Em decisão unânime, a Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão de segunda
instância que – com base no costume e no princípio da boa-fé, mas em desacordo
com previsão legislativa expressa – havia isentado o titular da conta bancária
de pagar por cheque que emprestou a terceiro.
Para os ministros, na ausência de
lacuna, não cabe ao julgador se valer de um costume para afastar a aplicação da
lei, sob pena de ofensa ao artigo 4º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro – embora ele possa servir de parâmetro
interpretativo quanto ao sentido e alcance do texto normativo.
No caso analisado, um cheque foi
emitido pelo correntista e entregue como garantia de dívida de responsabilidade
de outra pessoa. Por falta de pagamento do débito, o credor executou o cheque.
O Tribunal de Justiça de Mato
Grosso do Sul (TJMS) entendeu que, diante do costume de emprestar folhas de
cheque a amigos e familiares, e em homenagem à boa-fé, quem deve responder pelo
pagamento do valor do cheque é a pessoa que teve a dívida garantida por ele,
porque foi quem efetivamente assumiu a obrigação perante o credor.
Ao apresentar recurso no STJ, o
credor pediu a reforma do acórdão alegando que o TJMS, embora tenha reconhecido
a existência da norma legal expressa que regula a matéria, valeu-se do costume
e do princípio da boa-fé objetiva para afastar a sua incidência.
Dever de garantia
A relatora, ministra Nancy
Andrighi, afirmou que a flexibilização das normas de regência, à luz do
princípio da boa-fé objetiva, não exclui o dever de garantia do emitente do
cheque, previsto no artigo 15 da Lei 7.357/1985, “sob
pena de se comprometer a segurança na tutela do crédito, pilar fundamental das
relações jurídicas desse jaez”.
Segundo a ministra, enquanto
títulos de crédito, os cheques são regidos, entre outros, pelos princípios da
literalidade e da abstração. “Sob essa ótica, a incidência do princípio da
literalidade pode ser temperada pelo princípio da boa-fé objetiva, que deve
permear todas as relações intersubjetivas, desde que, porém, não se viole a
sistemática – atributos e princípios – inerente aos títulos de crédito”,
explicou.
Dever legal
A ministra destacou ainda que o
argumento do titular da conta bancária, de que a origem da dívida não foi
demonstrada nos autos, não deve ser considerado, pois a jurisprudência do STJ,
a partir do REsp 1.094.571 – julgado na Segunda
Seção, em 2013, pela sistemática dos recursos repetitivos –, firmou a tese de que,
“em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é
dispensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula” (Tema 564).
Para a ministra, “a despeito da
nobre intenção do recorrido”, ele deve ser condenado ao pagamento da quantia
inscrita no cheque por ele emitido. Nancy Andrighi afirmou, no entanto, que cabe
posterior ação de regresso do correntista contra o devedor para reaver o valor
que eventualmente tenha de gastar.
Leia o acórdão.
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