30 de November de 2020
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO JUDICIAL - EX-CÔNJUGE - AUSÊNCIA DE PARTILHA POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO - REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS - DIREITO À MEAÇÃO - BEM IMÓVEL OBJETO DE LEGADO NO TESTAMENTO - REDUÇÃO DA DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA - RECURSO PROVIDO.

1. Conforme disposto no art. 2.039 do Código Civil de 2002 c/c art. 262 do Código Civil de 1916, no regime de comunhão universal de bens comunicam-se os bens que cada cônjuge possuía quando do casamento, bem como os adquiridos na constância do matrimônio, ressalvadas as exceções do art. 263 do CC/16. 2. Não realizada a partilha dos bens de casal, casados sob o regime da comunhão universal, quando da realização do divórcio, devem ser salvaguardado o direito de meação da varoa sobre os bens que compunham o patrimônio comum, inclusive, sobre o bem que foi objeto de legado na sucessão testamentária, porquanto o bem legado não era de propriedade exclusiva do varão. 3. Recurso ao qual se dá provimento.


AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0140.16.000318-6/002 - COMARCA DE CARMO DA MATA - AGRAVANTE (S):

AGRAVADO (A)(S): 


A C Ó R D Ã O


Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.


DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO


RELATORA.






DESA. TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO (RELATORA)




V O T O


Conheço do recurso, presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.


Trata-se de "Agravo de Instrumento" interposto por (...) contra decisão de primeiro grau que, nos autos do inventário de bens deixado por (...), acolheu o pedido de adjudicação de bens imóveis, não observando o pleito de redução das disposições testamentárias requerido pela ora agravante em fls. 68/70.


Sustenta a agravante, em síntese, que "o presente agravo de instrumento é interposto em face de decisão que deferiu pedido formulado por um dos legatários, sendo inequívoca a oposição da meeira, ora agravante e que, também, rejeitou o pedido formulado pela Sra. (...) ora agravante, de redução das disposições testamentária do autor da herança,(...), de modo que seja respeitada e resguardada a sua meação".


Pugna pelo provimento do recurso, "de modo que seja obstada a transferência dos imóveis ao legatário (...) até que sejam reduzidas as disposições testamentárias e seja preservada a quota-parte que a ora agravante detém sobre os bens inventariados, haja vista sua incontroversa condição de meeira; Seja determinada a redução das disposições testamentárias do sr. (...), a fim de que seja respeitada a meação - e copropriedade - da ora agravante, haja vista que foi casada com o de cujus sob o regime da comunhão de bens durante o período de aquisição dos bens legados, sem que houvesse a partilha dos bens quando do divórcio do casal; Ato contínuo, requer seja determinada a correção das Primeiras Declarações para fazer constar, em cada bem, a meação da ora agravante, sob pena de os herdeiros deflagrarem enriquecimento sem causa em relação à primeira requerente".


Processo redistribuído por dependência, em virtude do julgamento do Agravo de Instrumento nº 1.0140.16.000318-6/001.


O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo, tendo em vista que não houve pedido de concessão de efeito suspensivo ou de antecipação de tutela recursal.


Contraminuta apresentada em óbvias infirmações.


Feito o necessário resumo do presente recurso, revelam os autos que (...) faleceu em 13 de fevereiro de 2016, sendo que o falecido era divorciado da ora agravante desde 30 de agosto de 1993, ocasião na qual não foi realizada a partilha dos bens do casal, cujo regime era o de comunhão universal.


Registra-se que o de cujus deixou testamento público, tendo legado parte de seus bens, dentre eles, a sede da Fazenda Palmeira, ao seu filho (...) e ao seu sobrinho (...)


Após a apresentação das primeiras declarações, a recorrente, (...), apresentou impugnação no que tange à meação dos bens adquiridos na constância de seu casamento e não partilhados, requerendo a redução das disposições testamentárias "tendo em vista que elas abarcam a totalidade do patrimônio do casal, pendente de partilha de bens".


Em que pese a manifestação da recorrente nos autos do inventário, verifica-se que o sobrinho do de cujus, (...) peticionou no feito requerendo a expedição de alvará para transferência do bem que lhe foi legado, na condição de concordância dos herdeiros.


A agravante manifestou nos autos concordando em parte com a pretensão do legatário (...), desde que fosse transferido a ela 50% (cinquenta por cento) do bem que estava sendo pleiteada a transferência.


O douto magistrado de primeiro grau deferiu o pedido de adjudicação do bem pleiteado pelo legatário, sob a condição de apresentação das certidões de quitação fiscal e do pagamento ou desoneração de ITCD, tendo a agravante oposto embargos de declaração, alegando omissão em razão da necessidade de redução da disposição testamentária para preservar sua meação, tendo os aclaratórios sido indeferidos pelo magistrado singular, o que motivou o presente agravo de instrumento.


Delimitada a controvérsia, afere-se dos autos que o falecido (...) e a ora agravante se casaram em 10/06/1966 sob o regime de comunhão universal de bens, previstos nos artigos 262 a 268 do Código Civil de 1916, aplicável à espécie por força do artigo 2.039 do Código Civil de 2002:


CC/2002


Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.


CC/16


Art. 262. O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as excepções dos artigos seguinte.


Art. 263. São excluídos da comunhão:


I. As pensões, meio-soldos, montepios, tenças e outras rendas semelhantes.


II. Os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os subrogados em seu logar.


III. Os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissario, antes de realizada a condição suspensiva.


IV. O dote prometido ou constituído a filho de outro leito.


V. o dote prometido ou constituído expressamente por um só dos cônjuges a filho comum.


VI. As obrigações provenientes de atos ilícitos (artigos 1.518 a 1.532).


VII. As dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com os seus aprestos, ou reverterem em proveito comum.


VIII. As doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro, com a cláusula de incomunicabilidade (art. 312).


IX. As roupas de uso pessoal, as jóias esponsalícias dadas antes do casamento pelo esposo, os livros e instrumentos de profissão e os retratos de família.


X. A fiança prestada pelo marido sem outorga da mulher (arts. 178, § 9º, nº I, b, e 235, nº III).


XI - Os bens da herança necessária, a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade (art. 1.723); (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 1962).


XII - Os bens reservados (art. 246, parágrafo único); (Incluído pela Lei nº 4.121, de 1962).


XIII - Os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos. (Incluído pela Lei nº 4.121, de 1962).


Art. 264. As dívidas não compreendidas nas duas excepções do nº VII, do artigo antecedente, só se poderão pagar durante o casamento, pelos bens que o cônjuge devedor trouxer para o casal.


Art. 265. A incomunicabilidade dos bens enumerados no art. 263 não se lhes estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.


Art. 266. Na constância da sociedade conjugal, a propriedade e posse dos bens é comum.


Parágrafo único. A mulher, porém, só os administrará por autorização do marido, ou nos casos do art. 248, nº V, e art. 251.


Art. 267. Dissolve-se a comunhão:


I. Pela morte de um dos cônjuges (art. 315, nº I).


II. Pela sentença que anula o casamento (art. 222).


III - pela separação judicial; (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977).


IV - pelo divórcio. (Incluído pela Lei nº 6.515, de 1977).


Art. 268. Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e passivo, cessará à responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro por dívidas que este houver contraído.


Logo, adotado o regime da comunhão universal de bens, nos termos do citado artigo 262 do Código Civil de 1916, deve a partilha se realizar sobre a totalidade dos bens que compõem o patrimônio do casal, ensinando MARIA HELENA DINIZ:


Os nubentes poderão, por meio do pacto antenupcial, estipular que o regime matrimonial de bens será o da comunhão universal, pelo qual todos os seus bens (móveis ou imóveis) presentes e futuros e suas dívidas passivas, adquiridos antes ou depois do matrimônio, tornam-se comuns, constituindo uma só massa, instaurando-se um estado de indivisão, passando a ter cada consorte o direito à metade ideal do patrimônio comuns e das dividas comuns (...) (Código Civil Anotado, 7ª ed., Saraiva, 2001, pág. 271)


Assim, a partilha deve obedecer a integralidade do patrimônio dos cônjuges, ressalvados os bens excluídos da comunhão, na forma do artigo 263 do CC/1916, sob pena de se lesar não somente o outro cônjuge, mas toda a entidade familiar.


Nesse passo, é patente o direito de meação da agravante, eis que não foi realizada a partilha dos bens do casal quando do divórcio ou enquanto o falecido (...) ainda estava vivo, permanecendo os bens do ex-casal, portanto, em estado de mancomunhão.


Logo, os bens deixados pelo falecido, objeto do presente inventário, devem observar o direito de meação da ora agravante, que registro, foi objeto de acordo celebrado entre os herdeiros do falecido e a ora recorrente no dia 19 de junho de 2019, com reconhecimento dos filhos do falecido sobre a condição de meeira da agravante (...) (documento de ordem nº 16 dos autos).


Quanto ao bem que foi legado no testamento, objeto da presente controvérsia, leciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES:


Se a coisa legada for comum, pertencendo somente em parte ao testador, só em parte valerá o legado, porque, no restante, ela será alheia, e é ineficaz o legado de coisa certa que não pertença ao devedor. Assim preceitua o art. 1.914 do Código Civil:


"Se tão somente em parte a coisa legada pertencer ao testador, ou, no caso do artigo antecedente, ao herdeiro ou ao legatário, só quanto a esta parte valerá o legado."


Permanece presente a regra geral em matéria de legados: a parte da coisa que não pertence ao testador, nem ao legatário, será de coisa alheia, e, pois, o legado é inválido. O mesmo ocorre na hipótese do artigo anterior: se o testador ordena ao herdeiro, ou legatário, que entregue a outrem coisa que só em parte lhe pertence, apenas quanto a essa parte recairá a obrigação.


(...)


Somente terá eficácia o legado de coisa certa feito pelo cônjuge casado sob o regime da comunhão universal de bens se não vier a ser atribuído ao cônjuge sobrevivente, a seu pedido, na partilha. Caso contrário, terá incidido sobre coisa alheia. (Direito Civil Brasileiro - Direito das Sucessões. Ed Saraiva. 2011. Págs.365/366).




E no tocante à redução de disposição testamentária, CARLOS ROBERTO GONÇALVES ensina, uma vez mais, que "para assegurar a intangibilidade da legítima, impedindo que a quota disponível deixada a terceiros ultrapasse o limite de 50%, a lei confere aos interessados o direito de redução das disposições testamentárias (CC, arts. 1.966 a 1.968), pelo qual se cerceiam as liberdades excessivas, efetuadas pelo testador em detrimento da legítima, restringindo-se aos limites legais, às suas justas proporções". (Direito Civil Brasileiro - Direito das Sucessões. Ed Saraiva. 2011. Pág.437).


Disto isto, impõe-se consignar que a Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais avaliou os bens deixados por (...) no importe de R$ 9.267.610,99 (nove milhões, duzentos e sessenta e sete mil seiscentos e dez reais e noventa e nove centavos), conforme a Declaração de Bens e Direitos Causa Mortis - ITCD, estando dentre deles um bem imóvel em específico que foi objeto de legado no testamento, qual seja, a sede da Fazenda Palmeira, que constitui apenas 2,04% da totalidade da Fazenda Palmeira, alegando a parte agravada que a redução das disposições testamentárias para a preservação da meação seria medida desnecessária, eis que "2,04% de um dos imóveis se encontra, por óbvio, na quota disponível para testar, conforme determinação do art. 1.846, do Código Civil. E mais, a manutenção da decisão a quo se justifica na medida em que além de constituir quota disponível do testador e não haver questionamentos dos herdeiros quanto à manifestação de última vontade".


Nesse contexto, no que diz respeito ao pedido da agravante de obstar a transferência do imóvel ao legatário (...) até que sejam reduzidas as disposições testamentárias, entendo que o provimento do recurso é de rigor, pois não se pode afastar o direito de partilha da recorrente que é preexistente ao falecimento do testador, devendo ser salvaguardado o seu direito de meação sobre o bem que foi objeto de legado no testamento, na medida em que a sede da Fazenda Palmeira não era de propriedade exclusiva do testador, mas ao contrário, trata-se de bem comum do ex-casal (metade do testador e metade da ora agravante), sendo certo que o imóvel pertencia apenas em parte ao falecido Fernando Diniz Olivé, o que torna ineficaz o legado na parte pertencente a meeira/agravante.


Mediante tais considerações, dou provimento ao presente recurso para obstar a transferência do imóvel (50% da sede da Fazenda Palmeira) ao legatário Euler Marques até que seja procedida a redução das disposições testamentárias, em observância a condição de meeira da ora agravante.


Custas ex lege.


DES. ALEXANDRE SANTIAGO - De acordo com o (a) Relator (a).


DES. CARLOS ROBERTO DE FARIA - De acordo com o (a) Relator (a).




SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"