10 de December de 2015
 APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE INVENTÁRIO - PARTILHA - IMÓVEIS LOCADOS - FRUTOS QUE COMPÕEM O ACERVO HEREDITÁRIO - ALIENAÇÃO DE BENS - PRESTAÇÃO DE CONTAS - NECESSIDADE - IMÓVEIS - BENFEITORIAS - AVALIAÇÃO - VÍCIOS EXISTENTES - HOMOLOGAÇÃO DA PARTILHA - IMPOSSIBILIDADE - SENTENÇA CASSADA.

- Deve ser cassada a sentença que homologa o auto de partilha apresentado pelos herdeiros, não obstante existir um herdeiro incapaz para os atos da vida civil e haver a discordância do Ministério Público, enquanto fiscal da lei. - Hipótese em que, constatados vícios no procedimento de inventário, tais como frutos não incluídos no acervo hereditário, ausência de prestação de contas relativas à administração de valiosos bens do monte, além de haver a falta de avaliação de benfeitorias e a desatualização valor do patrimônio. - Recurso provido. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0112.02.025685-8/004 - COMARCA DE CAMPO BELO - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): J. R. D. da S., J. M. S., G. M. S. T. REPDO(A) PELO(A) CURADOR(A) G. T., ESPOLIO DE G. S. de C. REPDO(A) PELO(A) INVENTARIANTE J. M. S. - INTERESSADO: UNIÃO A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO. DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI RELATOR. DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI (RELATOR) V O T O Trata-se de recurso de apelação cível interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, contra a sentença de fls. 1159/1161, que, nos autos da ação de inventário proposta por J. M. S., em razão do falecimento de G. S. de C., julgou a partilha de fls. 1073/1087, dos bens deixados pelo falecimento noticiado, atribuindo aos herdeiros nela contemplados os respectivos quinhões, salvo erro ou omissão e ressalvados direitos de terceiros. Por fim, atribuiu as custas ao inventário. O apelante, em suas razões recursais (fls. 1172/1198), concentra seu inconformismo em três pontos que entende nevrálgicos para o desate da questão. Em primeiro lugar, alega o recorrente que, dos vários imóveis relacionados nos autos, há notícias de que alguns estão alugados, rendendo frutos aos herdeiros. Sustenta que, nos termos do art. 2.020 do Código Civil de 2002 (CC/2002), os frutos produzidos pelos bens da herança também devem integrar a partilha, impondo-se que sejam trazidos ao acervo por quem estiver em sua posse, sendo devida apenas a indenização pelas despesas judicialmente autorizadas. Ressalta que a questão não se traduz em matéria estranha ao inventário ou de alta indagação, a exigir que as partes se valham das vias ordinárias para dirimir o conflito. Afirma que a matéria é própria do inventário e essencial para o exato conhecimento dos bens a partilhar. Defende a cassação da sentença, para que o inventário retorne ao seu curso normal, devendo o inventariante ser intimado a prestar contas dos frutos percebidos dos bens da herança. No segundo ponto, defende o apelante a necessidade de prestação de contas de alguns bens imóveis vendidos no curso do inventário. Ressalta que a venda de um dos lotes, conquanto autorizada, não foi comprovada, questão que deveria ter sido esclarecida pelo inventariante no curso dos autos e não o foi. Afirma que alienação dos demais bens rendeu para o espólio o valor de R$148.000,00 (cento e quarenta e oito mil reais), sendo que a venda tinha por finalidade quitar despesas no importe de R$130.000,00 (cento e trinta mil reais), não tendo havido a devida prestação de contas dos valores mencionados, em sua forma contábil. Relaciona outros bens vendidos e adquiridos no curso do inventário, bem como a realização de despesas, sem o necessário esclarecimento contábil. Salienta que a incapacidade de uma das herdeiras no curso do inventário apenas confirma a necessidade de prestação de contas. Aduz que deve haver a prestação de contas dos valores levantados através de alvarás pelos procuradores do inventariante, debitando-se em seu quinhão eventual quantia não comprovada. Assevera a impossibilidade de se julgar o inventário contaminado com tantas irregularidades, que impedem o conhecimento do exato valor dos bens a partilhar. Quanto ao último ponto, defende a necessidade de avaliação de dois imóveis a partilhar, bem como de reavaliação de bens avaliados há mais de dois anos. Afirma que dois lotes, localizados em Contagem e Belo Horizonte, não foram avaliados em sua integralidade, uma vez não incluídas as benfeitorias na avaliação. Destaca a notória valorização operada no mercado imobiliário nos últimos anos, capaz de acarretar aumento expressivo do valor de alguns bens, a justificar a sua reavaliação. Afirma que, nos termos dos artigos 1.007 e 1.036, § 1º, do Código de Processo Civil (CPC), a avaliação judicial dos bens, havendo herdeiros incapazes, é obrigatória. Sustenta que, na falta de autorização judicial para a sua realização, as benfeitorias realizadas nos imóveis, mesmo no curso do inventário, devem ser avaliadas e levadas em consideração no momento da partilha. Por tais fundamentos, requer o apelante que seja cassada a decisão objurgada, a fim de que o inventário retome o seu regular curso, intimando-se o inventariante a suprir as irregularidades apontadas, sob pena de remoção. Os apelados apresentaram contrarrazões às fls. 1221/1223, 1224/1250 e 1286/1290, pugnando pela negativa de provimento do recurso. A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às fls. 1506/15013, opinando pelo provimento do recurso. É o relatório. Passo à análise. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. A cizânia posta nos autos cinge-se a se perquirir, em grau recursal, se houve acerto ou desacerto da r. sentença de primeiro grau, que julgou a partilha dos bens deixados pelo falecimento de G. S. de C., não obstante existirem, segundo o Ministério Público recorrente, pendências que impedem o encerramento do feito. Três foram os vícios apontados pelo apelante a macular o procedimento de inventário e impedir a manutenção da sentença definitiva de homologação da partilha: I - a necessidade dos frutos decorrentes dos bens imóveis alugados integrarem a partilha; II - a indispensabilidade da prestação de contas dos bens alienados no curso do inventário; e III - a necessária atualização da avaliação dos bens a partilhar. Com efeito, pretende o recorrente, na condição de custos legis, fiscalizar a correta divisão dos bens do espólio, a fim de evitar prejuízos à herdeira declarada incapaz. Tal atribuição se mostra prejudicada, de fato, quando não há nos autos todos os elementos necessários a se sindicar quais são os bens que compõem o monte-mor, o seu real valor e qual a quantia auferida com as alienações realizadas no curso do inventário. Na hipótese sob julgamento, há notícia de que vários dos imóveis que compõem o acervo hereditário estão alugados, rendendo frutos aos herdeiros que estão em sua posse. Nos termos do artigo 2.020, do Código Civil: "Art. 2.020. Os herdeiros em posse dos bens da herança, o cônjuge sobrevivente e o inventariante são obrigados a trazer ao acervo os frutos que perceberam, desde a abertura da sucessão; têm direito ao reembolso das despesas necessárias e úteis que fizeram, e respondem pelo dano a que, por dolo ou culpa, deram causa." Sobre o tema, leciona MARIA BERENICE DIAS: "É o que determina a lei (CC 2.020): os herdeiros que estão na posse dos bens da herança são obrigados a trazer ao acervo os frutos que receberam desde a abertura da sucessão. A exigência justifica-se. Com a morte, ocorre a transmissão do patrimônio em favor de todos os herdeiros. Como uma universalidade de bens, um todo indivisível, pertence a todos em forma de condomínio (CC 1.791). E se rege pelas mesmas regras (CC 1.319): Cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou. Os frutos e rendimentos dos bens da herança são de propriedade dos herdeiros, até com base no princípio de que o acessório segue o principal. O proprietário do solo é o dono dos acessórios (CC 95)." (DIAS, Maria Berenice, in "Manual das Sucessões", 3ª Ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 608/609). Com efeito, ainda que os herdeiros tenham acordado, de forma extra-oficial, sobre a divisão na administração dos bens, em se tratando a herança de um todo indivisível, os frutos percebidos por cada um desde a abertura da sucessão devem compor o acervo hereditário. O descumprimento de tal regra impede o real cálculo do quinhão devido a cada herdeiro e pode culminar com uma divisão injusta e desigual, como apontado pelo parquet. Assim, ao permitir a partilha, nos moldes do Auto de fls. 1.073/1.087, sem que dele constem os frutos que cada herdeiro percebeu desde a abertura da sucessão, a r. sentença de primeiro grau padece de vício insuperável, impondo-se a sua cassação. De fato, também a ausência de prestação de contas relativas à administração de bens valiosos do monte impede a homologação da partilha. Sabe-se que, nos termos do art. 2.017, do Código Civil de 2002, na partilha dos bens, deve-se procurar a maior igualdade possível quanto ao seu valor, natureza e qualidade. Compulsando os autos, é possível verificar que foram formulados diversos pedidos de alienação de imóveis, com a finalidade de pagamento de despesas do inventário, manutenção dos bens e, inclusive, custeio de tratamento de saúde dos herdeiros. Nesse contexto, não há dúvida de que os valores obtidos com a alienação e a prestação de contas dos gastos realizados devem, necessariamente, constar dos autos, a fim de subsidiar a realização de uma divisão equânime dos quinhões. Neste ponto, não há que se cogitar, data vênia, em remeter os autos às vias ordinárias, inexistindo questão de alta indagação, a depender de dilação probatória. Basta que se traga aos autos prova documental das alienações realizadas, o lucro obtido e a sua utilização no pagamento de impostos, tratamento de saúde do herdeiro ou manutenção de outro bem do espólio. Com efeito, neste ponto, o segundo e terceiro vícios no procedimento de inventário apontados pelo recorrente se complementam. Isso porque, para que haja equidade na partilha dos bens da herança, é salutar que venham aos autos a prestação de contas dos imóveis alienados, bem como que seja realizada a avaliação dos demais bens que compõem o monte-mor, cujo valor atualizado será considerado na divisão. Na espécie sob julgamento, há incerteza quanto à alienação de um bem imóvel (item n. 02, de fl. 100), bem como a ausência de quitação de obrigações tributárias, conforme manifestação da Procuradoria da Fazenda Nacional de fls. 1.283/1.285, que impedem a homologação da partilha, nos termos do art. 192 do Código Tributário Nacional, como bem apontou o douto Procurador de Justiça oficiante (fl. 1.511). Ademais, a reavaliação judicial dos bens que compõem o acervo hereditário é providência indispensável, na medida em que benfeitorias de grande monta, realizadas em imóveis de Belo Horizonte e Contagem, deixaram de ser consideradas, além de se encontrarem desatualizados os valores apurados em 2010 e 2011. Conforme apurado pelo i. representante do Ministério Público em primeiro grau, os imóveis constantes da relação de fls. 981/982 foram avaliados há mais de três anos, tendo havido notória valorização imobiliária neste período, capaz de aumentar expressivamente o valor de alguns bens, o que pode prejudicar a divisão equânime dos quinhões. Quanto à avaliação dos bens do espólio, dispõe o Código de Processo Civil: "Art. 1.004. Ao avaliar os bens do espólio, observará o perito, no que for aplicável, o disposto nos arts. 681 a 683." "Art. 683. É admitida nova avaliação quando: (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). I - qualquer das partes argüir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na avaliação ou dolo do avaliador; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). II - se verificar, posteriormente à avaliação, que houve majoração ou diminuição no valor do bem; ou (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). III - houver fundada dúvida sobre o valor atribuído ao bem (art. 668, parágrafo único, inciso V). (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)." "Art. 1.010. O juiz mandará repetir a avaliação: I - quando viciada por erro ou dolo do perito; II - quando se verificar, posteriormente à avaliação, que os bens apresentam defeito que Ihes diminui o valor." Haure-se dos autos que a primeira avaliação dos imóveis do espólio deixou de considerar importantes benfeitorias, conforme consignou o i. perito judicial ao afirmar que "a avaliação feita levou em conta apenas o lote de terreno, desconsiderando a benfeitoria do local, no caso um galpão de uma loja de pneus" (fl. 596). A justificativa dos herdeiros, no sentido de que as benfeitorias foram realizadas pelo possuidor de cada um dos imóveis, como acima verificado, não se sustenta, na medida em que os bens da herança, como um todo indivisível, devem compor o acervo hereditário, não surtindo efeitos a divisão extrajudicial da administração dos bens realizada pelos herdeiros e não homologada pelo juízo. Quanto à necessidade de realização de nova avaliação dos bens do espólio, mormente pela necessidade de se resguardar direito de incapaz, já se pronunciou este Tribunal de Justiça: "INVENTÁRIO - DISCORDÂNCIA QUANTO À AVALIAÇÃO - HERDEIROS INCAPAZES - AVALIAÇÃO JUDICIAL DOS BENS ARROLADOS - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.007 E 1.036, §1º, DO CPC. Segundo disposto nos artigos 1.007 e 1.036, §1º, do CPC, havendo discordância quanto à avaliação dos bens apresentada pelo inventariante, bem como a existência de herdeiros incapazes, é necessária a realização de avaliação judicial dos bens arrolados." (TJMG - Agravo de Instrumento 1.0024.01.088564-8/001, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/04/2006, publicação da súmula em 20/04/2006); "AGRAVO REGIMENTAL. INVENTÁRIO. HERDEIROS INCAPAZES. AVALIAÇÃO DOS BENS. NECESSIDADE. Havendo herdeiros incapazes é necessária avaliação judicial dos bens do espólio, conforme disposto no artigo 1007 do Código de Processo Civil." (TJMG - Agravo Regimental-Cv 1.0024.08.218134-8/002, Relator(a): Des.(a) Antônio Sérvulo , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/06/2010, publicação da súmula em 16/07/2010); "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INVENTÁRIO - IMÓVEL - NOVA AVALIAÇÃO - VALOR REAL DO IMÓVEL - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. - Restando evidente a motivação de nova perícia, qual seja, chegar ao valor real do imóvel, objeto da lide, deve ser mantida a decisão que determinou sua realização." (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0611.11.005211-9/002, Relator(a): Des.(a) Hilda Teixeira da Costa , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/08/2013, publicação da súmula em 30/08/2013). Assim, constatados vícios no procedimento de inventário, tais como frutos não incluídos no acervo hereditário, a ausência de prestação de contas relativas à administração de bens valiosos do monte, além da falta de avaliação de benfeitorias e desatualização do valor do patrimônio, merece ser cassada a sentença, com o retorno dos autos à instância de origem, para que sejam sanadas as irregularidades. Pelo exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para cassar a sentença e determinar o regular seguimento do procedimento de inventário, sanando-se as irregularidades apontadas pelo parquet. Custas ao final. DES. BARROS LEVENHAGEN (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. VERSIANI PENNA - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO E CASSARAM A SENTENÇA"   Disponível no site do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM