10 de October de 2014
Alteração do regime de bens. Maioridade da esposa. Possibilidade em tese

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS. CASAMENTO REALIZADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. MENORIDADE DA ESPOSA. MODIFICAÇÃO DO REGIME DEPOIS DE ATINGIDA A MAIORIDADE. POSSIBILIDADE EM TESE. FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO. EXIGÊNCIA LEGAL DESCUMPRIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O Código Civil de 2002 prevê, de modo expresso, no art. 1.639, § 2º, que o regime de bens pode ser alterado na vigência do casamento.

2. Atingida a maioridade dos cônjuges, cessam os motivos que impuseram o regime obrigatório de separação de bens. Logo, a alteração é mesmo possível.

3. Todavia, o § 2º do art. 1.639 do Código Civil de 2002 exige que o casal fundamente o pedido, ou seja, decline de forma objetiva o motivo da alteração pretendida.

4. Ausente a fundamentação, não pode ser autorizada a alteração.

5. Apelação conhecida e parcialmente provida para rejeitar a pretensão inicial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0079.12.030931-9/001 - COMARCA DE CONTAGEM - APELANTE (S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO (A)(S): R.B.C. E OUTRO (A)(S), E.X.C.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, por maioria, em dar parcial provimento à apelação, vencido parcialmente o vogal.

DES. CAETANO LEVI LOPES

RELATOR.

DES. CAETANO LEVI LOPES (RELATOR)

V O T O

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Os apelados aforaram esta ação visando alterar o regime de bens do casamento deles. Informaram que à época do matrimônio a recorrida era menor e, por isso, o casamento foi celebrado sob o regime da separação legal de bens. Pleitearam a alteração do regime para comunhão parcial de bens. O apelante emitiu parecer contrário ao pleito. Pela r. sentença de ff. 20/21 - verso, a pretensão inicial foi acolhida.

Cumpre verificar se o regime de bens pode ser alterado.

Os apelados carrearam os documentos de ff. 5/15. Destaco a certidão de casamento realizado em 22.03.1997 (f. 15), informando que o matrimônio foi contraído sob o regime de separação de bens, por força do art. 285, parágrafo único, do Código Civil de 1916. Estes os fatos.

Em relação ao direito, o art. 2.039 do Código Civil de 2002 determina que, para os casamentos realizados até 10.01.2003, a regência é a do Código Civil de 1916.

Por outro norte, verifico que a pretensão inicial está lastreada no § 2º do art. 1.639, do Código Civil de 2002, que permite a alteração do regime de bens, se assim for o desejo dos cônjuges e ressalvados os direitos de terceiros. Assim leciona César Fiúza na obra Direito civil - curso completo, 10. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 960:

No sistema do Código atual, é possível a mudança do regime de bens, desde que cumpridas algumas exigências: a alteração deverá ser autorizada pelo Juiz, mediante pedido de ambos os cônjuges, em que fiquem explicitados os motivos para tanto. As razões invocadas pelos cônjuges devem ser razoáveis e não podem prejudicar direitos de terceiros.

Este também é o entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a égide do CC/16. Alteração do regime de bens. Possibilidade.

A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039, do CC/02, admite a alteração do regime de bens adotado por ocasião do matrimônio, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido.

Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requisitos autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões da mudança a cessação da incapacidade civil interligada à causa suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do regime de separação obrigatória, além da necessária ressalva quanto a direitos de terceiros, a alteração para o regime de comunhão parcial é permitida.

Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a ausência de qualquer prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite a alteração do regime de bens, antes obrigatório, para o eleito pelo casal, notadamente porque cessada a causa que exigia regime específico.

Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores, todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova relação do casal.

Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. Recurso especial não conhecido. (Ac. no REsp. nº 821.807 - PR, Terceira Turma., rel. Ministra Nancy Andrighi, j. em 19.10.2006, in DJU de 13.11.2006, p. 261).

Verifico que a circunstância ensejadora da obrigatoriedade do regime de separação de bens despareceu, uma vez que a cônjuge atingiu a maioridade civil um ano após o casamento. Logo, sob este enfoque, a pretensão seria viável.

Entretanto, o § 2º do art. 1.639 do Código Civil atual exige que o pedido seja fundamentado, conforme esclarecido por Caio Mário da Silva Pereira nas Instituições de direito civil, 14. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, vol. V, p. 191:

Seguindo importante orientação doutrinária, inovou o Código Civil de 2002 (§ 2º do art. 1.639) ao permitir a alteração do regime de bens "mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados o direito de terceiros". Não impôs o legislador um tempo mínimo estabelecendo, no entanto, como requisito, fazê-lo em documento fundamentado, requerido por ambos os cônjuges. Não se preocupou também em estabelecer as hipóteses ou condições para os requerentes, cabendo somente à autoridade judicial - Juiz de Família - concedê-la por decisão judicial, considerando os argumentos apresentados pelas partes. Não se trata de decisão simplesmente homologatória, exigindo efetiva fundamentação. O Código de 2002 excluiu a hipótese de requerimento unilateral.

Não basta, portanto, o simples desejo dos cônjuges. A motivação deve ser objetiva e os apelados deixaram de esclarecer qual seria. Preferiram a subjetividade quando afirmaram que o regime da comunhão parcial melhor atenderia aos seus interesses. Mas deixaram de indicar em que e por quê o regime seria mais adequado.

Assim, neste aspecto, tem pertinência a irresignação.

Com estes fundamentos, dou parcial provimento à apelação, reformo a sentença e julgo improcedente a pretensão inicial.

Condeno os apelados no pagamento das custas e despesas processuais, inclusive as desta apelação, respeitado o disposto na Lei nº 1.060, de 1950.

DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA (REVISORA) - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. AFRÂNIO VILELA

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS - CASAMENTO REALIZADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 -- REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA - MODIFICAÇÃO - REQUISITOS - OBSERVÂNCIA - SENTENÇA MANTIDA.

A teor do artigo 1.639, § 2º, do CC/02, é possível a modificação do regime de bens, desde que motivado o pedido de ambos os cônjuges e ressalvados os direitos de terceiros.

Cessado o motivo para a imposição do regime de separação obrigatória de bens e verificada a procedência das razões invocadas pelos cônjuges, bem com a ausência de prejuízos a terceiros, deve ser mantida a sentença que reconhece o direito dos cônjuges à modificação do regime de bens.

SÚMULA: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

VOTO

Ao que se colhe, o casamento dos apelados foi realizado em 22/03/1997 sob o regime da separação obrigatória, nos termos do então vigente art. 258, parágrafo único, do Código Civil de 1916, em virtude de contar a virago, à época, com 20 (vinte) anos de idade e não com 15 anos, conforme alegado.

Decorridos quinze anos da celebração do matrimônio, os recorrentes ajuizaram a presente ação, pleiteando a modificação do regime de separação obrigatória de bens para o da comunhão parcial, ao argumento de que ausentes quaisquer motivos para a manutenção daquele regime que lhes fora imposto por força da lei.

Decerto, ao estabelecer a obrigatoriedade do regime de separação de bens ao menor de idade, o Código Civil de 1916 desempenhava papel protecionista quanto aos interesses patrimoniais dos menores, que, pela pouca maturidade e experiência de vida, poderiam estar sujeitos a graves prejuízos de ordem econômica.

No caso em debate, os cônjuges já se encontram casados há mais de 15 anos, ela contando com 36 (trinta e seis) e ele com 39 (trinta e nove) anos de idade inexistindo, pois, o motivo determinante para a imposição do regime de separação obrigatória de bens, qual seja, a menoridade da virago que, outrora não possuía responsável para autorizar as núpcias, o que foi suprido nos moldes do artigo 188 do CC vigente.

O art. 1.639, § 2º, do CC/02 reconhece aos cônjuges a possibilidade de alteração do regime de bens, desde que motivado o pedido das partes, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Os apelantes fundamentaram seu pedido no fato de estarem casados há muitos anos e que o regime de bens adotado não decorre da vontade do casal, mas de imposição legal, em virtude da situação então ostentada pela virago, relativamente incapaz.

A justificativa apresentada parece-me suficiente para a modificação pretendida, eis que o motivo que levou à obrigatoriedade do regime da separação de bens não mais subsiste.

Como bem analisado pelo Exmo. Procurador de Justiça, Nelson Rosenvald, em seu laborioso parecer de f. 42/48, "o motivo do pedido de mudança do regime de bens, é genericamente, a própria vontade do casal".

Ademais, optando pelo regime de comunhão parcial haverá a comunicação dos bens adquiridos onerosamente na constância da sociedade conjugal, bem como de suas dívidas passivas, não havendo, pois, falar em receio de prejuízos a terceiros.

Assim, ausentes motivos para indeferimento do pedido dos apelantes e, ainda, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça (Resp. nº 821.807/PR), há que ser mantida a r. sentença, firmada pelo Exmo. Juiz Igor Queiroz, que julgou procedente o pedido para autorizar a alteração do regime de separação obrigatória de bens para o da comunhão parcial de bens.

Isso posto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Sem custas recursais, ex vi lege.

SÚMULA: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, VENCIDO PARCIALMENTE O VOGAL."

Fonte:

Disponível na Jurisprudência do Dia 09 de Outubro de 2014, do IBDFAM http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2774/%20Altera%C3%A7%C3%A3o%20do%20regime%20de%20bens.%20Maioridade%20da%20esposa.%20Possibilidade%20em%20tese