29 de August de 2014
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INTERDIÇÃO. "CURATELA-MANDATO" (ART. 1.780, CCB/2002). POSSIBILIDADE. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. I

Seja à luz dos princípios da instrumentalidade das formas, da economia, da celeridade processual e, ainda, da inafastabilidade da jurisdição, seja por estar implícito no pedido de total interdição o da parcial interdição ("curatela-mandato") ou seja sob os auspícios da equidade prevista no art. 1.109 do CPC, possível o deferimento da interdição parcial quando pedida a total. II - Restando comprovado que a interditanda possui capacidade para os atos da vida civil, porém sem condições físicas para gerir seus interesses, não é razoável negar-lhe, sobretudo quando por ela expressamente desejado, o suporte ou auxílio de um curador, o que possível de ser feito sem sua completa interdição, como autoriza o art. 1.780 do CCB/2002. III - Para o fiel exercício da "curatela-mandato", basta a atribuição de poderes para a mera administração dos negócios e bens da curatelada, sem autorização para a transferência ou renúncia de direitos, o que continuará dependendo da expressa manifestação de vontade da curatelada.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.09.639511-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE: EDI ARAÚJO OLIVEIRA CURADORA ESPECIAL RENATA ARAÚJO OLIVEIRA MEDEIROS - INTERESSADO: CLEYTON OLÍMPIO SILVA

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PARCIAL PROVIMENTO.

DES. PEIXOTO HENRIQUES

RELATOR.

DES. PEIXOTO HENRIQUES (RELATOR)

V O T O

Edi Araújo Oliveira interpõe apelação (fls. 103/108) contra sentença (fls. 98/102) que julgou improcedente o "pedido de interdição e curatela" de sua filha Renata Araújo Oliveira Medeiros, deflagrado por Cleyton Olímpio Silva, companheiro da interditanda, sem a estipulação de ônus sucumbenciais. Em síntese, sustenta a apelante: que busca com espírito protetivo a interdição da filha, a qual concordou com a medida; que as razões para interdição são abundantes e constam de dois relatórios médicos acostados à inicial, da inspeção judicial "in loco", do laudo psiquiátrico forense, do relatório do estudo social e do parecer ministerial; que embora "tenha havido sensível melhora no quadro clínico e psicológico da interditanda desde a data da inspeção judicial, o que foi constatado nos autos, é notória a gravidade do AVC sofrido - e igualmente das cirurgias que se seguiram - afigurando-se razoável supor a permanência das sequelas e a consequente dependência para os atos mais básicos da rotina"; que em tudo a interditanda precisará não só orientada, mas representada por alguém, ante a sua evidente e comprovada incapacidade; e, ainda, que "a aparente lucidez não afasta aquela demonstrada dependência, mesmo porque acompanhada de profunda depressão".

Requer a reforma da sentença para que seja determinada a interdição da filha, com sua nomeação para o exercício da curatela.

Preparo recursal desnecessário (v. fl. 25v).

A d. PGJ/MG opina pelo desprovimento (fls. 117/121).

Reverenciando o breve, dou por relatado.

Tenho por admissível e em parte procedente o apelo.

Segundo o art. 1.767 do CCB, estão sujeitos à curatela:

"I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V - os pródigos."

Pretende a apelante a interdição de sua filha para facilitar o exercício dos seus direitos, comprometidos em decorrência de seu acometimento por acidente vascular cerebral e, ainda, das cirurgias que, conforme estudo social, a deixaram com sequelas do lado esquerdo, nos membros inferiores e superiores, necessitando do uso de fraldas e vários medicamentos, utilização de cama hospitalar e colchão especial, além da perda da visão do olho direito e comprometimento do esquerdo (fl. 87).

O d. magistrado primevo julgou improcedente o pedido, por entender taxativas as hipóteses do art. 1.767 do CCB; porém, ressaltando cabível a utilização do procedimento com fundamento no art. 1.780 do mesmo dispositivo legal, que assim dispõe:

"Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens."

À luz desse preceito, ensinam os doutos:

"Este dispositivo estabelece a possibilidade de outras pessoas, além das relacionadas nos arts. 1.767 e 1.779, serem submetidas à curatela, sem que, contudo, haja processo de interdição: o enfermo e o portador de deficiência física. O legislador autorizou ser concedido curador a essas pessoas, que estão no pleno gozo de suas faculdades mentais, quando estiverem impedidas de locomoção e desempenho de suas atividades.

A permissão legal inovadora é salutar e de grande interesse e aplicação prática. O próprio enfermo e o portador de deficiência física - e, na sua impossibilidade, de ambas as pessoas relacionadas no art. 1.768 - podem solicitar nomeação de curador para cuidar de todos os seus negócios ou bens ou de alguns deles. A escolha do curador competirá ao requerente, e, caso não seja feita, observará o disposto no art. 1.775." (Milton Paulo de Carvalho Filho, Código Civil Comentado - Doutrina e Jurisprudência, Coord. Min. Cezar Peluso, 5ª ed., Manole, p. 2150)

"O atual Código introduz nova modalidade de curatela destinada ao enfermo ou portador de deficiência física, a fim de que o curador cuide de todos ou de alguns de seus negócios (art. 1.780). O próprio enfermo ou deficiente pode requerer essa curatela ou, se não puder fazê-lo, terão legitimidade as pessoas descritas no art. 1.768 (pais ou tutores; cônjuge ou qualquer parente ou o Ministério Público). (...)

Essa curatela de menor extensão somente ganhará utilidade quando não for conveniente ao agente nomear procurador para determinados atos. Como a responsabilidade do curador é mais rigorosa do que a do mandatário, aquele que, por exemplo, não pode transitoriamente se locomover para cuidar da administração de um negócio; aquele que é submetido a um longo tratamento hospitalar; aquele cuja enfermidade não tolhe as faculdade mentais, mas torna sofrida a vida negocial, poderá nomear curador para tratar de toda a sua vida civil ou de apenas alguns de seus negócios ou bens." (Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil - Direito de Família, 6ª ed., Atlas, p. 481/482)

Pois bem...

Pelas provas carreadas aos autos, fácil e inevitável concluir que a filha da apelante, apesar de inicialmente ter ficado debilitada a ponto de não exprimir sua vontade (como na inspeção judicial "in loco", realizada aos 27/7/2009 - v. fl. 32), obteve melhora considerável em seu quadro, tanto que, já aos 23/3/2010, o d. Perito do Juízo, em seu "Laudo Psiquiátrico Forense" (fls. 51/54), assim concluiu:

"Pericianda, no momento, capaz para os atos da vida civil, embora incapaz de exercê-los plenamente, devido a incapacidade física permanente motivada por doença." (fl. 54)

Antes, vale gizar, consignou o mesmo "Expert":

"III - Impressão Médica Forense

1. Pericianda, no momento, hígida mentalmente.

2. Sequelas de acidente vascular cerebral não especificado como hemorrágico ou isquêmico - CID 10:I169.4 IV - Comentários Médico-Forenses

A pericianda, de acordo com o exame realizado e as informações obtidas, apresenta um quadro objetivo compatível com o diagnóstico formulado. Nessas condições de evidente impossibilidade de deambulação, embora, no momento, com plena compreensão dos fatos da vida, a pericianda necessita tratamento e orientação permanente de terceiros para a vida cotidiana."(fls. 53/54)

A seu turno, a d. Assistente Social, em seu"Relatório de Estudo Social" (fls. 86/88), também aponta a capacidade da filha da apelante para exercer os atos da vida civil, apesar das sequelas do AVC; confira-se:

"Durante o contato com a Srª. Renata, observou-se que ela ficou com seqüelas do lado esquerdo, nos membros inferiores e superiores, necessita usar fraldas e vários medicamentos, bem como utiliza cama hospitalar e colchão especial. Na ocasião informou que também perdeu a visão do olho direito e que o esquerdo ficou comprometido.

(...)

(...) A sra. Renata respondeu a todas as perguntas que lhe foram dirigidas, demonstrou compreensão acerca da presente ação e manifestou concordar que a mãe seja sua curadora." (fls. 87/88)

"In casu", sobreleva enfatizar, tem-se que a própria interditanda manifesta sua expressa aquiescência ao nestes autos reclamado por sua genitora.

Neste contexto, dúvida não há, o caso em comento se enquadra perfeitamente na hipótese do art. 1.780 do CPC - o que, necessário dizer, admitido pelo próprio julgador "a quo".

Assim, tendo em vista os princípios da instrumentalidade das formas, da economia, da celeridade processual e, ainda, da inafastabilidade da jurisdição, entendo não haver óbice à concessão, já nestes autos, da chamada "curatela-mandato". Até porque, vale lembrar, quem pede o mais obviamente pede o menos. Logo, tendo sido requerida a total interdição, impossível negar implícito neste pedido o da parcial interdição ("curatela-mandato").

De qualquer forma, em sendo a interdição (total ou parcial) pretensão que se submete ao rito dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, impõe-se observar a equidade em sua resolução.

É o que autoriza nosso CPC; confira-se:

"Art. 1.109. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna."

Venhamos e convenhamos, restando comprovado que a interditanda possui capacidade para os atos da vida civil, porém sem condições físicas para gerir seus interesses, não é razoável negar-lhe, sobretudo quando por ela expressamente desejado, o suporte ou auxílio de um curador, o que possível de ser feito sem sua completa interdição, como autoriza o art. 1.780 do CCB/2002.

Noutros termos, não possuindo a interditanda plenas condições físicas para administrar seus negócios e interesses, mas consciente de seus atos e concordando que seja a mãe sua curadora, impõe-se o acolhimento parcial do pedido de interdição total, isto para deferir a interdição de menor extensão, curatela parcial ou"curatela-mandato"prevista no art. 1.780 do CCB/2002.

Reputo aplicável aqui o seguinte aresto deste eg. TJMG:

"INTERDIÇÃO. DEFICIÊNCIA AUDITIVA E VISUAL. INCAPACIDADE PARA EXERCER PESSOALMENTE OS ATOS DA VIDA CIVIL. AUSÊNCIA DE PROVA. CURATELA-MANDATO. ART. 1.780, CÓDIGO CIVIL. I - A interdição é medida extrema, no sentido de retirar da pessoa qualidade de civilmente capaz com que dotada a personalidade jurídica a partir do nascimento, pelo que não se pode arbitrá-la a mero debilitado ou deficiente físico, em gôzo das faculdades mentais, sob pena de se privar da gestão da própria existência e da prática dos atos da vida civil aquele que detém, inobstante a restrição física, aptidão para auto-gestão. II - A nomeação de curadoria especial, nos termos do art. 1.780 do Código Civil, traduz""transferência de poderes"", semelhante a mandato, sem alicerçar declaração ou imposição de incapacidade civil absoluta, pelo que adequada à situação de""déficit"' de auto-gestão, de que padece o deficiente físico-visual."(AC n.º 1.0470.06.033041-7/001, 8ª CCív/TJMG, rel. Des. Fernando Botelho, DJ 12/8/2008)

Quanto aos limites dessa"curatela-mandato", retorno à lição do Magistrado e Professor paulista Milton Paulo de Carvalho Filho para dali extrair elucidativo e pertinente aresto:

"Interdição. Interditando acometido de derrame cerebral, sem possibilidade de locomoção. Laudo pericial que apontou sua incapacidade para o trabalho, mas não para os atos da vida civil. Cabimento, na hipótese, da curatela em menor extensão, prevista no art. 1.780 do CC. Nomeação de curadora com poderes para representar o deficiente físico nos atos da vida civil que não importem em transferência ou renúncia dos direitos, sujeita à oportuna prestação de contas. Recurso parcialmente provido para esse fim. (TJSP, Ap. cível n. 321.805-4/0-00. rel. Des. Elliot Akel, j. 14.06.2005. In: CHALI, Francisco José. Família e sucessões no CC de 2002. São Paulo, RT, 2005, v. II)."(ob. cit., p. 2.151 - negritei)

Em assim sendo, tem-se que, para o fiel exercício da"curatela-mandato", basta a atribuição de poderes para a mera administração dos negócios e bens da curatelada, sem autorização para a transferência ou renúncia de direitos, o que continuará dependendo da expressa manifestação de vontade da curatelada.

Isto posto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, o que faço para, com base no art. 1.780 do CBB/2002, julgar parcialmente procedente este"pedido de interdição", em razão do que decreto a PARCIAL INTERDIÇÃO de Renata Araújo Oliveira Medeiros, nomeando-lhe a mãe, Edi Araújo Oliveira, para o exercício da"curatela-mandato", com poderes para a administração dos negócios e bens da curatelada, exceto, contudo, para a transferência ou renúncia de direitos, quando necessária a expressa manifestação de vontade da curatelada.

Sem custas recursais (LE n.º 14.939/2003).

É como voto.

DES. OLIVEIRA FIRMO (REVISOR) - De acordo com o Relator.

DES. WASHINGTON FERREIRA - De acordo com o Relator.

SÚMULA:"DERAM PARCIAL PROVIMENTO."

Fonte:

Disponível na Jurisprudência do IBDFAM do Dia 28 de Agosto de 2014, e no site da mesma entidade

http://www.ibdfam.org.br/jurisprudencia/2683/Curatela-mandato.%20Interdi%C3%A7%C3%A3o.%20Possibilidade