PODER JUDICIÁRIO ---------- RS ---------- ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LFBS Nº 70052968930 2013/Cível APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE CASAMENTO. alegação de erro essencial. sentença reformada pela especificidade do caso. DOUTRINA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. O apelante, pessoa de pouca instrução, se viu rapidamente envolvido e, concomitantemente ao momento que conheceu a recorrida, já firmou pacto antenupcial de comunhão universal de bens e, em 30 dias, se casaram. Os fatos que dão causa ao pedido (ingenuidade do varão, ignorância acerca das consequências da escolha do regime de comunhão universal de bens e alegação de que a mulher pretendia, apenas, aquinhoar seu patrimônio), no caso dos autos, são suficientes para caracterizar hipótese de erro essencial (art. 1.557 do CCB - erro quanto à honra e boa fama). DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. Apelação Cível Oitava Câmara Cível Nº 70052968930 Comarca de Planalto V.C.S. .. APELANTE O.M.S. .. APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rui Portanova (Presidente) e Des. Alzir Felippe Schmitz. Porto Alegre, 02 de maio de 2013. DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, Relator. RELATÓRIO Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR) Cuida-se de apelação interposta por VOLMIR C.S. em face da sentença das fls. 89-90v. que, nos autos da ação de anulação de casamento ajuizada contra ODETE M.S., julgou improcedente o pedido. Sustenta que: (1) restou demonstrado pela prova dos autos que foi induzido em erro, sendo o casamento agenciado pelo pai da recorrida; (2) havia interesse econômico em razão de possível recebimento de indenização pelo recorrente, o que não ocorreu, vindo a gerar a precoce separação do casal; (3) a recorrida não tinha qualquer interesse em manter relações sexuais com o apelado e há fortes indícios nos autos de que mantivesse relacionamento extraconjugal; (4) é pessoa ingênua e de ‘poucas luzes’, sendo o casamento celebrado pelo regime da comunhão universal de bens; (5) não tinha a mínima percepção de que pelo regime escolhido se comunicariam todos os bens, portanto, o único imóvel que possui; (6) o casamento durou apenas um mês; (7) foi provado que a apelada exigia dinheiro para ter com ele relações sexuais, sendo que a vida desregrada da mulher foi conhecida somente após o casamento; (8) estão configurados o erro in persona e a insuportabilidade da vida em comum disto decorrente. Requer o provimento da apelação para que seja anulado seu casamento (fls. 91-95). Houve oferta de contrarrazões (fls. 98-102). O Ministério Público opinou pelo não provimento do recurso (fls. 105-106v.). Vieram os autos conclusos, restando atendidas as disposições dos arts. 549, 551 e 552 do CPC, pela adoção do procedimento informatizado do Sistema Themis2G. É o relatório. VOTOS Des. Luiz Felipe Brasil Santos (RELATOR) De início devem ser destacados alguns fatos do processo. Na petição inicial VOLMIR afirma que conheceu ODETE em agosto de 2009 em encontro promovido pelo pai dela e iniciaram namoro com a finalidade de casamento. A partir dessa data, ODETE passou a viver na residência do apelante e em 04-09-2009 foi celebrado o casamento – ele contava 35 anos e ela 47 (fl. 11). Ao fim de 30 dias de casamento, a mulher abandonou o lar, levando consigo alguns móveis da residência. O primeiro ponto que merece destaque, e surpreende, se refere à celebração do pacto antenupcial, cuja escritura pública foi lavrada em 03-08-2009 (fl. 12), ou seja, pelos mesmos dias em que VOLMIR diz ter conhecido a esposa, e o regime eleito foi da comunhão universal de bens. VOLMIR é pessoa jovem, mas que nasceu em cresceu no interior, tendo estudado até a quarta série do ensino primário. Quando ouvido em juízo, disse que ODETE foi sua primeira namorada e antes nunca tivera relações sexuais com qualquer outra mulher. Justificou o casamento em curto período de tempo por ela lhe dizer que gostava do lugar e que ali queria viver com ele, mas depois do casamento a apelada passou a lhe exigir dinheiro – que ele não tinha (fls. 53v-55v.). Com os demais depoimentos se confirma que o apelante, de hábitos simples, tinha vida mais reclusa, voltada às atividades agrícolas, sendo pessoa com poucas luzes. Inclusive o Oficial dos Registros Públicos de Alpestre, arrolado como testemunha da apelada, disse ao juízo que VOLMIR parecia uma pessoa de poucos conhecimentos, “analisando a pessoa dele me parece ser uma pessoa não muito ligada nos negócios né, sei lá, pouco conhecimento de repente por pouco estudo ...” (fl. 65). Neste contexto, a toda a evidência que elegeu açodadamente o regime da comunhão universal de bens, sem maior conhecimento acerca da namorada e futura mulher. Feitas estas considerações, e sendo a alegação de erro essencial quanto à pessoa o fundamento trazido pelo apelante para o pedido de anulação de casamento, a propósito, sirvo-me de comentário de SILVIO DE SALVO VENOSA1 acerca do art. 1.557 do CCB: (...) No casamento, cuida-se de erro quanto à pessoa do outro cônjuge. No que diz respeito a esse aspecto, o art. 139, II, da Parte Geral dispõe que o erro é substancial quando ‘concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante.’ (...) A identidade da pessoa pode referir-se à identidade natural e à identidade civil. (...). A questão controverte-se quanto à identidade civil, a forma pela qual a pessoa é conhecida em sociedade. Nhá um conceito estanque a respeito, muito divergindo os autores. Cabe ao juiz, no arguto exame da prova e das circunstâncias que envolvem o casamento, definir sobre o erro de identidade, honra e boa fama, de molde que o conhecimento ulterior pelo cônjuge enganado torne a vida em comum insuportável. Nesse exame probatório, será importante averiguar a situação social, cultural e econômica dos cônjuges. (...).(destaquei) O ordenamento refere-se à honra e boa fama. A situação deve ser vista principalmente em relação ao cônjuge que se diz enganado: se tinha conhecimento ou as circunstâncias denotavam que devia saber com quem estava-se casando, não se anula o casamento. E prossegue o doutrinador: Em verdade, o que a lei pretende, permitindo a anulação de casamento, em havendo erro sobre a identidade civil ou social é assegurar o outro cônjuge contra uma situação de constrangimento e sofrimento moral profundo. É por isso que somente diante do caso concreto será possível aferir a presença da hipótese em estudo (VIANA, 1998ª, p.100)2 Adito esta análise com os ensinamentos de MARIA HELENA DINIZ3: Bastante complexa é a questão do erro relativo à identidade civil, cabendo ao magistrado decidir se as qualidades, sobre as quais recaiu o erro do outro cônjuge, são, ou não, essenciais, levando em conta as condições subjetivas do consorte enganado e as circunstâncias peculiares de cada caso. Adiante, a autora escreve que: Pode o cônjuge incidir em erro sobre a honra e boa fama do outro, tornando assim possível a anulação do casamento. Para Washington de Barros Monteiro, ‘honra é a dignidade da pessoa que vive honestamente, que pauta seu proceder pelos ditames da mora; é o conjunto dos atributos morais e cívicos que torna a pessoa apreciada pelos concidadãos. Boa fama é a estima social de que a pessoa goza, visto conduzir-se segundo os bons costumes’.4 Em conclusão, cito precedente deste Colegiado em razão da similitude com o caso dos autos e que corrobora o entendimento aqui exposto: APELAÇÃO. ANULATÓRIA DE CASAMENTO. ERRO ESSENCIAL. OCORRÊNCIA. AÇÃO DE SEPARAÇÃO CUMULADA COM ALIMENTOS. EXTINÇÃO. RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIMENTO. Caso em que restou bem demonstrado que a apelada, ao aceitar casar com o apelante, tinha apenas a intenção de obter metade do patrimônio dele, e que sequer admitiu a ocorrência de relação sexual, nos menos de 03 meses de convivência conjugal. Hipótese na qual resta bem caracterizado o erro essencial, que deve levar à decretação de anulação do casamento. (...) Precedentes jurisprudenciais. DERAM PROVIMENTO AO APELO, EXTINGUIRAM SEM APRECIAÇÃO DE MÉRITO A AÇÃO DE SEPARAÇÃO CUMULADA COM ALIMENTOS E JULGARAM PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível Nº 70046384459, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 29/03/2012) E também do STJ: " CASAMENTO. "ANULAÇÃO. ERRO ESSENCIAL. IMPRUDENCIA. A MULHER QUE ACEITA CONTRAIR CASAMENTO APOS QUATRO OU CINCO MESES DE NAMORO, AINDA QUE NÃO TENHA TIDO PERFEITAS CONDIÇÕES PARA CONHECER AS CIRCUNSTANCIAS QUE DEPOIS TORNARAM INSUPORTAVEL A VIDA EM COMUM, NÃO ESTA INIBIDA DE PROMOVER COM EXITO A AÇÃO DE ANULAÇÃO DO CASAMENTO, POR ERRO ESSENCIAL. ARTS. 218 E 219, I DO CC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 86405/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 10/09/1996, DJ 14/10/1996, p. 39012) De outro julgado, também de relatoria do em. Ministro RUY ROSADO, transcrevo excerto de seu voto: - Clovis Bevilaqua observou a dificuldade que teve o legislador para precisar as hipóteses de anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa, optando por um texto indefinido, atribuindo ao juiz a responsabilidade de identificá-las. No caso da segunda hipótese do inciso primeiro do art. 219, o arbítrio judicial ficou limitado pelos conceitos de honra e boa fama e pelo final do dispositivo (que o conhecimento do fato seja ulterior e torne insuportável a vida em comum - Código Civil Comentado, 2/87/88). Honra está ligada à idéia de dignidade da pessoa, que há de pautar seu comportamento pelos princípios éticos vigorantes na comunidade; boa fama corresponde à reputação de que o indivíduo goza no meio social onde vive. O defeito deve ser tão grave que o conhecimento ulterior torne a vida em comum insuportável. Reunidos esses pressupostos, evidenciados pelos dados objetivos constantes do processo, pode o juiz identificar ali a causa do desfazimento do vínculo.5 (destaques deste Relator) No caso dos autos, está suficientemente evidenciado que o casamento foi realizado a partir de premissa do amor desinteressado, que se fragilizou rapidamente, e se revelou como puro interesse patrimonial, o que configura erro essencial quanto à pessoa da apelada. Oportuno referir, por fim, que ODETE, não obstante a citação por edital e nomeação de curador especial, compareceu no cartório judicial, sendo citada (fl. 68). Constituiu advogado e peticionou na fl. 70 dizendo que ela não se opunha ao pedido de anulação de casamento, com desconstituição do pacto antenupcial – apesar de não ser a anulação de casamento ato de disponibilidade dos litigantes. Nesses termos, por todo o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para julgar procedente o pedido, anulando o casamento do casal litigante. Em decorrência, inverto os ônus sucumbenciais. Defiro o pedido de AJG, formulado pela requerida na fl. 70 (e não apreciado na origem), em razão do que resta suspensa a exigibilidade dessa verba. Des. Alzir Felippe Schmitz (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a). Des. Rui Portanova (PRESIDENTE) - De acordo com o (a) Relator (a). DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70052968930, Comarca de Planalto:"DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME." Julgador (a) de 1º Grau: MARIO AUGUSTO FIGUEIREDO DE LACERDA GUERREIRO 1 Código Civil Interpretado. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 1.603. 2 Op. cit., p. 1.604. 3 Curso de Direito Civil Brasileiro. 23.ed. São Paulo:Saraiva, 2008. p. 266. 4 Idem, p. 268. 5 CASAMENTO. Anulação. Erro essencial. Honra e boa fama. Não se decreta a anulação do casamento com base no art. 219, I, segunda parte, do Código Civil apenas porque o noivo assumiu compromissos comerciais acima de suas posses, registrando dívidas vencidas com fornecedores e outros credores. Tendo as instâncias ordinárias admitido que a noiva sabia da situação econômica do réu, com cinco anos de namoro e noivado para conhecer a sua personalidade, e sendo ela de formação superior, ficam faltando os pressupostos para que se reconheça erro essencial a respeito da pessoa do cônjuge, sua honra e boa fama. Recurso não conhecido. (REsp 134690/PR, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 21/09/2000, DJ 30/10/2000, p. 160) Fonte: Disponível na Jurisprudência do Dia 12 de Agosto de 2014, do IBDFAM http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2647/Anula%C3%A7%C3%A3o%20de%20casamento.%20Erro%20essencial.%20Comunh%C3%A3o%20universal%20de%20bens