José Tito de Aguiar Junior
Finalmente cumpre afirmar que a LC responsabiliza a administradora em caso de liberação de crédito com garantia insuficiente (inclusive se houver uma substituição, autorizada pela administradora, da garantia original por outra no decorrer da marcha consorcial).
A lei
11.795/08 (Lei de Consórcio - LC) é o diploma legal que traz as
disposições norteadoras de todo o sistema consorcial nacional, sendo
complementada por normativos emanados pela autoridade fiscalizadora1, que é o Banco Central
do Brasil.
Sendo assim a Lei de Consórcio afirma categoricamente de que o contrato deve
prever, de forma clara, as garantias que serão exigidas do consorciado para que
ele venha a utilizar o crédito (art. 142).
Se trata de princípio básico de redação contratual, especialmente em se
tratando de um contrato por adesão (art. 103 da LC), a fim de que o contratante tome
conhecimento prévio do que lhe será exigido no momento de utilização do
crédito.
O que gera dúvida ao consorciado é saber qual garantia ele poderá atrelar (vincular / alienar) ao contrato
de consórcio contemplado.
Quando da adesão a um plano de consórcio há a prévia estipulação de um bem
(valor) de referência. Com base nesse bem o crédito é ajustado4, tudo nos termos do
contrato.
Esse bem de referência simplesmente fornece um direcionamento sobre quanto o
consorciado contemplado terá à sua disposição quando da contemplação para
aquisição de um bem (serviço) que seja de seu interesse.
O valor do crédito será sempre o do bem (serviço) de referência ao valor do
momento da contemplação, podendo o consorciado adquirir qualquer outro, se da
mesma natureza, de valor igual, superior ou inferior.
Independentemente do bem a ser adquirido uma regra é básica: a garantia
(alienação fiduciária, por exemplo) deve recair no bem adquirido pelo
consorciado (§1º5 do
artigo 14 da LC).
Essa obrigatoriedade (em regra) visa impedir que o consórcio seja
desnaturado com o uso, por exemplo, do crédito como capital de giro (uso do
crédito para pagamento de uma dívida, refinanciamento de um bem junto a banco,
etc., tendo como bem alienado um veículo já de propriedade do consorciado).
O bem que ficará alienado (ou qualquer outra que seja a garantia vinculada
ao contrato) deve ser aquele efetivamente adquirido pelo consorciado, pois essa
é a natureza do sistema: propiciar que bens sejam adquiridos com o crédito
consorcial decorrente da contribuição da coletividade de consorciados presentes
no grupo.
Como afirmado a regra comporta exceção quando o bem adquirido é imóvel.
Nesse caso o imóvel adquirido pode ser diverso do alienado, contanto que este
último seja de valor suficiente para assegurar o cumprimento das obrigações
pecuniárias do consorciado contemplado em favor do grupo (§2º6 do artigo 14 da
LC).
Hipóteses de aplicação da exceção supracitada é o consorciado que aliena
fiduciariamente imóvel residencial utilizando o crédito em casa de veraneio em
ilha, ou ainda em local em que a administradora entenda, de forma clara e
objetiva, que o bem ofertado não garanta a dívida em caso de inadimplência, aceitando
outro que proteja financeiramente o grupo.
Quanto a tal ponto é importante salientar que a exceção somente admite a
alienação de um imóvel por outro. Não há autorização para que o crédito seja
utilizado na aquisição de bem móvel enquanto a alienação fiduciária ocorre em
bem imóvel.
Outra exceção é no caso de consórcio de serviços (uma cirurgia plástica em
que a garantia é uma nota promissória, por exemplo); ou quando o bem estiver em
produção, incorporação ou situação análoga definida pelo Banco Central do
Brasil (§3º7 do
artigo 14 da LC).
No caso de bem que esteja em produção, por exemplo, a administradora deve se
munir de documentos e informações que sustentem tal análise de crédito,
evitando que a ansiedadedo
consorciado por alguns dias (até que o veículo seja produzido, por exemplo)
faça com que a garantia seja atribuída, desnecessariamente, a coisa diversa da
adquirida.
A administradora pode (ainda) exigir garantias complementares proporcionais
ao valor do débito vincendo.
Essa exigência deixa ao arbítrio da administradora essa análise e escolha
sobre quais os casos em que o consorciado terá de “reforçar” o valor de garantia atrelado à sua cota de
consórcio.
A administradora de consórcios terá de criar critérios objetivos dentro
dessa subjetividade da norma legal. A previsão em contrato de dissabores
práticos ocorridos em casos pretéritos é a melhor forma de a administradora
blindar o grupo de consórcio de uma liberação de crédito em caso que a
complementação de garantia deveria ser exigida.
Exemplo clássico é o do carro, cuja desvalorização é evidente. Imagine que
um consorciado queira adquirir um veículo cuja maturidade (ano de fabricação)
seja alta, mas que no momento da contemplação e análise de crédito garanta a
dívida existente.
Ocorre que o bem de referência do contrato é veículo moderno e cujo reajuste
é esperado pelos próximos anos. Sendo assim, enquanto o bem que o consorciado
deseja desvaloriza, o crédito reajusta. Em determinado momento, durante a
marcha consorcial, em caso de inadimplência, a garantia (possivelmente) não
será suficiente para saldar a dívida.
Outros exemplos são cabíveis e, por isso, vale reafirmar que a previsão
contratual de situações objetivas para o critério legal subjetivo evita
questionamentos dos consorciados e justifica de exigência de reforço de
garantia ao Banco Central do Brasil, tornando transparente a relação
contratual, inclusive para aplicação plena dos termos do Código
de Defesa do Consumidor.
Caso haja dúvida consistente vigora a máxima de que se beneficia a
coletividade (ou o grupo), mesmo que em detrimento do consorciado cujo caso é
analisado naquele momento, exatamente como preceitua o §2º do artigo 03º da LC.
Esse “interesse privilegiado” não
é desarrazoado já que uma liberação de crédito com garantia insuficiente,
indevida, etc., prejudica exatamente o grupo em benefício de um ou alguns.
O grupo deve se manter saudável durante todo seu trâmite, especialmente nos
casos dos de longa duração, evitando que em caso de inadimplência a garantia
dada não seja suficiente em caso de recuperação para saldar o débito.
Finalmente cumpre afirmar que a LC responsabiliza a administradora em caso
de liberação de crédito com garantia insuficiente (inclusive se houver uma
substituição, autorizada pela administradora, da garantia original por outra no
decorrer da marcha consorcial).
Caso existam divergências de entendimentos cabe ao consorciado a via
judicial para buscar que o magistrado da causa defina se a garantia é ou não
suficiente, se um bem pode ou não ser alienado, etc.
Entendo ainda que a via contrária também é cabível, a fim de que a
administradora compelida (por exemplo) por decisão do Banco Central do Brasil a
mudar seu critério de análise de crédito, busque no judiciário o entendimento
sobre o tema, considerando ser ato ilícito do órgão fiscalizador determinar
ação que prejudique o grupo, ferindo norma legal, cabendo análise judicial.
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1 Importante afirmar
que o presente texto focará nas disposições contidas na Lei de Consórcio. Vale
afirmar que a Circular 3432 do Banco Central do Brasil detalha, por exemplo,
questões que devem ser previstas em contrato, os bens que podem ser adquiridos
(inciso XIII do art. 05º, por exemplo), dentre outras questões e
especificidades do sistema de consórcio.
2 Art. 14. No
contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, devem estar
previstas, de forma clara, as garantias que serão exigidas do consorciado para
utilizar o crédito.
3 Art. 10. O
contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, é o instrumento
plurilateral de natureza associativa cujo escopo é a constituição de fundo
pecuniário para as finalidades previstas no art. 2º.
4 Importante afirmar
que o crédito não é somente “reajustado”, mas sim “ajustado”, podendo sofrer
variações para mais ou menos, a depender do bem de referência e as estipulações
contratuais.
5 § 1º As garantias
iniciais em favor do grupo devem recair sobre o bem adquirido por meio do
consórcio.
6 § 2º No caso de
consórcio de bem imóvel, é facultado à administradora aceitar em garantia outro
imóvel de valor suficiente para assegurar o cumprimento das obrigações
pecuniárias do contemplado em face do grupo.
7 § 3º Admitem-se
garantias reais ou pessoais, sem vinculação ao bem referenciado, no caso de
consórcio de serviço de qualquer natureza, ou quando, na data de utilização do crédito,
o bem estiver sob produção, incorporação ou situação análoga definida pelo
Banco Central do Brasil.
8 § 2º O interesse
do grupo de consórcio prevalece sobre o interesse individual do consorciado.
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*José Tito de Aguiar Junior é advogado e pós-graduado em Direito Processual Civil.
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