Caso em que não há como acolher a pretendida nulidade da doação celebrada, porque inexiste óbice legal, excetuadas as hipóteses de incapacidade relativa do agente, vício resultante de erro, dolo ou coação ou, ainda, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
É defeso ao filho questionar herança de ascendente enquanto vivo, excesso de legítima só pode ser configurado quando da colação dos bens.
NEGARAM PROVIMENTO.
APELAÇÃO CÍVEL
OITAVA CÂMARA CÍVEL
Nº 70063069173 (N° CNJ: 0499480-85.2014.8.21.7000)
COMARCA DE PORTO ALEGRE
SERGIO BRUNO MANGANELLI E OUTRA
APELANTE
SONIA TERESA MANGANELLI E OUTRA
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ.
Porto Alegre, 12 de fevereiro de 2015.
DR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA ECKERT,
Relator.
RELATÓRIO
DR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA ECKERT (RELATOR)
Primeiramente, adoto o relatório de fls. 237, verbis:
Trata-se de recurso de apelação interposto por SÉRGIO BRUNO MANGANELLI E OUTRA, inconformados com a sentença de fls. 213/216v que julgou improcedente a ação de anulação de escritura de doação aforada em face de SÔNIA TERESA MANGANELLI E OUTRA.
Em suas razões, em síntese, irresignam-se os recorrentes, sustentando que a doação foi inoficiosa porquanto aplicada sobre todo o patrimônio da requerida Marina. Afirma que por contar com 86 anos de idade na data da doação a requerida provavelmente não estava em condições neurológicas de efetuar qualquer tipo de negociação. Requereu o provimento do recurso e total procedência do pedido inicial (fls. 218/227).
O recurso foi recebido no duplo efeito (fl. 228).
Devidamente intimadas, apresentaram as apeladas suas contrarrazões recursais (fls. 230/235).
Subiram os autos a esse egrégio Tribunal de Justiça, vindo ao Ministério Público de segundo grau, com vista ao signatário.
O Ministério Público, neste grau de jurisdição, opina pelo desprovimento do recurso.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
DR. JOSÉ PEDRO DE OLIVEIRA ECKERT (RELATOR)
Adianto que o recurso não merece prosperar.
Andou bem a sentença ao julgar improcedente o pedido de nulidade da doação, pois não é dado ao filho questionar herança de ascendente vivo, excesso de legítima só pode ser configurado quando da colação dos bens, precedentes:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DOAÇÃO DE ASCENDENTE PARA DESCENDENTE, EM VIDA. VALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DO JUÍZO A QUO COM FULCRO EM DISPOSITIVOS NÃO SUSCITADOS PELAS PARTES. POSSIBILIDADE. LIVRE CONVENCIMENTO. EXCESSO DE LEGÍTIMA. ALEGAÇÃO PERTINENTE APENAS QUANDO DA SUCESSÃO, POR CONTA DA NECESSIDADE DE COLAÇÃO, INCLUSIVE DOS BENS DOADOS. Não há como acolher a pretendida nulidade da doação celebrada, porque inexiste óbice legal, excetuadas as hipóteses de incapacidade relativa do agente, vício resultante de erro, dolo ou coação ou, ainda, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Excesso de legítima só pode ser configurado quando da colação dos bens. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70057504987, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 18/12/2013)
APELAÇÃO CÍVEL. DOAÇÃO INOFICIOSA. ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. COLAÇÃO. Não é dado ao filho questionar herança de pai vivo como há muito já decidiu o STF. Com efeito, o direito de pedir anulação da doação inoficiosa só nasce no momento da morte do doador, uma vez que o direito do herdeiro advém da herança, e esta não existe enquanto vive o disponente. Logo, andou bem a sentença ao julgar improcedente o pedido de nulidade da doação. Além disso, a sentença apenas declarou que a entrega do dinheiro feito pela ré a sua filha foi a título de doação e não empréstimo. E declarou também que essa doação deve ser levada à colação no momento da abertura da sucessão da doadora. Tal decisão nenhum prejuízo trouxe à demandada de modo que, por isso, não há falar em nulidade por cerceamento de defesa. Ademais, não houve nulidade no processo pela realização de audiência no período indicado no ato nº 04/2012, pois desde logo é possível ver a desnecessidade de colheita de outras provas para se decidir o caso concreto. Por fim, não há nos autos qualquer prova de que o ato de disposição em questão tenha se dado a título de empréstimo, como alega a apelante. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70056600000, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 24/04/2014)
No mesmo sentido há muito já decidiu o STF:
DOAÇÃO INOFICIOSA. O DIREITO DE PEDIR A SUA ANULAÇÃO SÓ NASCE NO MOMENTO DA MORTE DO DOADOR, UMA VEZ QUE O DIREITO DO HERDEIRO ADVEM DA HERANÇA, E ESTA NÃO EXISTE ENQUANTO VIVE O DISPONENTE. EMBARGOS REJEITADOS. (RE 53483 embargos, Relator(a): Min. EVANDRO LINS, TRIBUNAL PLENO, julgado em 09/11/1964, DJ 03-01-1964 PP.
O Ministério Público, por aqui e por agora, no seu parecer de fls. 237/238v, da lavra dos Sr. Procurador de Justiça Luciano Dipp Muratt, corrobora com tal entendimento, vejamos:
Trata-se de ação de anulação de escritura de doação intentada por Sérgio Bruno Manganelli e outra, salientando ter ocorrido a doação inoficiosa da totalidade do patrimônio da requerida Marina Victório Manganelli a sua outra filha Sônia Teresa Manganelli, portanto sem a concordância dos autores.
O bem imóvel em análise constitui-se no único patrimônio de Bruno e Marina. Bruno faleceu, deixando em inventário a meação de Marina, ou seja, 50% do imóvel, mais 25% para cada filho (Sérgio e Sônia).
Ocorre que Marina dispôs da integralidade da sua meação mediante escritura pública, doando-a a Marina, sem reservar parte para igualar a legítima.
Apega-se o apelante, portanto, nos termos do artigo 549 do Código Civil, que declara nula a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
De início, cabe salientar que o negócio jurídico é válido e eficaz. Muito embora ponderado pelo apelante que “provavelmente” a requerida Marina não tivesse o devido discernimento quando da liberalidade, isso em razão da idade (86 anos), gize-se que a capacidade é presumida, devendo a incapacidade ser objeto de prova, prova esta cujo ônus era do autor que não se desincumbiu de forma satisfatória.
No mais, s.m.j., entende-se que se está diante de direito sucessório e a ninguém cabe dispor da herança de pessoa viva.
Marina doou a integralidade de seu patrimônio à filha Sônia. Não é impossível que venha, ao longo da vida, a alcançar patrimônio de igual monta ao que foi doado, de forma a igualar as legítimas.
No mais, o direito de pedir a anulação da doação inoficiosa somente nasce no momento da abertura da sucessão do doador, ocasião em que deverão ser trazidos os bens à colação sob pena de sonegados. (grifei)
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao recurso.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - Presidente - Apelação Cível nº 70063069173, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MARIA INES LINCK
Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul