(1) Em audiência de instrução e julgamento a parte autora, ora apelante, abriu mão da oitiva de determinada testemunha que havia arrolado. Logo, houve preclusão consumativa quanto a esse tema, não havendo falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento da oitiva da referida testemunha, ante o arrependimento da desistência. (2) Adequada a sentença que reconheceu como termo inicial da união estável vivida pelas partes aquele por elas expressamente declarado em escritura pública de convivência marital. (3) Tendo as partes, por meio da citada escritura pública, adotado o regime da separação de bens, não há falar em partilha de bens.
NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO APELO.
APELAÇÃO CÍVEL
OITAVA CÂMARA CÍVEL
Nº 70062653860 (N° CNJ: 0457949-19.2014.8.21.7000)
COMARCA DE PORTO ALEGRE
G.J.W.
.. APELANTE
J.R.S.
.. APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo retido e ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE) E DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL.
Porto Alegre, 07 de maio de 2015.
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ,
Relator.
RELATÓRIO
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (RELATOR)
Ação declaratória de união estável proposta por GISELE contra JOSÉ.
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos para declarar a união estável havida entre as partes no período de 16/01/1999 a 20/05/2011 (fls. 349/353).
Apelou a autora (fls. 355/369). Pediu: a) o julgamento do agravo retido interposto na audiência de 13/11/2012, para que seja reaberta a instrução e ouvida a testemunha arrolada de nº 4 (fls. 203/204); b) que o termo inicial da união estável seja considerado como “a época em que a apelante completava 18 anos de idade e passou a viver maritalmente como varão” e, c) a partilha dos bens adquiridos no curso da união, mas especificamente a casa onde moraram.
Vieram contrarrazões.
O Ministério Público neste grau de jurisdição manifestou-se pelo improvimento dos recursos.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (RELATOR)
PRELIMINAR
A apelante pediu preliminarmente o julgamento do agravo retido de fls. 203/204.
Eis a decisão agravada e as razões do agravo (fls. 203/204):
[...]. Passou-se à tomada dos depoimentos pessoais e à oitiva das testemunhas arroladas pelas partes, tendo sido ouvidas as testemunhas da parte autora indicadas à fl. 175, nº 5, com desistência da oitiva das testemunhas arroladas sob os nºs 2, 3 e 4. Foram ouvidas as testemunhas do requerido arroladas sob os nºs 1, 3 e 4, com a desistência da oitiva da testemunha sob o nº 2. O procurador da autora reafirma o interesse na oitiva das testemunhas a serem ouvidas por precatória, arroladas sob os nºs 6 a 9. Na oportunidade em que consignada a desistência de oitiva da testemunha arrolada pela autora, sob o nº 4, manifesta o procurador o interesse na ouvida da mesma, com o que não concorda com a parte contrária, restando desde logo indeferido o pedido pois, ao iniciar a audiência, foram questionados os procuradores quanto ao interesse na ouvida das testemunhas, relacionando o procurador da autora somente as de nº 1 e 5, além daquelas a serem ouvidas pro precatória. Colhidos os depoimentos e ouvidas as testemunhas, cientes do prazo para eventual impugnação das degravações conforme termo específico. Fica consignado agravo retido por parte do procurador da autora, conforme razões que seguem: o indeferimento da prova requerida configura flagrante violação do princípio do contraditório tendo em vista que a referida testemunha foi tempestivamente arrolada e jamais houve a desistência no que tange à referida testemunha a desistência ocorreu apenas e tão somente com relação a apenas duas testemunhas hoje presentes jamais com relação à testemunha Cláudia que sequer intimada para a solenidade de hoje como se percebe às fls. 199 a autora insistiu na oitiva das testemunha requerendo a intimação por oficial de justiça petição datada de 05 de novembro a prova requerida constitui meio indispensável ao redimensionamento aos alimentos aqui fixados pois se trata de pessoa que trabalhou na mesa empresa do réu e conhece bem a realidade financeira dele pugna pelo conhecimento do agravo quando do exame de eventual apelação tal como previsto na lei. Pelo procurador do requerido, ante a interposição do agravo retido: contesta o advogado do réu porque ao iniciar a audiência de oitiva das testemunhas a nobre Magistrada questionou o advogado da autora sobre o número de testemunhas e foi informado que ouviria duas nesse ato e após a testemunha nº 1 e nº 5 o que foi deferido ao finalizar a audiência o advogado da autora postulou pela modificação no arrolamento das testemunhas pois já haviam sido deferidas o nº e o nome das testemunhas. Portanto, não houve nenhum cerceamento de defesa como descrito pelo advogado da autora. Pela Magistrada, resta mantida a decisão de indeferimento, devendo ser aguardado o prazo de degravação e juntada das precatórias. [...].
Disse bem o Ministério, a respeito do tema (fl. 380v): [...]. Inicialmente, cumpre destacar que o presente agravo retido não deve ser provido, uma vez que em audiência de instrução e julgamento a parte autora, ora apelante, abriu mão da oitiva da testemunha arrolada sob o nº 4, optando, apenas, pela oitiva das testemunhas arroladas sob os números 1 e 5, conforme termo de audiência de fls. 203/204. Assim, é sabido que para se configurar nulidade da sentença por cerceamento de defesa, a parte deve ter elidido seu direito de manifestação ou produção de provas no feito processual, não havendo, portanto violação ao artigo 5°, inciso LV, da Constituição Federal. [...].”
Nego provimento ao recurso, portanto.
MÉRITO
A apelante alegou que o casal iniciou sua relação muito antes da escritura pública assinada pelas partes reconhecendo a união estável no ano de 2005. Disse que referido documento não pode se sobrepor a realidade dos fatos, e que não retrata a sua vontade, sendo nulo de pleno direito. Pediu que o termo inicial da união seja “a época em que a apelante completava 18 anos de idade e passou a viver maritalmente como varão”
Estou negando provimento ao apelo e mantendo a sentença por seus próprios fundamentos, a saber (fls. 349/353):
[...]. Asseverou a autora ter vivido more uxorio com o réu de outubro de 1988 até 09/06/2011. O demandado, por sua vez, de 16/01/1999 até 20/05/2011.
A tese autoral, no entanto, não se sustenta. Primeiro, porque a requerente, nascida em 29/08/1979 (fl. 63), em 1988 possuía 9 anos de idade, faixa etária em que ninguém mantem união estável com ninguém, por impossibilidade fática e legal.
Segundo, porque ambos, então maiores e capazes, firmaram em 29/04/2005 escritura pública de declaração de convivência marital, reconhecendo que desde 16/01/1999 convivem como se casados fossem (fl. 107).
Igualmente não merece guarida a alegação de que referida escritura pública seria nula de pleno direito, pois não foi produzida prova apta a comprovar que a escritura não foi firmada por livre e espontânea vontade da demandante, tampouco que, àquele tempo, não possuía o discernimento necessário para compreender os seus termos.
Ainda que possível cogitar a hipótese de que a situação fática fosse diferente do conteúdo que os litigantes fizeram constar do referido documento, o que, efetivamente, só interessaria perquirir no caso de procedência do pedido, lhes é dado pactuar do modo que lhes aprouver, desde que observada a licitude do objeto da escritura, porquanto trata o ato, em sua essência, de declaração de vontade manifestada por maiores e capazes e reduzida a termo.
O instrumento público de convivência, por sua vez, não está eivado de vício aparente algum, conforme se vislumbra da cópia juntada à fl. 107. Foi lavrado no 12º Tabelionato de Notas da Comarca de Porto Alegre, perante a Escrevente Autorizada, na forma prescrita pela lei.
Cumpre destacar que, tratando-se de instrumento público, o Tabelião, seu Substituto e seu Escrevente Autorizado têm fé pública e os documentos por qualquer deles confeccionados gozam de presunção de legalidade. Para afastar a legalidade desses atos seria preciso prova cabal das alegações deduzidas, que não foi produzida nos autos.
No parecer psicológico que acosta, inclusive, declara a demandante possuir segundo grau completo (fl. 63), informação que posteriormente foi confirmada por sua psicóloga quando inquirida (fl. 288), do que se denota possuir plenas condições intelectuais de compreender o ato que praticou.
Assim, acolho a tese de defesa para o efeito de reconhecer o marco inicial da união estável tal como posto, de consenso, na escritura pública de fl. 107: 16/01/1999.
O marco final, por sua vez, é o da saída da autora da residência comum, dia 20/05/2011, conforme registrado no boletim de ocorrência de fl. 108, e admitido no depoimento pessoal que a saída do lar conjugal deu-se de forma voluntária, e não por expulsão (fl. 207), de acordo com o que se vê do seguinte trecho do depoimento da autora: “... Que eu saí de casa, por ameaça, porque eu não aguentava mais. Foi por isso.”.
Diante da declaração da demandante em depoimento pessoal, cai por terra a arguição de que teria sido expulsa de casa pelo réu, e em 08/06/2011 (fl. 04).
Tendo as partes convencionado validamente, como já reconhecido, o regime da separação de bens para as relações patrimoniais na constância da união estável (fl. 107), não há que se falar em partilha, pois o patrimônio passado, presente e futuro dos conviventes não se comunica, nem ao longo da união, muito menos quando da sua dissolução.
Na lição de Maria Berenice Dias (Manual de Direito das Famílias, 7. ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2010, página 240), “Cada um conserva, com exclusividade, o domínio, a posse e a administração de seus bens, assim como a responsabilidade pelas suas dívidas anteriores e posteriores ao casamento. Assim, não há partilha.”.
Não havendo prova no feito de que o patrimônio arrolado tenha sido adquirido por esforço comum, tampouco sendo esta a presunção que se pode extrair da letra da lei (arts. 1687 e 1688 do Código Civil), esse deve permanecer tal como titulado, não se cogitando de comunicabilidade ou partilha. No caso dos autos, cabe lembrar que a preservação da propriedade dos bens resulta, ainda, da autonomia da vontade das partes, retratada no pacto livre e regularmente celebrado à fl. 107. [...].
No mesmo sentido foi o parecer do Ministério Público neste grau de jurisdição (fls. 350/381):
[...]. No presente caso, as provas coligidas nos autos demonstram, diferentemente do sustentado pela recorrente, que as partes iniciaram a sua união estável em 16/01/1999 (escritura pública de reconhecimento de união estável, fl. 107), período esse reconhecido pelo magistrado de primeiro.
Nesse sentido, cumpre destacar que as testemunhas ouvidas em audiência corroboraram o disposto no documento de fl. 107, visto que todas afirmaram que as partes conviviam há mais de 10 anos (fls. 206/231), sendo que a oitiva destas ocorreu em novembro de 2012.
Ainda, cumpre salientar que foi acordado entre as partes o regime de separação total de bens, não havendo que se falar, portanto em partilha, já que o patrimônio adquirido antes, durante e depois da união não se comunicam. Assim, não restando comprovado o vício de consentimento ou qualquer espécie de nulidade ao documento, a escritura se torna válida e eficaz.
É o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. TERMO INICIAL. PROVA. PARTILHA DE BENS. PACTO DE SEPARAÇÃO DE BENS. ESCRITURA PÚBLICA DE UNIÃO ESTÁVEL. VALIDADE. PARTILHA. ALIMENTOS À MULHER. NECESSIDADE. FIXAÇÃO TEMPORÁRIA. DANOS MORAIS. REMESSA DE OFÍCIO À FONTE PAGADORA. DESCABIMENTO 1. Embora a data do termo inicial da união estável indicada na escritura pública firmada pelos litigantes tenha valor apenas relativo, a prova coligida mostra que tal data está correta. 2. Deve ser reconhecida a união estável no período em que o casal conviveu sob o mesmo teto, com publicidade e notoriedade, evidenciando comunhão de vida e de interesses. 3. Havendo ajuste entre os conviventes acerca do regime de bens, através de escritura pública, e não restando comprovada a existência de vício de consentimento ou qualquer outra irregularidade, a transação se revela hígida, sendo válida e eficaz relativamente aos efeitos patrimoniais, mas é inadmissível a retroatividade dos efeitos. 4. É cabível a partilha dos bens adquiridos onerosamente no curso da união estável, até a data em que o casal estabeleceu o regime da separação de bens mediante escritura pública. 5. A sub-rogação constitui exceção à regra da comunicabilidade e somente pode ser reconhecida quando cabalmente comprovada, o que ocorreu com relação aos imóveis adquiridos durante a união estável, pois foram empregados recursos decorrentes de uma reclamatória trabalhista ajuizada pelo varão antes do início da relação marital. 6. Considerando que o veículo foi adquirido na constância da união estável, deve ser partilhados igualitariamente entre as partes. 7. Descabe fixar obrigação alimentar em favor da ex-companheira, quando ela é capaz, apta ao trabalho e tem qualificação profissional, com curso superior, mesmo que ele tenha sido sempre o provedor da família, durante a união estável, que já se rompeu há cinco anos, lapso de tempo este suficiente para que a virago tenha tido condições de refazer sua vida, sendo que há expressivo lapso de tempo já vinha recebendo pensão alimentícia. 8. Não se pode desconhecer que a ruptura de uma relação amorosa ou até mesmo de uma amizade, assim como inúmeros outros fatos da vida, pode provocar dor, mágoa, decepção e causar profundo sofrimento, mas nem por essa razão deve ser cogitar de indenização, pois a reparação civil tem por pressuposto a existência de um prejuízo efetivo e que este seja decorrente de uma conduta ilícita. 9. O ofício à fonte pagadora cancelando o desconto da pensão alimentícia não poderia ser providenciado enquanto pendente de julgamento o recurso de apelação, que foi recebido no duplo efeito. Recursos parcialmente providos. (Apelação Cível Nº 70062170048, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 26/11/2014)
Por conseguinte, ao contrário do que sustenta a recorrente, restou reconhecida a união estável antes do ano de 2005, ou seja, desde o ano de 1999 e a escritura pública que reconheceu a relação havida entre as partes não apresenta nenhum vício, visto que preenche todos os requisitos de validade. [...].
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao agravo retido e ao apelo.
DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - Presidente - Apelação Cível nº 70062653860, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: TATIANA ELIZABETH MICH
Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul