02/05/2014 (fl. 19), vivia em união estável com FLÁVIO C. desde 12/04/1978 (fls. 12-16). O casal não teve filhos e seus ascendentes são falecidos (fls. 14 e 48-49).

Os agravantes (irmãos e sobrinhos de Rejane Maria) pretendem  a habilitação nos autos do inventário como herdeiros da falecida.

Pois bem.

Adianto que a pretensão recursal deve ser provida.

A despeito da existência de larga censura doutrinária e jurisprudencial acerca das normas extraídas do art. 1.790, do CC/02 – crítica que vai desde a sua localização no Código Civil até a forma como foi redigido –, o dispositivo legal está em pleno vigor e determina que a companheira e o companheiro participam na sucessão um do outro, fenômeno denominado por Maria Berenice Dias, in “Manual das Sucessões”, de “concorrência sucessória”[1].

Confira-se a redação do dispositivo tão propalado:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

O reconhecimento da condição de herdeiro ao companheiro supérstite independe do regime de bens adotado pelos conviventes, que será considerado, em termos sucessórios, apenas para determinar-se se o companheiro sobrevivente terá direito à herança, à meação ou a ambos. Os institutos, oportuno frisar, definitivamente não se confundem, apesar de ser inegável a confusão criada pelo legislador.

Silvio de Salvo Venosa, na obra “Direito Civil – Direito das Sucessões”[2] explica:

“(...) o atual Código traça em apenas um único dispositivo o direito sucessório da companheira e do companheiro no art. 1.790, em local absolutamente excêntrico, entre as disposições gerais, fora da ordem de vocação hereditária:

(...)

A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve rebuços em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma eufemisticamente que o consorte da união estável “participará” da sucessão, como se pudesse haver um meio termo entre herdeiro e “participante” da herança. Que figura híbrida seria essa senão a de herdeiro!

O primeiro tema a se enfrentar diz respeito ao conteúdo do direito hereditário (...). Em segundo tema há de se recordar que o art. 1.725 do presente Código permite que os companheiros regulem suas relações patrimoniais por contrato escrito. Na ausência desse documento, aplicar-se-á, no que couber, como estampa a lei, o regime da comunhão parcial de bens. Pois bem: havendo contrato na união estável que adote outro sistema patrimonial, é de se perguntar se esse regime terá repercussão no direito sucessório. O legislador deveria ter previsto essa hipótese, mas, perante a sua omissão, a resposta deverá ser negativa”.

Ou seja, ainda que o regime adotado pelo casal seja o da separação total de bens, essa circunstância não afasta a condição de herdeiro do companheiro supérstite, que concorrerá com os demais nos termos previstos nos incisos do art. 1.790 do CC e somente quanto aos bens adquiridos a título oneroso na constância da relação.

Maria Helena Diniz na obra “Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões”, assevera que “é preciso ressaltar que pelo art. 1.790, I a IV, do Código Civil, tratando-se de concubinato puro, ou melhor, de união estável, o companheiro supérstite não é herdeiro necessário, nem tem direito a legítima, mas participa da sucessão do de cujus, na qualidade de sucessor regular (visto que não figura na ordem de vocação hereditária), somente quanto à “meação” do falecido relativa aos bens adquiridos onerosamente na vigência do estado convivencial”.

O entendimento ora exposto encontra esteio, também, nos argumentos expostos no paradigmático julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade que reconheceu a constitucionalidade do art. 1.790, III, do CC, quando largamente se debateu a respeito das diferenças atinentes ao direito sucessório nas relações de casamento e união estável. O julgamento restou ementado da seguinte forma:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO. A Constituição da República não equiparou a união estável ao casamento. Atento à distinção constitucional, o Código Civil dispensou tratamento diverso ao casamento e à união estável. Segundo o Código Civil, o companheiro não é herdeiro necessário. Aliás, nem todo cônjuge sobrevivente é herdeiro. O direito sucessório do companheiro está disciplinado no art. 1790 do CC, cujo inciso III não é inconstitucional. Trata-se de regra criada pelo legislador ordinário no exercício do poder constitucional de disciplina das relações jurídicas patrimoniais decorrentes de união estável. Eventual antinomia com o art. 1725 do Código Civil não leva a sua inconstitucionalidade, devendo ser solvida à luz dos critérios de interpretação do conjunto das normas que regulam a união estável. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADO IMPROCEDENTE, POR MAIORIA. (Incidente de Inconstitucionalidade Nº 70029390374, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator Vencido: Leo Lima, Redator para Acordão: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 09/11/2009)

O entendimento é também retratado em outros precedentes desta Corte, a exemplo do julgamento dos embargos infringentes nº 70038442166, cuja relatoria coube ao colega, Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves:

UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. DIFERENÇA DE TRATO LEGISLATIVO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRECEITOS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 1. A capacidade sucessória é estabelecida pela lei vigente no momento da abertura da sucessão. Inteligência do art. 1.787 do Código Civil. 2. O art. 226 da Constituição Federal não equiparou a união estável ao casamento civil, apenas admitiu-lhe a dignidade de constituir entidade familiar, para o fim de merecer especial proteção do Estado, mas com a expressa recomendação de que seja facilitada a sua conversão em casamento. 3. Tratando-se de institutos jurídicos distintos, é juridicamente cabível que a união estável tenha disciplina sucessória distinta do casamento e, aliás, é isso o que ocorre, também, com o próprio casamento, considerando-se que as diversas possibilidades de escolha do regime matrimonial de bens também ensejam seqüelas jurídicas distintas. 4. O legislador civil tratou de acatar a liberdade de escolha das pessoas, cada qual podendo escolher o rumo da sua própria vida, isto é, podendo ficar solteira ou constituir família, e, pretendendo constituir uma família, a pessoa pode manter uma união estável ou casar, e, casando ou mantendo união estável, a pessoa pode escolher o regime de bens que melhor lhe aprouver. Mas cada escolha evidentemente gera suas próprias seqüelas jurídicas, produzindo efeitos, também, no plano sucessório, pois pode se submeter à sucessão legal ou optar por fazer uma deixa testamentária. 5. É possível questionar que a regulamentação do direito sucessório no Código Civil vigente talvez não seja a melhor, ou que a regulamentação posta na Lei nº 9.278/96 talvez fosse a mais adequada, mas são discussões relevantes apenas no plano acadêmico ou doutrinário, pois existe uma lei regulando a matéria, e essa lei não padece de qualquer vício, tendo sido submetida a regular processo legislativo, sendo devidamente aprovada, e, como existe lei regulando a questão, ela deve ser cumprida, já que se vive num Estado democrático de direito. Embargos infringentes desacolhidos, por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70038442166, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 08/10/2010)

Ou seja, as regras aplicáveis ao regime de bens da união estável não repercutem nos direitos hereditários do companheiro outorgados pelo art. 1.790 do CC, que são reconhecidos em relação aos bens adquiridos de forma onerosa, na constância da união.

No caso concreto, considerando que a inventariada não deixou descendentes ou ascendentes, o companheiro concorre à herança com os parentes colaterais sucessíveis nos termos previstos no inciso III do art. 1.790, do CC, in verbis:

  Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer  com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Neste sentido colaciono os seguintes precedentes:

AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. SUCESSÃO DA COMPANHEIRA. DIFERENÇA DE TRATO LEGISLATIVO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E CASAMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A PRECEITOS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. 1. Comporta decisão monocrática o recurso que versa sobre matéria já pacificada no Tribunal de Justiça. Inteligência do art. 557 do CPC. 2. O art. 226 da Constituição Federal não equiparou a união estável ao casamento civil, apenas admitiu-lhe a dignidade de constituir entidade familiar, para o fim de merecer especial proteção do Estado, mas com a expressa recomendação de que seja facilitada a sua conversão em casamento. 3. Tratando-se de institutos jurídicos distintos, é juridicamente cabível que a união estável tenha disciplina sucessória distinta do casamento e, aliás, é isso o que ocorre, também, com o próprio casamento, considerando-se que as diversas possibilidades de escolha do regime matrimonial de bens também ensejam seqüelas jurídicas distintas. 4. O legislador civil tratou de acatar a liberdade de escolha das pessoas, cada qual podendo escolher o rumo da sua própria vida, isto é, podendo ficar solteira ou constituir família, e, pretendendo constituir uma família, a pessoa pode manter uma união estável ou casar, e, casando ou mantendo união estável, a pessoa pode escolher o regime de bens que melhor lhe aprouver. Mas cada escolha evidentemente gera suas próprias seqüelas jurídicas, produzindo efeitos, também, no plano sucessório, pois pode se submeter à sucessão legal ou optar por fazer uma deixa testamentária. 5. A companheira concorre com os colaterais à herança, na ausência de ascendentes e descendentes. Recurso desprovido. (Agravo Nº 70062383807, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/11/2014) (Grifei.)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO. CONCORRÊNCIA COM OS COLATERAIS. Em se tratando de matéria sucessória, o legislador tratou de forma diferente os institutos do casamento e da união estável. O companheiro supérstite participa na sucessão do outro com os parentes colaterais sucessíveis, quando o inventariado não deixou descendente ou ascendente. Inteligência do art. 1.790, III, do Código Civil. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70059080705, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 28/05/2014) (Grifei.)

ANTE O EXPOSTO, autorizada pelas normas que se extraem do art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao recurso, para determinar a participação dos agravantes, em concorrência com o companheiro, na partilha dos bens deixados pela de cujus.

Intimem-se.

Porto Alegre, 02 de junho de 2015.

Des.ª Sandra Brisolara Medeiros,

Relatora.

[1] Dias, Maria Berenice. “Manual das Sucessões”. São Paulo: Editora RT, 2008. [2] Venosa, Silvio de Salvo. “Direito Civil: Direito das Sucessões. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 149 e ss.

Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=companheiro&proxystylesheet=tjrs_index&client=tjrs_index&filter=0&getfields=*&aba=juris&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&lr=lang_pt&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&as_qj=&site=ementario&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+#main_res_juris