11 de September de 2014
Doação inoficiosa. Partilha. Prescrição

RECURSO ESPECIAL Nº 1.321.998 - RS (2011⁄0199693-0)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : L L

ADVOGADOS : ARTUR THOMPSEN CARPES

CRISTINA FERREIRA PALMEIRO DA FONTOURA E OUTRO (S)

RECORRIDO : B F W DA C

ADVOGADO : CARLA SIMONE MESQUITA MARINHO E OUTRO (S)

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE DOAÇÃO E PARTILHA. BENS DOADOS PELO PAI À IRMÃ UNILATERAL E À EX-CÔNJUGE EM PARTILHA. DOAÇÃO INOFICIOSA. PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL, CONTADO DA PRÁTICA DE CADA ATO. ARTS. ANALISADOS: 178, 205, 549 E 2.028 DO CC⁄16.

1. Ação declaratória de nulidade de partilha e doação ajuizada em 7⁄5⁄2009. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16⁄11⁄2011.

2. Demanda em que se discute o prazo aplicável a ação declaratória de nulidade de partilha e doação proposta por herdeira necessária sob o fundamento de que a presente ação teria natureza desconstitutiva porquanto fundada em defeito do negócio jurídico.

3. Para determinação do prazo prescricional ou decadencial aplicável deve-se analisar o objeto da ação proposta, deduzido a partir da interpretação sistemática do pedido e da causa de pedir, sendo irrelevante o nome ou o fundamento legal apontado na inicial.

4. A transferência da totalidade de bens do pai da recorrida para a ex-cônjuge em partilha e para a filha do casal, sem observância da reserva da legítima e em detrimento dos direitos da recorrida caracterizam doação inoficiosa.

5. Aplica-se às pretensões declaratórias de nulidade de doações inoficiosas o prazo prescricional decenal do CC⁄02, ante a inexistência de previsão legal específica. Precedentes.

6. Negado provimento ao recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha (voto-vista), Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 07 de agosto de 2014 (Data do Julgamento)

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por L. L., com fundamento na alínea ?a? do permissivo constitucional.

Ação: anulatória de partilha e doação, ajuizada por B. F. W. DA C., em face da recorrente e sua filha, na qual pleiteia o reconhecimento de nulidade de doação, realizada no bojo de partilha de bens em divórcio consensual, por inobservância da legítima.

Sentença: julgou improcedente o pedido, ante o reconhecimento da decadência, nos termos do art. 269, IV, do CPC.

Acórdão: deu parcial provimento à apelação interposta pelo recorrido, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl.148):

APELAÇÃO CÍVEL. DIVÓRCIO E PARTILHA. SENTENÇA, HOMOLOGATORIA. DOAÇÃO DE IMÓVEL À FILHA DOS DIVORCIADOS. PRETENSÃO ANULATÓRIA E INDENIZATÓRIA A DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE FRAUDE À LEI E DE LESÃO A DIREITOS DAS FILHAS COM PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PRESCRIÇÃO AFASTADA.

1. Em se tratando de ação movida por terceiro, que busca o reconhecimento de nulidade de partilha consensual, por violação de legítima, com fundamento (embora não invocado explicitamente) no art. 1.176 do CC⁄16 (correspondente ao art. 549 do CC⁄2002), o prazo era, ao tempo do fato, o vintenário do art. 177 do CC⁄16. Não cabe cogitar do prazo ânuo do art. 1.029, parágrafo único, do CPC, por aplicável apenas à partilha consensual realizada em inventário. Por igual, afasta-se a incidência do biênio do art. 179 do CC⁄02, por não encontrar equivalente no então vigente CC⁄16, e também pelo fato de que aqui se trata de possível nulidade e não de anulabilidade. Finalmente, não se aplica o prazo quadrienal do artigo 178, II, do Código Civil (antigo 178, § 9º, V, b, do. CC⁄16), c⁄c art. 486, do CPC, porque tal prazo incide apenas quando se trata da hipótese de anulabilidade.

2. Ao tempo da entrada em vigor do atual. Código Civil (11.01.2003) não havia transcorrido ainda metade daquele prazo. Logo, por força da regra de transição do art. 2.028 do CC⁄02, aplica-se o prazo contemplado na novel codificação, que, no caso, é de dez anos (art. 205, CC⁄02).

3.Consoante doutrina e jurisprudência já pacificadas, em se tratando de aplicação da regra de transição do art. 2.028 do CC102, o termo inicial do novo prazo deve ser a data da entrada em vigor do atual Código Civil.

DERAM PARCIAL PROVIMENTO A APELAÇAO. UNÃNIME.

Recurso especial: alega violação do art. 178, II, do CPC.

Afirma que a causa de pedir narrada na petição inicial como fundamento para a desconstituição de ato judicial homologatório de partilha seria a existência de dolo, vício de consentimento a que se comina expressamente a anulabilidade, nos termos do art. 171, II, do CC⁄02 e sujeito atualmente ao prazo decadencial de 4 anos a contar da data da celebração do negócio jurídico.

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ⁄RS negou seguimento ao recurso especial, dando azo à interposição do AResp 82.044⁄RS, provido para determinar sua reautuação como recurso especial.

Ciente do MPF: o i. Subprocurador Geral da República Dr. Maurício Vieira Bracks (e-STJ fl. 219), declarou nada ter a requerer.

É o relatório.

VOTO

Cinge-se a controvérsia a definir se é aplicável o prazo prescricional decenal (art. 205 do CC⁄02) ou o prazo decadencial de 4 anos, de acordo com a natureza jurídica da ação proposta, pela qual pretende-se a invalidação de doações realizadas sem a observância da legítima.

1. Delineamento fático

01. A presente ação foi proposta, em 7⁄5⁄2009, pela recorrida na condição de herdeira necessária cuja filiação em relação ao doador falecido – cônjuge da recorrente – fora anteriormente reconhecida em ação judicial de investigação de paternidade julgada procedente em 20⁄4⁄1998.

02. Concomitantemente à ação de investigação, tramitou ação de divórcio consensual, a qual resultou na transferência da propriedade de dois imóveis à recorrente em, 29⁄9⁄1998, após o trânsito em julgado da sentença homologatória de divórcio. O casal divorciado (recorrente e o falecido) ainda acordou na doação de um terceiro imóvel à filha do casal, o qual foi efetivamente transferido por meio de escritura pública em 18⁄6⁄1998.

03. Posteriormente, em 12⁄6⁄2001, o pai da recorrida faleceu, não tendo deixado outros bens a inventariar, segundo deduz a petição inicial da presente ação (e-STJ fl. 3). Fato este incontroverso ante a ausência de contestação específica apresentada pela recorrente. Deve-se frisar que não há qualquer discussão no presente recurso acerca da existência de reserva de bens suficientes para garantir a legítima, de forma que o debate encontra-se restrito ao prazo aplicável à espécie.

04. Ve-se, portanto, que os fatos necessários à solução da questão de direito posta estão bem delineados no acórdão recorrido, dispensando qualquer reexame fático-probatório, o que afasta a incidência da Súmula 7⁄STJ. Desse modo, impõe-se apenas a revisão do enquadramento jurídico dado aos fatos, para, de acordo com a natureza jurídica da demanda posta, se concluir pelo prazo prescricional ou decadencial aplicável à espécie.

2. Natureza jurídica da ação e prazo prescricional aplicável

05. A natureza jurídica da ação não é determinada pela denominação atribuída pelo autor no momento da propositura da demanda, mas de acordo com o objeto perseguido efetivamente.

06. Em pedido veiculado na petição inicial, requereu-se expressamente ?se digne declarar nula de pleno direito a partilha no divórcio consensual entre E.W. [doador falecido] e L.L. [recorrente], bem como a doação de nua propriedade do imóvel matriculado sob o nº 41.876 no Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre⁄RS para J. W. [beneficiária da doação]? (e-STJ fl. 6). Como causa de pedir aduz a recorrida que a ação de inventário somente poderá ser proposta após a declaração de nulidade das doações realizadas de forma ilegal, em detrimento dos demais herdeiros legítimos.

07. Assim, a partir de uma interpretação sistemática do pedido e da causa de pedir deduzidos na petição inicial, tem-se que a pretensão autoral refere-se à declaração de nulidade de uma alegada doação inoficiosa.

08. A partir dessas considerações, com efeito, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que incide sobre as pretensões declaratórias de nulidade de doação inoficiosa o prazo prescricional decenal (art. 205 do CC⁄02), por ausência de previsão específica, e contado a partir da data da prática do ato nulo. Nesse sentido: REsp 1.049.078⁄SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, DJe 01⁄03⁄2013; e REsp 259.406⁄PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, DJ 04⁄04⁄2005; entre outros.

09. Outrossim, a pretensão recursal de se aplicar à hipótese dos autos o prazo decadencial previsto no art. 178 do CC⁄02 é juridicamente incabível. Isso porque as hipóteses de defeitos dos negócios jurídicos resguardam o agente e sua livre manifestação de vontade no momento do aperfeiçoamento do negócio entre as partes, ou seja, apenas o próprio contratante tem legitimidade para pleitear a anulação de negócio para o qual anuiu de forma viciada.

10. Essa, entretanto, não é a situação concreta posta nos autos. Aqui não se questiona a vontade dos agentes na prática do negócio como efetivamente realizado, mas a possibilidade jurídica das partes realizarem o negócio em razão da existência de proibição legal estabelecida no art. 549 do CC⁄02 (1.176 do CC⁄16). Destarte, não há que se aplicar à hipótese dos autos o prazo decadencial que limita o tempo de ação do agente do negócio jurídico viciado quando se está discutindo o direito de terceiro, diretamente atingido pela prática de um ato nulo e no qual não teve qualquer participação.

11. Convém observar que as doações realizadas pelo pai falecida da recorrida, seja à sua ex-esposa recorrente (em partilha), seja à filha do casal, ocorreram ainda sob a vigência do CC⁄16, no qual o prazo prescricional previsto era vintenário. Assim, não tendo transcorrido mais de metade do prazo legal antes da entrada em vigor do novo Código Civil, aplica-se a regra de transição do art. 2.028 do CC⁄02, de forma a incidir o novo prazo (decenal), contado a partir da vigência do referido Código.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2011⁄0199693-0

PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.321.998 ⁄ RS

Números Origem: 10901293990 110901293990 70039393145 70041984105 70042826362 70043916022

PAUTA: 08⁄04⁄2014 JULGADO: 08⁄04⁄2014

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : L L

ADVOGADOS : ARTUR THOMPSEN CARPES

CRISTINA FERREIRA PALMEIRO DA FONTOURA E OUTRO (S)

RECORRIDO : B F W DA C

ADVOGADO : CARLA SIMONE MESQUITA MARINHO E OUTRO (S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, negando provimento ao recurso especial, no que foi acompanhada pelo Sr. Ministro Sidnei Beneti, pediu vista o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Aguardam os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente).

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Sr. Presidente, pedi vista dos autos para melhor examinar a questão neles debatida.

Discute-se, em ação declaratória de nulidade de partilha e doação, qual o prazo para que a herdeira necessária possa insurgir-se contra a transferência da totalidade dos bens do pai para a ex-esposa e para a filha do casal, sem observância da reserva da legítima, circunstância que caracteriza a doação inoficiosa.

Trata-se, portanto, de caso de nulidade expressamente prevista no art. 549 do atual Código Civil, em razão do disposto nos arts. 1.789 e 1.846 do mesmo diploma legal.

E, a teor da norma contida no art. 169 do mesmo código, "o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo", a significar que a nulidade é imprescritível. Essa é a tese que defendo.

Não desconheço a discussão existente a respeito dessa norma e que, em nome da paz social, levou ao entendimento jurisprudencial de que tal nulidade não fica imune à ocorrência de prescrição.

Reservo-me o direito de, em momento oportuno, trazer a matéria a debate na profundidade que entendo necessária.

No caso concreto, todavia, seja pela tese que advogo, a da imprescritibilidade, seja pela tese eleita pela eminente relatora, de que o prazo prescricional era vintenário pelo Código de 1916 e decenal pelo Código de 2002, chega-se ao mesmo resultado, o de negar provimento ao recurso especial.

Ante o exposto, embora por fundamento diverso daquele manifestado pela relatora, nego provimento ao recurso especial.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2011⁄0199693-0

PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.321.998 ⁄ RS

Números Origem: 10901293990 110901293990 70039393145 70041984105 70042826362 70043916022

PAUTA: 07⁄08⁄2014 JULGADO: 07⁄08⁄2014

SEGREDO DE JUSTIÇA

Relatora

Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : L L

ADVOGADOS : ARTUR THOMPSEN CARPES

CRISTINA FERREIRA PALMEIRO DA FONTOURA E OUTRO (S)

RECORRIDO : B F W DA C

ADVOGADO : CARLA SIMONE MESQUITA MARINHO E OUTRO (S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Sucessões - Inventário e Partilha

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha (voto-vista), Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Fonte:

Disponível na Jurisprudência do Dia 09 de Setembro de 2014, do IBDFAM

http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2708/Doação%20inoficiosa.%20Partilha.%20Prescrição