Por Antonio José Telles de Vasconcellos
Diante do cenário
atual de pandemia global, que fará ruir a situação financeira e patrimonial de
muitas empresas, uma ação que provavelmente irá aumentar em número é a de
modificação (alteração) do regime de bens.
Explico. Os
efeitos produzidos pelo casamento, com a adoção do regime de comunhão parcial,
podem, de certa forma, afetar as relações patrimoniais entre marido e mulher,
quando um ou ambos os cônjuges forem empresários, uma vez que os bens
adquiridos na constância do casamento se comunicam, inclusive aqueles
adquiridos com o resultado financeiro das empresas dos quais participam como
sócios. As dívidas das sociedades, de igual sorte, consideradas certas
peculiaridades e limitações como subscrição ao capital social, podem levar bens
a leilão e provocar dissabores e estremecer as relações afetivas.
Essa possibilidade
de alteração de regime de bens é recente, a partir do Código Civil de 2002,
pois antes vigorava a imutabilidade do regime de bens.
A passagem de um
regime de bens para outro, normalmente do regime de comunhão parcial para o
regime de separação total de bens, é possível mediante autorização
judicial, necessitando, assim, que haja o ingresso em juízo, não
podendo ser feito em cartório.
O Superior
Tribunal de Justiça tem firme orientação no sentido de aplicar o artigo 1.639,
§2°, do Código Civil de 2002 [1], para matrimônios celebrados na vigência
do Código Civil anterior, autorizando a mudança do regime de bens, desde que
cumpridas as demais exigências legais e respeitados os direitos de terceiros,
notadamente os efeitos do ato jurídico perfeito consubstanciados sob o regime
originário [2].
Aliás, o Enunciado
nº 113 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal [3] pontua que “é admissível a
alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido,
devidamente motivado e assinado pro ambos os cônjuges, será objeto de
autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos
entes públicos, após perquirição de inexistência de vívida de qualquer
natureza, exigida ampla publicidade”.
O pedido,
portanto, deve ser motivado [4], instruído com certidões negativas e
declaração de bens dos interessados, sob pena de o Ministério Público requerer
mediante cota nos autos e a jurisprudência tem revelado a possibilidade de
obtenção da alteração apenas com a justificativa de que o outro cônjuge irá
exercer atividade empresarial ou empreender em uma sociedade com
terceiros [5].
Consoante a
doutrina de Carlos Roberto Gonçalves [6], acercado artigo 1.639 do Código Civil atual, “dentre
os motivos relevantes para a modificação do regime pode ser mencionada,
exemplificativamente, a alteração do regime legal de comunhão parcial para o de
separação de bens, na hipótese de os consortes passarem a ter vidas econômicas
e profissionais próprias, mostrando-se conveniente a existência de patrimônios
distintos, não só para garantir obrigações necessárias à vida profissional,
como para incorporação em capital social da empresa”.
Um dos
interessantes casos sobre o tema que tramitou no STJ e que parece evidenciar
ser suficiente à alteração, a mera motivação de divergência acerca da
administração dos bens do casal, a justificar o interesse processual, foi a
decisão da 3ª Turma no REsp 1.446.330/SP [7], de relatoria do ministro Moura
Ribeiro. No caso em questão, apesar de as instâncias inferiores vinculadas ao
TJ-SP terem negado a pretensão dos cônjuges, descartando o interesse da esposa
de que seus bens de herança não fossem atingidos, pois tais bens já estariam
ressalvados pela incomunicabilidade estampada no artigo 1.659, I, II e III, do
Código Civil, o STJ deu provimento ao recurso especial compreendendo que,
apesar da pretensão de incolumidade da herança recebida pela cônjuge, também
havia o argumento constante da inicial no sentido de haver divergência na
administração dos bens do casal, necessária à preservação da paz conjugal.
Portanto, a
justificativa para a modificação do regime de bens, tal como asseverou o
ministro Moura Ribeiro no supracitado precedente, não precisa estar pautada em
razões profundas, bastando o fundado receio de constrição indevida e mesmo
divergência na administração dos bens.
[1] BRASIL. Código Civil de 1916. Artigo
230. “O regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento, e é irrevogável”.
[2] BRASIL. STJ. REsp 1.533.179/RS, 3ª
Turma. Rel. Marco Aurélio Belizze, DJe de 23.09.2015.
[3] https://www.cjf.jus.br/enunciados/
[4] BRASIL. Código Civil de 2002. Artigo
1.639. “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular,
quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. §1º. O regime de bens entre os
cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. §2º. É admissível
alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado
de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados
os direitos de terceiros.”
[5] BRASIL. STJ. REsp 1.119.462/MG. Rel.
Min. Luis Felipe Salomão. DJe de 12.03.2013. (“é possível… a alteração do
regime de comunhão parcial para o regime de separação convencional de bens sob
a justificativa de que há divergência entre os cônjuges quanto à constituição,
por um deles e por terceiro, de sociedade limitada, o que implicaria risco ao patrimônio
do casal, ainda que não haja prova da existência de patrimônio comum entre os
cônjuges…”).
[6] Direto Civil Esquematizado. V. 3. 1ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2014. P. 610
[7] BRASIL. STJ. REsp. 1.446.330/SP, 3ª
Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe de 27/3/2015.
Fonte: Conjur
Disponível em:
https://www.anoreg.org.br/site/2020/08/05/artigo-conjur-mudanca-do-regime-de-bens-do-casamento-nao-precisa-ter-razoes-profundas/