1. Na união estável, o companheiro só herda a parte relativa aos bens comuns, não participando da sucessão quanto aos bens particulares do companheiro pré-morto. Inteligência do art. 1.790 do CCB. 2. Comprovada a aquisição do imóvel antes de iniciar a união estável, correta a sua exclusão do monte a ser partilhado com a companheira. Recurso desprovido. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70 071 773 642 (Nº CNJ: 0387558-68.2016.8.21.7000) SÉTIMA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE SANTA CRUZ DO SUL ESPOLIO DE CLAUDIO SCHMITT DULCE HELENA VICENTE AGRAVANTES ANA CLAUDIA SCHMITT MARTINS ANDREA CRISTINA TEIXEIRA AGRAVADOS MINISTERIO PUBLICO INTERESSADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Jorge Luís Dall'Agnol (Presidente) e Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro. Porto Alegre, 22 de fevereiro de 2017. DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, Relator. RELATÓRIO Des. Sérgio Fernando De Vasconcellos Chaves (RELATOR) Trata-se da irresignação de DULCE H. V., inventariante do espólio de CLÁUDIO S., com a r. decisão que desacolheu o seu pedido de meação e herança quanto ao imóvel objeto da matricula nº 33.523 e dos respectivos frutos civis, nos autos do inventário dos bens deixados por morte de CLÁUDIO S. Sustenta a recorrente que manteve união estável com o de cujus desde o ano de 1989 até o falecimento dele. Alega que o imóvel matriculado sob o nº 33.523 foi desincorporado do patrimônio da pessoa jurídica e incorporado ao patrimônio do companheiro, pessoa física, no ano de 1996, ou seja, quando já conviviam em união estável. Alega que, considerando a aquisição de forma onerosa do bem, deve ser observada a regra do art. 1.790, do CCB. Aduz que, mesmo que se entenda que o imóvel integra o rol dos bens particulares do falecido, para fins de partilha deve ser observada a regra do art. 1829 e 1.832, do CCB. Aponta que, por ocasião do processo de separação da ex-esposa, o de cujus recebeu a totalidade do imóvel matriculado sob o nº 33.523, tendo que abrir mão de grande parte do patrimônio comum em favor de MARIA M. para que isso ocorresse. Diz que não há duvida acerca da sua participação na sucessão do imóvel da matrícula 33.523, pois parte do patrimônio comum foi transferido para a aquisição desse bem. Diz que é meeira e herdeira da totalidade do patrimônio deixado pelo falecido companheiro, consoante disposto no art. 1.790, do CCB. Colaciona jurisprudência para corroborar a sua participação na herança do companheiro. Pretende seja reconhecido o seu direito de meação e herança quanto à totalidade do patrimônio de CLAUDIO S. ou, subsidiariamente, seja reconhecido o seu direito a herança, no tocante aos bens particulares do falecido e à meação sobre os bens comuns. Pede seja dado provimento ao recurso. O recurso foi recebido no efeito devolutivo. Intimadas, as recorridas apresentaram contrarrazões sustentando, em preliminar, que o recurso não deve ser admitido, pois não enfrentou a integralidade dos fundamentos da decisão a quo. Alegam que a decisão recorrida está diretamente relacionada ao conteúdo da Escritura Pública de Desincorporação de Imóvel de nº 11.768, onde consta que a desincorporação de imóveis pertencentes à empresa Cláudio Schmitt & Cia. Ltda., em benefício do de cujus, foi efetuada por motivo de separação com a sua ex-esposa, Maria M. V., não se tratando, portanto, de aquisição a título oneroso. No mérito, argumentam que o imóvel objeto da matrícula 33.523 foi adquirido no ano de 1980 pela sociedade empresária da qual o autor da herança era sócio, ou seja, em momento bem anterior à união estável e quando o falecido ainda era casado com a sua genitora, MARIA M. Dizem que, de acordo com o art. 1.658, do CCB, comunicam-se apenas os bens que sobrevierem ao casal, na constância da união, de forma onerosa. Referem que a recorrente já recebeu de CLÁUDIO outros imóveis em doação, sendo clara a intenção dele de deixar para elas o seu patrimônio particular. Dizem que, além do imóvel, fazem jus à percepção, com exclusividade, dos frutos civis por ele produzidos, desde a data do óbito do inventariado, em decorrência do princípio da saisine. O pedido subsidiário não deve sequer ser apreciado, por se tratar de inovação recursal. Pedem não seja conhecido o recurso ou o pedido subsidiário, ou seja ele desprovido. O Ministério Público declinou da intervenção. É o relatório. VOTOS Des. Sérgio Fernando De Vasconcellos Chaves (RELATOR) Estou confirmando a r. decisão recorrida. Inicio, afastando a preliminar de não conhecimento do recurso, pois a recorrente atacou na peça recursal todos os fundamentos da decisão recorrida. No mérito, observo que o Código Civil de 2002 modificou substancialmente a questão sucessória não apenas na união estável, mas também no casamento, disciplinando de forma distinta do ordenamento jurídico anterior as relações sucessórias tanto para os cônjuges, nos diversos regimes de bens, como para as pessoas que mantêm união estável. Na verdade, focalizando a questão sob o prisma teórico percebe-se que o legislador confundiu os efeitos patrimoniais do casamento com questões sucessórias específicas, desconsiderando os princípios que regem o direito sucessório, bem como as razões determinantes da condição de herdeiro necessário e também a liberdade de escolha dos nubentes acerca dos efeitos patrimoniais do casamento, estabelecendo, ainda, uma equivocada regra para a sucessão dos companheiros. De qualquer sorte, cabia ao legislador escolher os critérios que deveriam balizar as relações de Direito de Família e Sucessões e as novas regras legais foram estabelecidas e devem ser observadas. Assim, de forma bem simplificada, observo que o legislador estabeleceu para o casamento, como regra geral, que o cônjuge herda quanto aos bens de cuja aquisição não participou, e, na união estável, estabeleceu que o companheiro só herda na quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Ou seja, enquanto a pessoa casada pelo regime da comunhão parcial de bens é herdeira dos bens particulares e meeira dos bens adquiridos onerosamente durante o casamento, as companheira é meeira dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável e é herdeira em relação a esses bens, mas não herda sobre os bens particulares do companheiro pré-morto, consoante disposto claramente no art. 1.790 do CCB. Essa regulamentação em relação aos companheiros não os coloca em patamar de inferioridade em relação à regulamentação legal da sucessão dos cônjuges. Apenas o legislador deu tratamento diferenciado do que ocorre no casamento. Mas as regras sucessórias que disciplinam o direito do cônjuge supérstite também não são uniformes, variando conforme o regime de bem adotado pelos cônjuges. Para demonstrar que o companheiro pode ter vantagem em relação ao cônjuge em situações idênticas, exemplifico comparativamente: a) se um casal que mantém união estável tiver adquirido sólido patrimônio durante a convivência, o companheiro supérstite fará jus à metade desses bens e ainda concorrerá como herdeiro em relação à meação desses bens, recebendo uma quota equivalente a dos filhos comuns, se houver, ou à metade do que receberem os descendentes apenas do autor da herança e, se concorrer com os colaterais fará jus a um terço desses bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Se, porém, dessa união estável não resultar aquisição de bens, havendo apenas bens particulares, isto é, se o casal não adquirir qualquer patrimônio, o companheiro sobrevivente não será herdeiro, salvo se o companheiro expressamente fizer uma deixa testamentária. b) se esse mesmo casal tiver contraído casamento e os bens forem adquiridos na constância do casamento, a esposa apenas receberá a sua meação e não será herdeira desses bens, salvo se o marido fizer deixa testamentária. Nesse sentido, parece claro que o legislador tratou de privilegiar a autonomia da vontade. E, na união estável, a manifestação de vontade não é expressa e, muitas vezes, os contornos da relação não são muito claros, havendo inúmeras situações que, certamente pela omissão, ensejam contendas. É possível que a regulamentação do direito sucessório no Código Civil vigente não seja a melhor, é possível que a regulamentação posta na Lei nº 9.278/96 tenha sido mais adequada, é possível que o tratamento paritário entre a união estável e o casamento fosse a melhor solução, é possível que os direitos sucessórios devessem ser iguais para cônjuges ou companheiros, independentemente do regime de bens. Mas essas são discussões de cunho são hoje relevantes apenas no plano acadêmico ou doutrinário, pois existe uma lei regulando a matéria, e essa lei não padece de qualquer vício substancial, tendo sido submetida a regular processo legislativo e devidamente aprovada. Portanto, existe lei e ela deve ser cumprida, motivo pelo qual não assiste à recorrente, que efetivamente não faz jus ao imóvel objeto da matrícula nº 33.523, que a toda evidência já pertencia ao inventariado antes do início da união estável, e, inclusive, quando ainda estava casado com MARIA. M., consoante comprovam os documentos de fls. 447/454 e 456/475. Portanto, não há como desconsiderar que, na Escritura Pública de Desincorporação de Imóvel, está expressamente referido que a desincorporação de imóveis pertencentes à empresa Cláudio Schmitt & Cia. Ltda decorre do processo de separação de CLÁUDIO e MARIA M., motivo pelo qual não se trata de aquisição onerosa na constância da união estável como pretende fazer crer a recorrente, pois o bem já integrava o patrimônio do inventariado. Nesse contexto, mostra-se inviável reconhecer em favor da recorrente direito de meação e de herança relativamente ao imóvel objeto da discussão, bem como aos frutos dele advindos. ISTO POSTO, nego provimento ao recurso. Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro - De acordo com o(a) Relator(a). Des. Jorge Luís Dall'Agnol (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70071773642, Comarca de Santa Cruz do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME." Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul - TJ/RS http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=sucess%C3%A3o+na+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel&proxystylesheet=tjrs_index&getfields=*&entsp=a__politica-site&wc=200&wc_mc=1&oe=UTF-8&ie=UTF-8&ud=1&sort=date:D:S:d1&as_qj=sucess%C3%A3o+na+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel&as_epq=&as_oq=&as_eq=&as_q=+&ulang=pt-BR&ip=187.115.119.50&access=p&entqr=3&entqrm=0&client=tjrs_index&filter=0&start=10&aba=juris&site=ementario#main_res_juris