O Dia da Pessoa Idosa é celebrado nesta
quinta-feira, 1º de outubro, no Brasil e no exterior. A data, que permite o
fortalecimento e o incentivo a ações que visam os direitos dessa população, é
também lembrada pela promulgação do Estatuto
do Idoso (Lei 10.741/2003), que completa 17 anos.
Atualmente, a matéria tem sua importância acentuada por conta da pandemia do
Coronavírus, que já chega a seu sétimo mês e segue acentuando a vulnerabilidade
dos mais velhos.
Para a presidente da
Comissão da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família –
IBDFAM, a advogada Maria Luiza Póvoa, o afrouxamento do isolamento social
diante da ainda alta taxa de transmissão da Covid-19 representa o aumento do
risco à população idosa. Até agosto, cerca de 74% das 100 mil mortes registradas
no país pela doença foram de pessoas com mais de 60 anos, reforçando a
necessidade de atenção e proteção.
“É preciso a
continuidade e aprimoramento de políticas públicas de saúde e atenção ao idoso
para diminuir o índice de contaminação nesta parcela da população, seja no
ambiente doméstico, locais públicos ou em Instituições de Longa Permanência
para Idosos (ILPIs), também conhecidos como asilos ou casas de repouso”,
ressalta Maria Luiza.
Em junho, a Lei
14.018/2020 destinou R$ 160 milhões para tais
instituições com o objetivo ajudar os locais no combate à pandemia. Em
contrapartida, registrou-se o aumento das denúncias de violência doméstica
contra o idoso, além de um crescimento dos relatos de abandono material e
afetivo.
“A pandemia expôs e
agravou uma situação de violência intrafamiliar que exige respostas da
sociedade e de políticas públicas integradas em relação à segurança, saúde e
assistência social à pessoa idosa. A atual crise sanitária é uma alerta: o
idoso precisa de atenção e tem direitos que devem ser promovidos continuamente
e não apenas em momentos de excepcionalidade como na pandemia”, defende a
advogada.
Convivência entre avós e netos
A advogada e
professora Larissa Tenfen Silva, presidente da Comissão da Pessoa Idosa da
seção Santa Catarina do IBDFAM, avalia que a pandemia modificou uma importante
discussão: o direito de convivência entre avós idosos e netos.
O tema ganhou
previsão expressa com a Lei
12.398/2011, que acrescentou dispositivo ao Código Civil de
2002 para prever o direito de visita aos avós, a critério do juiz, observados os
interesses da criança ou do adolescente. “É importante destacar que a relação
entre avós e netos alicerçado no direito de convivência é muito mais amplo do
que o simples direito de visita, sendo este apenas uma faceta daquele”, destaca
Larissa.
Ela lembra que, no
dia a dia das famílias, os idosos adquiriram um lugar de afeto e cuidado com os
pequenos quando, muitas vezes, tais deveres se perdem na rotina dos adultos. Na
contemporaneidade, os mais velhos também têm papel fundamental na renda, na
realização de trabalhos domésticos e até mesmo no fornecimento de moradia para
os demais membros.
“A convivência entre
avós idosos e netos é uma das possibilidades mais significativas decorrentes da
constituição de famílias, oportunizando o fomento de afeto, solidariedade e
trocas geracionais entre membros, além de constituir, para muitos idosos, um
dos momentos mais significativos de suas vidas”, aponta a especialista.
Cultura etarista e velhofóbica
Para Larissa, os
efeitos da pandemia do Coronavírus foram acirrados “por uma cultura etarista e
velhofóbica” que desvaloriza as pessoas com idade avançada. “São facilmente
visualizadas, por exemplo, piadas e memes sobre a dificuldade dessa população
em se manter isolada, sobre a atribuição da culpa e do peso dos idosos para com
os problemas do sistema de saúde, previdência ou pelas decisões restritivas
tomadas para proteção de toda população brasileira em relação à pandemia.”
Neste contexto,
gestores públicos têm o desafio de equacionar a proteção à saúde dos idosos com
a manutenção dos seus direitos, segundo a advogada. “Existem situações de
abusos por parte de familiares que utilizam a justificativa da pandemia para
simplesmente afastar o convívio entre os parentes”, pontua.
De acordo com
Larissa, os reflexos dessas questões estão chegando ao Poder Judiciário,
chamado a intervir na esfera privada. A análise dos casos deve observar não só
o momento excepcional na saúde, mas também os direitos e a proteção de duas
populações que merecem proteção integral.
“A decretação das
medidas em razão da pandemia não suspendeu, a priori, o direito de convivência
e, mesmo nas situações de restrição, deve obrigatoriamente haver a manutenção
da convivência familiar ainda que por outros meios seguros de comunicação, o
que vem sendo aplicado em várias decisões judiciais.”
Principais avanços em 17 anos
Maria Luiza Póvoa
define o Estatuto do Idoso como um marco na política de Direitos Humanos por
uma série de garantias previstas aos brasileiros acima de 60 anos, além
daquelas já previstos na Constituição Federal. No ano seguinte à sua
promulgação, a criação da primeira vara especializada, em Maringá, no Paraná,
foi mais um passo para as conquistas efetivas.
“Em 2017, o Estatuto
sofreu alterações, por meio das Leis 13.466 e 13.535,
para dar prioridade, entre os idosos, para aqueles com mais de 80 anos; e para
garantir a esta população a oferta de cursos e programas de extensão pelas
instituições de educação superior”, observa a advogada.
Ela acrescenta: “No
Congresso, temos visto avanços como a aprovação na Câmara de
licença-paternidade para avô ou avó de bebê que não tiver registro do pai. Na
jurisprudência, destaca-se também a preocupação com a alienação parental dos
idosos, que embora não conste do Estatuto do Idoso, tem sido discutida, por
analogia, à luz da Lei
12.318/2010, que contempla originalmente a relação das
crianças ou filhos menores e incapazes com os pais”.
Ela avalia que a Lei
13.721/2018 também representou um grande avanço no
combate à violência contra o idoso ao incluí-lo entre os grupos prioritários –
mulher, criança, adolescente ou pessoa com deficiência – para a realização do
exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva violência
doméstica e familiar.
Desafios que ainda se impõem
“Ainda há muitas
prerrogativas do Estatuto a serem implementadas no Brasil, mas a observação
destes direitos na prática depende de fatores econômicos, políticos e
culturais. Trata-se de uma luta que pertence a toda sociedade brasileira”,
avalia Maria Luiza. Segundo a especialista, as políticas atuais de acesso à
saúde pública carecem de aperfeiçoamento emergencial, mas também de
planejamento a médio e longo prazo.
Outra demanda
refere-se à vulnerabilidade social do idoso, que atinge níveis alarmantes,
agora agravados com a pandemia. “Por isso, essa parcela da população necessita
de mecanismos de proteção social realmente efetivos, abrangentes e pensados de
acordo com as suas particularidades.”
“Há ainda a questão
da violência contra o idoso, que se manifesta de várias formas, um aspecto que
não pode mais ser negligenciado – em especial a violência doméstica, cujas
especificidades tornam seu combate tão difícil. Ações enérgicas e coordenadas
por parte do Estado e da sociedade civil organizada são fundamentais para o
enfrentamento a este mal”, frisa a diretora nacional do IBDFAM.
“O que não é conhecido e lembrado
não é valorizado e protegido”
A legislação
brasileira conta com um rol extenso de direitos e deveres que visam a proteção
dos idosos, mas nem sempre são plenamente atendidos, segundo Larissa Tenfen. O
cenário reforça a importância de um dia especial em atenção a essas pessoas,
afinal, “o que não é conhecido e lembrado não é valorizado e protegido”, como
ela diz.
“Falar sobre direitos
da pessoa idosa é compreender que o envelhecimento é um fato natural do ciclo
da vida humana, assim como nascer, crescer e morrer. Esta etapa tem
especificidades próprias que precisam ser compreendidas em todas as suas
dimensões, para, assim, poder garantir aos indivíduos que adentram neste ciclo,
condições de vivenciá-lo com qualidade e pelo maior tempo possível”, defende Larissa.
A advogada avalia
que, nesta sociedade alicerçada na valorização individual medida pelo viés
econômico produtivo, o envelhecer ganha tratamento depreciativo. Apesar de as
representações sociais estarem mudando nas últimas décadas, no cotidiano e no conteúdo
das políticas públicas e legislativas, ainda persiste e predomina uma cultura
etarista, velhofóbica, idadista que discrimina em razão da idade avançada.
“As consequências
podem ser sentidas com a criação de estereótipos e de representações negativas
do envelhecimento vinculadas à inutilidade, improdutividade, inferioridade,
decadência, entre outros adjetivos. Tal visão, ainda que limitada e equivocada
pois desconsidera as potencialidades e complexidades do fenômeno do
envelhecimento, fomenta uma série de comportamentos indignos em relação aos
idosos.”
Para Larissa, é preciso apostar em ações e no fortalecimento sobre a produção e divulgação de conhecimento sobre o envelhecimento no Brasil, levando em conta as especificidades e heterogeneidade regionais e individuais. “Por meio da educação formal de conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, será possível eliminar o preconceito e produzir conhecimentos sobre a matéria”, acredita.
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