03 de February de 2015
Impenhorabilidade do bem de família. Imóvel em nome de pessoa jurídica

Relator: Israel Góes dos Anjos

Tema(s): Impenhorabilidade do bem de família Imóvel em nome de pessoa jurídica

Tribunal TJSP

Data: 02/02/2015

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

37ª Câmara de Direito Privado

Registro: 2014.0000726618

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1007380-59.2014.8.26.0554, da Comarca de Santo André, em que é apelante JOSÉ RIBEIRO, é apelado KOPLENO PRODUTOS DE LIMPEZA LTDA.

ACORDAM , em 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ TARCISO BERALDO (Presidente sem voto), PEDRO KODAMA E JOÃO PAZINE NETO.

VOTO Nº 14.605.

APELAÇÃO Nº 1007380-59.2014.8.26.0554 SANTO ANDRÉ.

APELANTE: JOSÉ RIBEIRO.

APELADA: KOPLENO PRODUTOS DE LIMPEZA LTDA.

EMBARGOS DE TERCEIRO IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. Alegação de que o imóvel constitui bem de família. Imóvel em nome da pessoa jurídica. ADMISSIBILIDADE: Os documentos dos autos mostram que a constrição judicial recaiu sobre imóvel onde reside sócio da pessoa jurídica executada. Caracterização do bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/90. É entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça a possibilidade da proteção do bem de família, no caso de sócio que reside em imóvel registrado em nome da pessoa jurídica. Sentença reformada.

RECURSO PROVIDO.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 120/121, cujo relatório se adota, que julgou procedentes os embargos de terceiro opostos por José Ribeiro para acolher o pedido subsidiário, determinando a exclusão da penhora incidente sobre meação do embargante em relação ao imóvel objeto da matrícula nº 10.647 de Vinhedo, mantida a penhora sobre a meação da executada Marisa Bortoletto Ribeiro. Condenou a embargada ao pagamento de custas, despesas processuais e de honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da causa.

A embargada apresentou embargos de declaração (fls. 125/128), que foram rejeitados (fls. 130). O embargante apela e sustenta que trouxe provas documentais que comprovam que a propriedade do imóvel constrito pertence exclusivamente a ele. Afirma que a escritura pública de divórcio comprova que o imóvel foi recebido como pagamento de sua meação dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal. Alega que a empresa ROPE e os bens que a ela pertenciam couberam ao apelante na partilha e que a transmissão do imóvel deu-se como sendo de propriedade da empresa, de forma indireta. Ressalta que a validade do registro anterior à prenotação fica totalmente anulada e sem efeito pelo arrolamento e destinação exclusiva do imóvel em favor do apelante. Esclarece que, quando foi realizado o divórcio, não havia processo de execução contra a ex-cônjuge e que o imóvel constrito constitui bem de família.

A empresa embargada apresentou contrarrazões ao recurso do embargante (fls. 152/177).

É o relatório.

O recurso merece prosperar.

Trata-se de embargos de terceiro oposto por José Ribeiro contra Kopleno Produtos de Limpeza Ltda., afirmando que o imóvel lhe pertence exclusivamente e que a inclusão da ex cônjuge no polo passivo do processo de execução ocorreu quase 10 meses após o divórcio do casal. Sustenta a condição de bem de família, sob o fundamento de que é o único imóvel utilizado pelo embargante para moradia permanente. Pede a desconstituição da constrição e subsidiariamente a proteção da sua meação (fls. 01/17).

Inicialmente, deve ser observado que a constrição ocorreu nos autos do processo de execução movido pela embargada contra Terra Azul Alimentação Coletiva e Serviços Ltda. (fls. 20/24).

No curso do processo, foi determinada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada, com a finalidade de atingir os bens de Marisa Bortoletto Ribeiro, ex-cônjuge do embargante, e Bona Alimentos (fls. 37/38). Houve também desconsideração inversa da personalidade jurídica da executada Marisa para incluir no polo passivo a empresa Rope Administração e Participações Ltda. (fls. 39).

O auto de arresto do imóvel foi juntado a fls. 25.

Ao contrário do que alega o apelante, verifica-se que o imóvel é de propriedade da pessoa jurídica Rope Administração e Participações Ltda.

Da análise da matrícula nº 10.647 do Oficial de Registro de Imóveis de Vinhedo, verifica-se que os proprietários anteriores (José Ribeiro, ora apelante, e Marisa Bortoletto Ribeiro, sua ex-cônjuge) incorporaram o imóvel ao patrimônio da pessoa jurídica (fls. 41 e 99).

Ainda que noticiada dissolução da empresa em tela (fls. 100/101), é fato incontroverso que o registro imobiliário ainda permanece em seu nome.

Sendo assim, não há como ser reconhecido o domínio do embargante sobre o imóvel.

Entretanto, superada a alegação de domínio, cabe dizer que é possível a tutela do bem de família pelo sócio que estabelece residência em imóvel da pessoa jurídica.

In casu, o embargante opôs estes embargos de terceiros após ter conhecimento da constrição sobre o imóvel em que estabeleceu sua residência.

Pela análise dos documentos de fls. 43/78, verifica-se a existência de diversas faturas de água e luz em nome do embargante, apólice de seguro residencial, orçamento para iluminação externa do jardim e para serviços de dedetização em relação ao imóvel em nome do embargante. Esses documentos servem para demonstrar o estabelecimento da moradia permanente do embargante no imóvel e que a ocupação é anterior inclusive ao ajuizamento.

Diante da existência de unidade familiar no imóvel, resta caracterizado o bem de família. Essa proteção é possível em razão da interpretação dada ao disposto no art. 1º da Lei nº 8.009/90, que trata do bem de família legal:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.” (grifos nossos).

O objetivo principal da Lei nº 8.009/90 é a proteção da residência da entidade familiar, que também inclui a hipótese do sócio que institui sua residência em imóvel registrado no nome da pessoa jurídica.

É o que se observa do seguinte precedente:

“Com efeito, a expressão "bem de família" não abrange apenas o imóvel de propriedade da entidade familiar, mas também engloba o imóvel que, apesar de fazer parte do patrimônio da empresa executada, a qual os embargantes são sócios, serve há muitos anos de moradia à família dos sócios.

[...]

Por certo, numa interpretação literal do preceito legal acima transcrito, poder-se-ia chegar à conclusão de que a qualidade de proprietário seria imprescindível à caracterização do bem de família. Isso porque o próprio comando normativo em referência faz uso de expressões como "imóvel residencial próprio do casal ou de entidade familiar" e "sejam seus proprietários".

Esta, contudo, não se mostra a melhor interpretação, pois a Lei nº 8.09, de 29 de março de 190, visou conferir especial proteção à moradia da família direito assegurado pela Constituição Federal de 198 (artigo 6.º) -, revelando-se menos importante o modo como se dá a ocupação do bem imóvel, se a título de propriedade - com o imóvel registrado em nome de um dos integrantes da entidade familiar - ou de posse” (Apelação nº 0006545-64.2008.8.26.0048, Rel. Mário de Oliveira, 19ª Câmara de Direito Privado, j. em 17.12.2012).

Consta dos comentários do CPC feitos por Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca que: ““É impenhorável a residência do casal, ainda que de propriedade de sociedade comercial, da qual os cônjuges são sócios exclusivos” (STJ 3ªT., REsp 356.077, Min. Nancy Andrighi, j. 30.8.02, DJU 14.10.02).” (in “Código de Processo Civil e legislação processual em vigor”, 45ª edição, Editora Saraiva, 2013, pág. 1271, Art. 1º: 6 da Lei nº 8.009/90).

Ademais o C. STJ já tem entendimento sumulado de que o conceito de unidade familiar também abrange pessoas sozinhas para fins de aplicação da Lei nº 8.009/90. É o que enuncia a súmula 364 daquele C. Tribunal: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.

Neste sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. BEM IMÓVEL QUE SEMPRE SERVIU À MORADIA DE ENTIDADE FAMILIAR. REGISTRO EM NOME DA EMPRESA EXECUTADA. BEM DE FAMÍLIA. CONFIGURAÇÃO. ESCOPO DA LEI N.8.009/1990. PROTEÇÃO DO DIREITO À

MORADIA DA FAMÍLIA.

IMPENHORABILIDADE.

1. A Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, visou conferir especial proteção à moradia da família -direito assegurado constitucionalmente (artigo 6.º) -, revelando-se menos importante o modo como se dá a ocupação do bem imóvel, se a título de propriedade -com o imóvel registrado em nome de um dos integrantes da entidade familiar - ou de posse.

2. No caso em apreço, o Tribunal de origem reconheceu, expressamente, que o imóvel discutido nestes autos sempre serviu à moradia da família, daí porque não poderia ser objeto de penhora, entendimento esse que se coaduna com a orientação jurisprudencial desta Corte.

3. Recurso especial não provido”.

(REsp nº 949499/RS, Segunda Turma, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, j. em 05.08.2008)

No mesmo sentido, já se decidiu esta

Colenda Corte:

“PENHORA - Bem de família - Bem imóvel registrado em nome da pessoa jurídica, devedora principal - Irrelevância - Constatação de que unidade habitacional serve à moradia de entidade familiar - Prova documental neste sentido não contestada pelo embargado - Impenhorabilidade reconhecida - Levantamento da penhora operada -Embargos à execução parcialmente procedente -Apelo parcialmente provido neste tocante” (Apelação nº 0060719-51.2000.8.26.0000, Rel. Des. Ricardo Negrão, 19ª Câmara de Direito Privado, j. em 05.12.2006).

Ademais, importa dizer que a existência de outro imóvel de propriedade do embargante (fls. 102/105) não impede o reconhecimento do bem de família. Além disso, não há prova suficiente produzida pela embargada para contrariar a verossimilhança que emerge das alegações do embargante sobre o bem de família.

Assim, já decidiu esta C. 37ª Câmara de Direito Privado:

“PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - Prova suficiente de que o imóvel cuja penhora foi ordenada se trata de bem de família - Impenhorabilidade -Artigo 1o da Lei nº 8.009/90 - Existência de outros imóveis de propriedade do Agravante - Irrelevância -Imóvel usado como residência da entidade familiar que se caracteriza como bem de família, independente da propriedade de outros imóveis -Precedentes - Decisão reformada. Recurso provido”

(Agravo de Instrumento nº 0064543-32.2011.8.26.0000, Rel. Des. Tasso Duarte de Melo, j. em 25.08.2011).

“APELAÇÃO - EMBARGOS À EXECUÇÃO BEM DE FAMÍLIA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. 1. ÔNUS DA PROVA. Embargante que comprovou que o bem se destina a sua residência. Contas de serviços públicos e videogravação. Auto de constatação que veio a complementar a prova. Imóvel parte residencial e parte comercial. Possibilidade de proteção do bem de família. Embargado não produziu prova alguma. Precedentes. 2. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. Embargado alega que o embargante deve responder pela verba sucumbencial, ao não ter registrado a impenhorabilidade do bem no registro de imóveis. Argumentação infundada. Reconhecimento legal da proteção do imóvel bem de família, despicienda a sua averbação no registro. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO” (Apelação nº 9000003-15.2011.8.26.0453, Rel. Des. Sergio Gomes, j. em 17.09.2013).

Por fim, já é entendimento pacífico o de que não está obrigado o julgador a citar todos os artigos de lei e da Constituição Federal para fins de prequestionamento. Sendo assim, ficam consideradas prequestionadas toda a matéria e disposições legais discutidas pelas partes.

Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO ao recurso.

ISRAEL GÓES DOS ANJOS

Relator

Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 02 de Fevereiro de 2015

http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/3017/Impenhorabilidade%20do%20bem%20de%20fam%C3%ADlia.%20Im%C3%B3vel%20em%20nome%20de%20pessoa%20jur%C3%ADdica