02 de September de 2014
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PARTILHA. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. CASAMENTO. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL. VEDAÇÃO À PARTILHA DE BENS PRESENTES E POSTERIORES AO CASAMENTO. PARTILHAMENTO INADMISSÍVEL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O cerceamento de defesa ocorre quando a parte tem o legítimo interesse em produzir um ato ou uma prova e fica impedida pelo órgão judicial. A desnecessidade de outras provas além das já produzidas ou o não cabimento em razão do procedimento, demonstra estar ausente o suposto cerceamento.

2. Celebrado o casamento sob regime de separação de bens, mediante pacto antenupcial do qual que não se comunicariam os bens passados, presentes ou futuros de propriedade exclusiva, tampouco os aquestos, deve a disposição ser respeitada.

3. Assim, resta inviabilizada a partilha de imóvel adquirido na constância do casamento e cessado este com a separação e divórcio do casal.

4. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que deixou de acolher a preliminar, rejeitada uma preliminar.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.171478-8/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE (S): M.L.M.J. - APELADO (A)(S): L.F.C.P.

A C Ó R D Ã O

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento à apelação, rejeitada uma preliminar.

DES. CAETANO LEVI LOPES

RELATOR.

DES. CAETANO LEVI LOPES (RELATOR)

V O T O

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

O apelante aforou esta ação de partilha contra a apelada. Afirmou ter casado com ela em 05.10.2007, sob o regime de separação de bens, nos termos do pacto antenupcial celebrado por escritura pública em 12.09.07. Informou que, na ocasião da separação judicial, ocorrida em 20.05.2010, e do divórcio do casal em 29.03.2011, não transigiram quanto à partilha dos bens. Asseverou que a apelada adquiriu o apartamento situado na Rua Poços de Caldas, nº 57, Bairro Santa Inês, Belo Horizonte, em 05.12.2007, conforme escritura pública, ou seja, na constância do casamento. Acrescentou ter contribuído para a aquisição do imóvel com R$10.000,00, a título de sinal, e R$40.000,00 para quitação de nota promissória assinada pela apelada e vencida em 30.10.2007, ao utilizar recursos financeiros provenientes da venda de bens particulares. Afirmou que, independente do que foi estabelecido no pacto antenupcial e do regime de separação de bens, contribuiu para a aquisição do imóvel e a compra ocorreu na constância do casamento e entende ter direito à metade do referido bem. A recorrida negou existir o direito pretendido diante do que constou do pacto antenupcial. Pela r. sentença de ff. 202/204 - TJ, a pretensão inicial foi rejeitada.

Preliminar

O apelante afirmou que o processo é nulo porque teria ocorrido cerceamento de defesa. Asseverou ter ratificado as provas requeridas na petição inicial, mas, mesmo assim, foi lavrada a sentença.

É de geral ciência que o cerceamento de defesa ocorre quando a parte tem o legítimo interesse em produzir um ato ou uma prova e fica impedida pelo órgão judicial. A respeito ensina Moacyr Amaral Santos em Prova judiciária no cível e no comercial, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1983, vol. I, p. 288:

Na execução das provas, a interferência das partes é regulada, conforme o sistema processual adotado. Mas, em regra, em qualquer sistema, não se deve obrigar nem se deve impedir a participação dos litigantes.

(...) Mesmo no sistema fundado no princípio dispositivo, a prova, visando, como visa, à descoberta da verdade, é executada, conquanto com a interferência prevalecente dos litigantes, em presença e com a ingerência do juiz. (...) Contudo, nesse sistema, não só a função de fiscalizar a atuação das partes, de solucionador das dúvidas e incidentes surgidos no curso da produção da prova, mas também com o fito de procurar a descoberta da verdade, o juiz participa diretamente, embora subsidiária ou supletivamente, no momento da execução.

Por outro norte, nosso ordenamento jurídico processual civil, atento à finalidade do processo, adota o princípio da instrumentalidade das formas e atos processuais. A verdade é que o processo é meio e não fim em si mesmo. Assim, sem demonstração de prejuízo para o demandante, não se invalida o feito ou parte dele. Eis, a propósito, o entendimento de Humberto Theodoro Júnior, em Curso de direito processual civil, 54. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, vol. I, p. 326:

O princípio que inspirou o Código, nesse passo, foi o que a doutrina chama de princípio da instrumentalidade das formas e dos atos processuais, segundo o qual o ato só se considera nulo e sem efeito, se, além da inobservância da forma legal, não tiver alcançado a sua finalidade.

Assim, dispõe o art. 244 que 'quando a prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade'.

Mas, em qualquer caso, mesmo quando haja expressa cominação de nulidade para a inobservância de forma, o juiz não decretará a nulidade nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta: a) se não houve prejuízo para a parte (art. 249, § 1º); b) quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveita a declaração de nulidade.

Isto quer dizer que o ato mesmo absolutamente nulo não prejudicará a validade da relação processual como um todo. Daí poder-se afirmar que, pelo princípio da instrumentalidade dos atos processuais, como regra geral predominam as nulidades relativas no processo.

Mas apenas, anuláveis são os atos, por exemplo, praticados com violação da competência absoluta, entre juízes do mesmo grau de jurisdição (art. 485, nº III).

Ora, a matéria objeto da lide é somente de direito, o que torna desnecessária qualquer outra prova além da documental.

Logo, a preliminar é mesmo impertinente. Rejeito-a.

Mérito.

No mérito, cumpre perquirir se o imóvel em questão deve ser partilhado.

O exame da prova revela o que passa a ser anotado.

O recorrente juntou, com a petição inicial, os documentos de ff. 9/53 - TJ. Destaco a certidão de casamento de f. 11, o pacto antenupcial de ff. 12/13 - TJ, a sentença que converteu a separação em divórcio (f. 14 - TJ) e a certidão de registro imobiliário do imóvel pretendido (ff. 15/16 - TJ).

A apelada carreou, com a contestação, os documentos de ff. 75/149 - TJ. Merecem atenção a cópia do processo de separação litigiosa (ff. 75/149 - TJ); do termo de audiência em que houve acordo relativo à separação do casal e partilha de bens (f. 133 - TJ); das declarações de imposto de renda da recorrida e do apelante relativas aos exercícios de 2008 à 2011 e 2008 à 2009, respectivamente (ff. 151/174 - TJ e 175/192 - TJ). Estes os fatos.

Em relação ao direito, sabe-se que, no regime da separação de bens, mantem-se a propriedade exclusiva pelos cônjuges de todos os bens. Assim, salvo disposição em contrário em pacto antenupcial, não se comunicam os bens adquiridos antes ou na constância do casamento. Neste sentido, a lição de Arnaldo Rizzardo na obra Direito de Família, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 590:

Constitui este um regime convencional de bens, pouco adotado, mas de igual importância que os demais. Por meio dele, os cônjuges conservam exclusivamente para si os bens que possuíam quando do casamento e aqueles que adquirem ou vão adquirir na constância do mesmo. Há a completa separação do patrimônio dos cônjuges, nada tornando-se comum, inclusive aquilo que advém do esforço conjunto. Cada consorte é proprietário do capital ativo e passivo existente antes de se casar e daquele formado posteriormente, competindo a cada um a posse e a administração, no que se coaduna com a definição de Silvio Rodrigues: "Regime de separação é aquele em que os cônjuges conservam não apenas o domínio e a administração de seus bens presentes e futuros, como também a responsabilidade pelas dívidas anteriores e posteriores ao casamento". (...)

Dessume-se, pois, que cada cônjuge conserva a propriedade de seus bens, formando-se dois patrimônios.

Os cônjuges devem adotar o regime através de pacto antenupcial, exceto nos casos em que é obrigatório em virtude de lei. (...)

As benfeitorias, acessões e melhoramentos, que por ventura venham a se realizar nos bens de cada cônjuge, integram o respectivo patrimônio. Se há participação nas edificações levadas a efeito pelo cônjuge não proprietário, o máximo que lhe assiste é pleitear a correspondente indenização.

Invocou, o recorrente, a Súmula nº 377 do egrégio Supremo Tribunal Federal, que admite a comunicação dos aquestos, ou seja, dos bens adquiridos na constância do casamento no regime de separação legal de bens:

No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Anoto, de início, que a Súmula nº 377 do egrégio Supremo Tribunal Federal admite a partilha dos bens adquiridos na constância do casamento, por esforço comum, no regime da separação legal ou obrigatória, e não na convencional.

Feito o reparo, observo que o apelante e a apelada contraíram casamento em 05.10.2007, sob o regime de separação de bens, por meio do pacto antenupcial, em que foi convencionado que "...não se comungam nenhum dos bens passados, presentes ou futuros de propriedade exclusiva, nem os aquestos..." (ff. 12/13 - TJ).

Ora, por expressa disposição de vontade, as partes excluíram a possibilidade de eventual futura comunhão. Logo, é mesmo inadmissível a pretendida partilha do imóvel, o que torna inacolhível a irresignação.

Observo, en passant, que, se houve contribuição para a aquisição do imóvel, deve o respectivo ressarcimento ser demandado em ação pertinente.

Com estes fundamentos, nego provimento à apelação.

Custas, pelo apelante, observado o disposto na Lei nº 1.060, de 1950.

DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA (REVISORA) - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. AFRÂNIO VILELA - De acordo com o (a) Relator (a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, REJEITADA UMA PRELIMINAR."

Fonte:

Disponível na Jurisprudência do Dia 29 de Agosto de 2014, do IBDFAM, e no site da mesma entidade

http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2686/Partilha.%20Regime%20de%20bens.%20Pacto%20antenupcial