31 de March de 2016
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

Apelação Cível n. 2014.017118-2, de Urubici

Relatora: Desa. Denise Volpato

RECURSO DA REQUERENTE. PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA AO ARGUMENTO DE EXISTÊNCIA DE EFETIVA CONVIVÊNCIA EM UNIÃO ESTÁVEL COM O DE CUJUS. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REFERIDA ENTIDADE FAMILIAR. ÔNUS QUE INCUMBIA À AUTORA. EXEGESE DO ART. 333, I, DO CPC. RELACIONAMENTO AMOROSO SEM CONTORNOS DE UNIÃO ESTÁVEL. TESTEMUNHAS QUE CONFIRMAM O ENVOLVIMENTO DO FALECIDO COM OUTRAS MULHERES CONCOMITANTEMENTE. AFIRMAÇÃO CORROBORADA PELA EXISTÊNCIA DE AÇÃO SEMELHANTE EM QUE PRETENDIDO O RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL DO DE CUJUS COM OUTRA MULHER NO MESMO INTERREGNO. MÚTUA ASSISTÊNCIA, COMUNHÃO DE INTERESSES, DE OBRIGAÇÕES E DA FINALIDADE DE CONSTITUIR FAMÍLIA NÃO EVIDENCIADA. IMPEDIMENTO À CONFIGURAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM A AUTORA. SENTENÇA MANTIDA.

PEDIDO DE FIXAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA ASSISTENCIAL AO DEFENSOR NOMEADO. SISTEMA DE DEFENSORIA DATIVA E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. SUPERVENIÊNCIA DA EXTINÇÃO DO CONVÊNIO ESTABELECIDO COM A SECCIONAL CATARINENSE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. EFEITO DO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 4.270/SC. NECESSIDADE, CONTUDO, DE VALORIZAÇÃO DO TRABALHO DO ADVOGADO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1º, IV, 133 E 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PAGAMENTO AO DEFENSOR DATIVO NOMEADO NO VALOR CORRESPONDENTE AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MÍNIMOS FIXADOS PELA SECCIONAL CATARINENSE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. INTELIGÊNCIA DO §1º, DO ARTIGO 22, DA LEI N. 8.906/1994. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2014.017118-2, da comarca de Urubici (Vara Única), em que é apelante L. A. P., e apelado E. de N. G. F. Repr. P/ invent. A.F.:

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Excelentíssimo Desembargador Monteiro Rocha (presidente) e o Excelentíssimo Desembargador Jorge Luis Costa Beber.

Florianópolis, 08 de março de 2016.

Denise Volpato

Relatora

RELATÓRIO

L. A. P. ajuizou "Ação Declaratória de Existência de União Estável c/c Reconhecimento de Direito de Meação" em face do Espólio de N. G. F., alegando ter convivido em união estável com o falecido por aproximadamente 5 (cinco) anos, até o dia 30/12/2010, quando o teria flagrado na companhia de outra mulher. A demandante aduziu ter deixado o lar comum e retornado para a casa onde residia antes do início do relacionamento, permanecendo o falecido na posse de todos os bens adquiridos pelo casal e que guarneciam a residência, bem como das respectivas notas fiscais de compra. Alega ter ajuizado ação cautelar de arrolamento de bens (processo n. 077.11.000306-0) objetivando preservar os bens que integravam o patrimônio comum até que se efetivasse a correspondente partilha, por meio da ação de reconhecimento e dissolução de união estável que pretendia ajuizar. Afirma que, com o falecimento de N. G. F. em 01/03/2011, a filha do falecido promoveu o arrolamento sumário de seus bens (processo n. 077.11.000415-5), desrespeitando o direito da autora à meação sobre aqueles adquiridos na constância do relacionamento havido. Postulou, assim, o provimento da ação a fim de declarar-se a existência de união estável entre a autora e o de cujus, reconhecendo-se o seu direito à meação sobre os bens comuns. Requereu o benefício da Assistência Judiciária Gratuita, valorou a causa e juntou documentos (fls. 08/15).

Deferido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita (fl. 16).

Devidamente citada, a parte demandada compareceu à audiência de conciliação, não tendo havido êxito, contudo, quanto à composição das partes.

O Espólio de N. G. F. apresentou resposta em forma de contestação (fls. 24/26) sustentando a inexistência de relacionamento entre o falecido e a autora de forma a configurar união estável, tendo o de cujus se relacionado, ao mesmo tempo, com a requerente e outras três ou quatro mulheres. Sustentou que, desde 05/06/2009 a autora não possuía qualquer convívio com o falecido, tanto que Boletim de Ocorrência (n. 00079-2009-00817) informa que em tal data a demandante convivia com M. C. da R., cujo relacionamento persistia até o momento do ajuizamento da presente ação. Asseverou a inexistência de bens comuns a partilhar porquanto todos os bens móveis relacionados pela autora foram adquiridos com exclusividade pelo de cujus. Também o imóvel onde aquele residia foi adquirido com esforço próprio e exclusivo, vindo a ser, contudo, invadido por outra namorada do falecido, conhecida por "N.". Pugnou, assim, pela total improcedência da ação, condenando-se a requerente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. Apresentou rol de testemunhas e juntou documentos (fls. 27/32).

Houve réplica (fls. 38/40).

Designada audiência de instrução e julgamento, a parte autora apresentou rol de testemunhas (fl. 47), substituído parcialmente às fls. 50 e 54, tendo a parte demandada apresentado rol de testemunhas à fl. 62.

Realizada audiência de instrução e julgamento (fls. 63/64), quando foram tomados os depoimentos de três informantes arroladas pela autora e de três testemunhas arroladas pela parte demandada. Requerida, pela autora, a utilização de prova constante dos autos do processo n. 077.11.001783-4, ajuizado por R. de O. que também busca provar a existência de convivência em união estável com o de cujus, restou indeferido o pleito. Ato contínuo, o Magistrado Dr. Júlio César Bernardes prolatou Sentença, julgando a lide nos seguintes termos:

"Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados nesta ação declaratória proposta por L. A. P. em face de E. de N. G. F., com fulcro no art. 269, I, do CPC. Condeno a Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), com base no art. 20 e seguintes do CPC (suspensa a execução em virtude do deferimento da gratuidade da justiça). A fim de evitar decisões contraditórias sobre objeto idêntico, junte-se cópia desta sentença nos autos informados acima. Publicada em audiência. Presentes intimados. Registre-se."

Irresignada, a demandante interpôs recurso de apelação (fls. 68/73) repisando os termos da exordial. Assevera ter restado comprovado o relacionamento amoroso mantido pelas partes por período de aproximadamente 5 (cinco) anos sendo que, no último ano, a autora e o de cujus viveram sob o mesmo teto como se casados fossem, preenchendo todos os requisitos para a configuração de união estável. Sustenta que "o fato de o Sr. N. ter mantido relacionamentos amorosos com outras mulheres não prejudica o direito da autora de ver reconhecida a união estável e seu direito à meação dos bens inventariados, eis que todos os relacionamentos aconteceram antes do convívio marital das partes" (fl. 70). Aduz não ter ocorrido a fixação dos honorários devidos a seu procurador necessários na medida em que litiga sob o pálio da "assistência judiciária/defensoria dativa". Postula, assim, o provimento do apelo, reformando-se a Sentença atacada, a fim de declarar-se a existência de união estável entre a apelante e N. G. F. pelo período de um ano antes de seu falecimento, bem como seja arbitrada em 12,5 (doze vírgula cinco) URH's a remuneração de seu assistente judiciário.

O recurso foi recebido em seu duplo efeito (fl. 75).

Apresentadas as contrarrazões recursais (fls. 77/80), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Tycho Brahe Fernandes, opinando pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (fls.84/87).

Este é o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

É consabido que o procedimento recursal exige o preenchimento de pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto. Portanto, torna-se imperiosa, num primeiro momento, a análise dos pressupostos recursais, em razão de constituírem a matéria preliminar do procedimento recursal, ficando vedado ao Tribunal o conhecimento do mérito no caso de não preenchimento de quaisquer destes pressupostos.

Tais pressupostos são classificados como intrínsecos (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, inexistência de fato extintivo do direito de recorrer) e extrínsecos (regularidade formal, tempestividade e preparo). Os pressupostos intrínsecos estão atrelados ao direito de recorrer, ao passo que os extrínsecos se referem ao exercício desse direito.

Assim, dispensada a requerente do pagamento do preparo porque beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita (fl. 16) e, preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, passa-se à análise do Recurso.

2. Mérito

Trata-se de recurso de apelação interposto por L. A. P. contra a Sentença (fls. 63/64) que julgou improcedente a ação.

Em suas razões recursais, sustenta a demandante ter vivido em união estável com N. G. F. pelo período de 1 (um) ano, até o seu falecimento, depois de manter com este relacionamento amoroso por aproximadamente 4 (quatro) anos. Aduz a existência de provas suficientes nos autos a corroborar seus argumentos. Postula assim, a reforma da Sentença vergastada.

Pois bem.

Nesse sentido, imperioso estabelecer-se a diferença entre uma relação afetiva estável, o namoro, da união marital estável, a União Estável.

O art. 1.723 e seguintes do Código Civil de 2002 exige como requisito à configuração da União Estável que a relação do casal revista-se de aparência de casamento (elemento objetivo). In verbis:

"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§ 1º. A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§ 2º. As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável."

Se assim o é, curial ressaltar residir o reconhecimento da sociedade conjugal em aspectos fáticos concretos que demonstrem a intenção de ambas as partes em constituir uma nova família, em tudo semelhante ao casamento.

Diverge, portanto, a União Estável do namoro, em seu elemento subjetivo, em razão do grau de compromisso assumido pelo casal.

Hodiernamente, o comum nas relações afetivas interpessoais é a criação inicial de vínculos relativamente superficiais que gradativamente se transformam em uma comunhão de vida mais estável na medida em que os laços afetivos se aprofundam pelo conhecimento do outro.

Para tanto, estabelece a doutrina (DAL COL, Helder Martinez. União estável e contratos de namoro no novo código civil brasileiro. In Revista Brasileira de Direito de Família. v.6. n.23. Porto Alegre: Editora Síntese, 2004):

"Já a união estável, como analisada no corpo deste trabalho, é estado que se forma ao longo do tempo e pela verificação cumulativa de diversos requisitos. Assim, nem sempre é possível delimitar, com precisão, o momento em que uma relação deixou de ser um namoro estável e continuado, para converter-se em uma união estável, como decorrência da ausência de um marco inicial, pode tornar-se muito difícil definir o termo a quo para o início da comunicação do patrimônio comum. Difícil, mas não impossível! Há certos atos e comportamentos da vida a dois que podem ser tomados como elementos, no contexto probatório, para a determinação do início de uma união estável.

São exemplos disso a determinação da época aproximada em que o casal passou a residir sobre o mesmo teto (diferenciando o conviver do namorar, tornando os encontros casuais e furtivos, públicos e notórios); a chegada de filho comum, assumido, registrado, educado e mantido por ambos os pais; o momento da comunicação aos familiares e amigos da decisão de morarem juntos; ou a festa em comemoração a este momento; a abertura e a administração conjunta de conta corrente bancária, dentre outros." (fl. 150)

Assim, a tarefa de estabelecer a linha divisória entre a relação de namoro e a União Estável, por mais tormentosa que seja, deve ser realizada na cuidadosa análise pontual dos elementos probatórios trazidos aos autos pelas partes.

Nesse sentido, compulsando-se o caderno processual verifica-se que a requerente, em sua peça exordial, sequer estabeleceu um momento de início para o relacionamento, limitando-se a afirmar ter convivido com o de cujus por mais de 5 (cinco) anos, até 30/12/2010 quando teria deixado a residência comum ao flagrar o falecido na companhia de outra mulher.

Em suas razões de apelação, contudo, sustenta a autora que o casal teria se relacionado por mais de 5 (cinco) anos mas que apenas no último ano é que teriam constituído união estável, mantendo-se esta até o falecimento de N. G. F. ocorrido em 01/03/2011.

Assim, a própria autora contradiz-se ao afirmar o início da convivência em união estável que, nos termos da exordial teria ocorrido no final de 2005 e, conforme alegações recursais, se deu no início de 2010. Saliente-se que tais termos são obtidos apenas por conclusão lógica do afirmado pela demandante, sem que nada nos autos aponte para isso.

Ainda causa estranheza que uma convivência supostamente havida por mais de 5 (cinco) anos tenha gerado apenas uma única fotografia do casal (fl. 15) da qual se pode extrair apenas o fato de terem as partes se relacionado afetivamente, nada mais. Tampouco veio aos autos qualquer outra prova, tal como correspondências recebidas em endereço comum, bilhetes pessoais, comprovantes de despesas domésticas ou outras circunstâncias documentalmente comprováveis a corroborar as alegações da autora.

A prova testemunhal amealhada também serviu para corroborar os termos da defesa apresentada pelo espólio de N. G. F., de que o de cujus mantinha outros relacionamentos afetivos, inclusive ao mesmo tempo, descaracterizando a intenção do falecido de viver com a requerente como se casados fossem, requisito indispensável à configuração da união estável.

Embora a demandante procure menosprezar as informações de que o falecido mantinha relacionamento com várias mulheres ao mesmo tempo, sustentando tratar-se de circunstância irrelevante, a própria autora, na exordial, confirma a existência de relacionamento do de cujus com outra mulher no final do ano de 2010, causa, inclusive, do derradeiro desentendimento do casal. Destarte, é fato que o modo de vida de N. G. F. referido por testemunhas e informantes, e de certa forma confirmado pela demandante, acaba por derruir a pretensa caracterização de convivência em união estável objeto desta lide.

Isso porque, do processado não se infere a comunhão de interesses e de obrigações, tampouco da intenção de constituir família, sinais mínimos de uma convivência em união estável.

Evidencia-se, assim, a inexistência dos requisitos necessários à configuração da união estável, devendo o teor da Sentença prolatada pelo Magistrado Dr. Júlio César Bernardes (fls. 64/66) ser adotado como razão de decidir, com fulcro no artigo 150 do Regime Interno deste egrégio Tribunal de Justiça, in verbis:

"Cuido de Ação Declaratória/Ordinária proposta pro L. A. P. em face de E. de N. G. F. representado por A. F., requerendo seja declarado a existência de união estável entre a Requerente e N.G. F., anteriormente ao falecimento deste, ocorrido no mês de março de 2011. Para a configuração de união estável faz-se imprescindível a comprovação dos seguintes requisitos: a existência de relação com ânimo ou objetivo de constituir família - affectio maritalis; convivência pública, duradoura e notória; ausência de impedimento matrimonial entre os conviventes; e a fidelidade entre eles. Na espécie, após a colheita da prova oral, chego as seguintes conclusões: 1) As testemunhas pela parte Autora não foram compromissadas, por terem relação de amizade íntima com a parte, motivo pelo qual deixaram de prestar o compromisso legal de dizer a verdade em juízo; 2) As testemunhas arroladas pela parte ré prestaram o compromisso de dizer a verdade perante o Juízo; 3) as três informantes inquiridas relataram que a Requerente e o Sr. N. G. viveram sob o mesmo teto durante um ano, apresentando-se como marido e mulher perante a sociedade; 4) as três testemunhas, ao contrário, disseram não haver referida relação, declarando que o falecido permaneceu tendo contato com sua ex-esposa, Sra. A., mãe da inventariante. 5) Todas pessoas inquiridas - informante e testemunhas - declararam, em uníssono, que o falecido N. G. possui outras relações extraconjugais, o que apontaria para a infidelidade durante a suposta relação com a requerida (sic). Nesse sentido, destaco a passagem referida pela testemunha C. O. de B., que destacou que o "comentário na comunidade era que o Sr. N. G. tinha deixado 9 (nove) viúvas". Aliás, tal fato é comprovado nesta comarca, porque existe outra ação, com objeto idêntico, na qual a requerente pretende comprovar que também manteve união estável com o falecido (autos n. 077.11.001783-4 - conclusos para julgamento). Também as informantes arroladas pela requerente declararam em juízo que o falecido teve outros relacionamentos, durante a suposta união estável (vide depoimentos em áudio). Para corroborar esse fato, finalizo apontando os testigos de P. F. e T. M. P., as quais disseram não reconhecer a suposta união estável entre o finado N. G. e a requerente L. A., declarando que o finado possuía outras namoradas além da Requerente. Como tem orientação a doutrina, "para a configuração da união estável faz-se imprescindível a comprovação dos seguintes requisitos: diversidade de sexo; ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os conviventes; notoriedade da relação; honorabilidade; fidelidade entre os companheiros; e coabitação. O dever de lealdade implica franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade. Numa relação afetiva entre homem e mulher, necessariamente monogâmica, constitutiva de família, além de um dever jurídico, a fidelidade é requisito natural." (Veloso, Zeno apud Ponzoni, Laura de Toledo. Famílias simultâneas: união estável e concubinato. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo+461). E o colendo Superior Tribunald e Justiça, enfrentando o tema, já decidiu no mesmo diapasão: "Uma sociedade que apresenta como elemento estrutural a monogamia não pode atenuar o dever de fidelidade - que integra o conceito de lealdade - para o fim de inserir no âmbito do Direito de Família relações afetivas paralelas e, por consequência, desleais, sem descurar que o núcleo familiar contemporâneo tem como escopo a realização de seus integrantes, vale dizer, a busca da felicidade. As uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles emq ue um sujeito direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses. Ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade." (STJ, Resp n. 1.157.273/RN, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 15-5-2010). (TJSC, Embargos Infringentes n. 2010.007298-5, da Capital, rel. Des. Fernando Carioni, j. em 08-09-2010). Ora, impossível, diante das provas que foram apresentadas, declarar a união estável entre a Requerente L. A. P. E o finado N. G. F., pois não preenchidos os requisitos legais, em face da infidelidade do finado, que se relacionava com outras mulheres, o que descaracteriza a união com objetivo de constituir uma família. Nesse sentido: DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL - IMPROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU - INCONFORMISMO DA AUTORA - UNIÃO COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA - AFASTAMENTO - RELAÇÃO PARALELA COM CASAMENTO VÁLIDO - RELAÇÃO QUE CONFIGURA CONCUBINATO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. À configuração da união estável como família devem estar presentes a vida comum entre os companheiros, a notoriedade e estabilidade da relação e a ausência de impedimentos para a constituição do vínculo familiar. Monogamia e fidelidade, por integrarem o conceito de afetividade familiar, não podem ser flexibilizadas para fins de caracterização de união estável e, inexistindo esses requisitos, não há proteção do Direito de Família. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.025058-2, de Joinville, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 23-05-2013)." [grifo no original]

Desta feita, consoante bem explicitado pelo Douto Magistrado a quo, o conjunto probatório colacionado não respalda a contento as alegações exordiais de convivência em união estável com "coabitação (...), fidelidade, mútua assistência, esforço comum" (fl. 02).

Como dito alhures, a informalidade admitida na convivência em união estável não faz de qualquer relacionamento amoroso uma união estável de forma que, ainda que não exista o mesmo rigorismo para sua concretização, esta é uma relação de tal modo sólida, pública, notória e com a finalidade de construção familiar que poderia a qualquer tempo transmutar-se em casamento, o que não é o caso que dos autos se extrai.

Ainda que inegável ter havido um relacionamento amoroso entre a demandante e N. G. F., ausentes os requisitos caracterizadores da convivência em união estável.

Nesse vértice, colhe-se do acervo jurisprudencial Catarinense:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO POST MORTEM E PARTILHA DE BEM. IMPOSSIBILIDADE. TESTEMUNHAS DOS RÉUS QUE CONFIRMARAM A EXISTÊNCIA DE ENVOLVIMENTOS DO DE CUJUS COM OUTRAS MULHERES, BEM COMO O DESINTERESSE EM MANTER RELACIONAMENTO ESTÁVEL. INCLUSIVE, INFORMANTES DA PRÓPRIA AUTORA QUE APONTARAM CARACTERÍSTICAS DE NAMORO NA RELAÇÃO. POSTULANTE QUE NÃO DEMONSTROU A EXISTÊNCIA DO PROPÓSITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. REQUISITOS DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL NÃO EVIDENCIADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.056272-6, de Joinville. Rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, julgado em 29/10/2015)

E, ainda:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ALEGAÇÃO DA AUTORA QUE CONVIVEU EM UNIÃO ESTÁVEL COM O DE CUJUS POR PERÍODO APROXIMADO DE 4 ANOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL, ESPECIALMENTE O ÂNIMO DO FALECIDO EM CONSTITUIR FAMÍLIA. PROVAS CONSTANTES NOS AUTOS DE QUE FALECIDO POSSUÍA OUTRAS MULHERES. PROVA TESTEMUNHAL CONTRADITÓRIA. ÔNUS PROBATÓRIO DA AUTORA NÃO OBSERVADO. ART. 333, INCISO I, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

O ordenamento jurídico pátrio estabelece os seguintes pressupostos para o reconhecimento da união estável: (a) diversidade de sexos (constitucionalmente questionável, diante das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal); (b) coabitação; (c) convivência pública, contínua e duradoura; e, (d) o objetivo de constituir família.

Comprovada que a relação entre a Demandante e o falecido não passou da esfera de simples namoro, até porque ele mantinha outros relacionamentos amorosos, como ausente qualquer intenção do de cujus em constituir família com a Demandante, não há se falar em união estável, porquanto não preenchidos os requisitos insculpidos no art. 1.723 do Código Civil. (TJSC, Apelação Cível n. 2014.032655-0, da Capital. Rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, julgado em 23/10/2014)

Assim, é de ser mantida hígida a Sentença vergastada neste tocante.

3. Dos honorários assistenciais

Postula, ainda, a apelante o arbitramento de honorários em favor de seu procurador, por ter este atuado como defensor dativo na forma da lei. Pugna pela fixação de honorários no importe de 5 (cinco) URHs, acrescido de 7,5 (sete vírgula cinco) URHs diante da interposição do recurso.

Pois bem.

O benefício da Assistência Judiciária Gratuita tem previsão legal na Lei n. 1.060/1950, bem como na Lei Complementar Estadual n. 155/1997. Sua concessão isenta a parte beneficiária tanto do pagamento das custas processuais quanto dos honorários advocatícios, que devem ser arcados pelo Estado.

Por meio da inicial a requerida postulou a concessão da Assistência Judiciária, a qual foi deferida no mesmo ato em que nomeado "Assistente Judicial o subscritor da inicial" (fl. 16).

Com efeito, desde 14/03/2013, não mais vige o convênio estabelecido entre o Estado de Santa Catarina e a Seccional Catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil para prestação do serviço de Defensoria Pública por meio da Defensoria Dativa (como estabelecia a Lei Complementar Estadual n. 155/1997, declarada inconstitucional).

Esse fato, contudo, não afasta o dever do Estado de Santa Catarina de pagar pela prestação do serviço de advocacia para o qual o procurador da autora foi nomeado, ainda que não esteja vigente a anterior forma de remuneração do trabalho realizado.

Em uma sociedade que elege os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como seu fundamento primordial (artigo 1º, IV, da Constituição Federal), e meio de "assegurar a todos existência digna" (artigo 170, da Constituição Federal), não se mostra razoável e em harmonia com a Constituição Federal aviltar-se o direito à percepção de remuneração digna pela prestação de serviço por qualquer espécie ou categoria de profissional, mormente quando exerce um munus público essencial à administração da Justiça.

Extrai-se da Constituição Brasileira:

"Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político."

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]"

Nesse viés, igualmente decorre do artigo 7º, caput e incisos, da Carta Magna, o direito do trabalhador, seja qual for a atividade desenvolvida, receber remuneração digna e condizente com o esforço empregado.

Acerca da valorização do trabalho como pilar constitucional da sociedade brasileira, colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça no REsp 975322/RS, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 03/11/2008:

"1. A valorização do trabalho humano e a liberdade profissional são princípios constitucionais que, por si sós, à míngua de regulação complementar, e à luz da exegese pós-positivista admitem o exercício de qualquer atividade laborativa lícita.

2. O Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado, dentre outros valores, na dignidade e na valorização do trabalho humanos. Esses princípios, consoante os pós-positivistas, influem na exegese da legislação infraconstitucional, porquanto em torno deles gravita todo o ordenamento jurídico, composto por normas inferiores que provêm destas normas qualificadas como soem ser as regras principiológicas.

3. A constitucionalização da valorização do trabalho humano importa que sejam tomadas medidas adequadas a fim de que metas como busca do pleno emprego (explicitamente consagrada no art. 170, VIII), distribuição eqüitativa e justa da renda e ampliação do acesso a bens e serviços sejam alcançadas. Além disso, valorizar o trabalho humano, conforme o preceito constitucional, significa defender condições humanas de trabalho, além de se preconizar por justa remuneração e defender o trabalho de abusos que o capital possa dessarazoadamente proporcionar. (Leonardo Raupp Bocorny, In 'A Valorização do Trabalho Humano no Estado Democrático de Direito', Editora Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre/2003, páginas 72/73).

4. Consectariamente, nas questões inerentes à inscrição nos Conselhos Profissionais, esses cânones devem informar a atuação dos aplicadores do Direito, máxime porque dessa legitimação profissional exsurge a possibilidade do trabalho, valorizado constitucionalmente".

Assim, não havendo Defensoria Pública organizada no momento da nomeação do procurador da parte apelante, aplica-se subsidiariamente as regras concernentes à assistência judiciária, instituto jurídico semelhante, porém diverso.

Diferentemente, contudo, do sustentado na razões de apelação, onde se pretende a fixação dos honorários com base em URHs, deve o profissional ser remunerado na forma prevista na Lei n. 8.906/1994, porquanto cessada a vigência da Lei Complementar Estadual n. 155/1997. Extrai-se, pois, do Estatuto da Advocacia, in verbis:

"Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

§ 1º. O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado." [grifei]

Dessarte, a remuneração do profissional de advocacia que exerce o munus público auxiliar à Justiça (Constituição Federal, artigo 133) deve respeitar o valor mínimo fixado pelo Conselho Seccional estadual na forma estabelecida em lei federal.

Outrossim, havida a extinção do antigo convênio com a OAB/SC, deve ser arbitrado ao defensor da apelante honorários assistenciais com fulcro na letra do artigo 22, § 1º, da Lei n. 8.906/1994 (sendo facultado ao advogado a cobrança mediante execução judicial - conforme entendimento apresentado no julgamento da Apelação Cível n. 2012.039422-7, rel. Des. Jaime Ramos, julgado em 16/08/2012).

Deste modo, forma-se em favor do defensor Dr. Eriovaldo de Souza Júnior, OAB/SC 7.376, título executivo contra o Estado de Santa Catarina, no valor de R$ 6.300,00 (seis mil e trezentos reais) - referente ao patrocínio de ação declaratória, conforme consulta à tabela de honorários da OAB/SC (item n. 26 de Direito Civil e Comercial, do Anexo I, da Resolução n. 10/2014 - http://www.oab-sc.org.br/arquivos/galeria/1_32_53611f82e1d13.pdf, acesso em 26/01/2016, p. 13).

Ante o exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para fixar a verba honorária assistencial ao defensor da parte apelante, Dr. Eriovaldo de Souza Júnior, OAB/SC 7.376, formando-se a seu favor título executivo contra o Estado de Santa Catarina, no valor de R$ 6.300,00 (seis mil e trezentos reais).

Este é o voto.

Gabinete Desa. Denise Volpato

Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/busca.do#resultado_ancora