Tribunal TJSP
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Registro: 2014.0000484253
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 2018550-24.2014.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante CLAUDIA GUERTZENSTEIN ANGARE PEREIRA, é agravada EDA ZANETTI GUERTZENSTEIN.
ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores DONEGÁ MORANDINI (Presidente) e CARLOS ALBERTO DE SALLES.
São Paulo, 12 de agosto de 2014.
VIVIANI NICOLAU
RELATOR
AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2018550-24.2014.8.26.0000
AGRAVANTE: CLAUDIA GUERTZENSTEIN ANGARE PEREIRA
AGRAVADO: EDA ZANETTI GUERTZENSTEIN
INTERESSADO: PEDRO GASPAR GUERTZENSTEIN
COMARCA: SÃO PAULO
VOTO Nº 15950
JUIZ DE ORIGEM: MARCO AURÉLIO PAIOLETTI MARTINS
COSTA
“AGRAVO. INVENTÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. USUFRUTO VIDUAL. Decisão que acolheu em parte a impugnação dos executados. Inconformismo. Não acolhimento. Exequente que teve reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça seu direito ao usufruto vidual sobre os bens partilhados. Pretensão de execução nos mesmos autos do inventário. Possibilidade. Ausência de questão de alta indagação. Pretensão da viúva de liquidação e execução dos direitos decorrentes do reconhecimento do usufruto. Competência do Juízo do inventário reconhecida, por ser o juízo que processou a ação em 1º grau de jurisdição. Descabimento de ação anulatória ou rescisória da sentença homologatória da partilha, conforme decidido pelo acórdão do STJ, o qual reconheceu o direito ao usufruto vidual e determinou o cálculo de indenização sobre os bens alienados. Alegação de prescrição. Não ocorrência. Direito ao usufruto de natureza declaratória. Insurgência contra a aplicação da multa diária. Inconsistência. Inexistência de bis in idem, pois a multa do art. 475-J do CPC refere-se ao não pagamento do devido no prazo de quinze dias, já a multa diária refere-se à obrigação de fazer acessória, podendo ser fixada de ofício. Inteligência do § 5º do art. 461 do CPC. Inexistência de erro material na fixação da indenização quanto aos valores levantados das contas bancárias. Pretensão de reconhecimento da litigância de má fé não acolhida. Decisão mantida. Negado provimento ao recurso”.(v.15950).
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão interlocutória proferida em ação de inventário dos bens deixados por PEDRO GASPAR GUERTZENSTEIN proposta por CLAUDIA GUERTZENSTEIN ANGARE PEREIRA , que acolheu parcialmente a impugnação à execução (fls. 75/78).
Inconformada, insurge-se a executada, postulando a concessão de efeito suspensivo. Alega a agravante, em síntese, que não se pode admitir a execução pretendida nos autos do inventário, por se tratar de questão de alta indagação, devendo ser remetida às vias ordinárias. Ressalta que, em 12/07/1995, operou-se o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha amigável, da qual a agravada foi signatária, de forma que não se pode admitir que a agravada viesse a Juízo formular pedidos em face dos herdeiros legítimos, abalando a segurança jurídica que lhes foi conferida pela coisa julgada. Defende a ocorrência de prescrição. Sustenta que houve erro material na r.decisão, pois o usufruto vidual corresponde à um quarto sobre os frutos civis, e não à um terço, nos termos do artigo 1.611, § 1º, do Código Civil de 1916. Assevera que a estipulação de indenização sobre os ativos financeiros levantados pelos herdeiros é descabida, pois corresponderia a incluir a agravada na linha sucessória em paridade com os herdeiros legítimos. Queixa-se da multa diária fixada, aduzindo que o artigo 475-J prevê a aplicação de multa de 10% em caso de descumprimento do julgado após a intimação, tornando a aplicação da multa aplicada bis in idem. Pugna, por fim, pela concessão de efeito suspensivo ao presente recurso, para obstar a execução da decisão agravada, bem como a aplicação da multa diária fixada (fls.01/17).
A r. decisão recorrida foi prolatada no dia 27/01/2014 (fls.75/78), sendo que a publicação ocorreu no dia 30/01/2014 (fls.79/80). O agravo foi interposto no dia 10/02/2014. Cópias das procurações foram juntadas à fls. 18 e 19 (substabelecimento às fls.20).
O preparo foi recolhido às fls.81/82.
Admitido o recurso, o efeito suspensivo foi deferido (fls. 84/87). Dispensadas as informações, a agravada apresentou contraminuta (fls. 91/105).
É O RELATÓRIO
O recurso é desprovido.
Os autos do arrolamento dos bens deixados por PEDRO GASPAR GUERTZENSTEIN foram concluídos por meio da sentença que homologou a partilha, prolatada na data de 19/06/1995 (fls. 21 e 29), transitada em julgado em 12/07/1995 (fls. 30).
Não obstante, a agravada, na qualidade de viúva, interpôs recurso de agravo de instrumento visando a ter reconhecido seu direito de usufruto vidual, o que foi rejeitado pela Quarta Câmara de Direito Privado deste Tribunal de Justiça (fls. 31/32 agravo nº 237.443-4/0).
Houve a interposição de recurso especial, o qual foi provido por decisão monocrática proferida pelo ilustre Ministro VASCO DELLA GIUSTINA , na data de 27/04/2010 (REsp 472.465-SP fls. 37/38). Foi reconhecido o direito da viúva ao usufruto sobre a quarta parte dos bens do falecido.
A decisão foi confirmada em Agravo Regimental :
“AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SUCESSÃO.
USUFRUTO VIDUAL. PARTILHA DE BENS.
INOCORRÊNCIA DE TRANSAÇÃO SOBRE O
DIREITO DE FRUIR DA ESPOSA SOBREVIVA. COISA
JULGADA. INOCORRÊNCIA. RECURSO
DESPROVIDO.
1. "O usufruto vidual [art. 1.611, §
1º, do CC/1916] é instituto de direito sucessório, independente da situação financeira do cônjuge sobrevivente, e não se restringe à sucessão legítima. Os únicos requisitos são o regime do casamento diferente da comunhão universal e o estado de viuvez" (REsp 648.072/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER , DJ 23.04.2007).
2. O reconhecimeto do direito de fruição da viúva não é obstado se, apesar de existir partilha, o usufruto vidual não foi nela transacionado, ou se não ocorreu eventual compensação por esse direito, ou, ainda, se não existiu sua renúncia (que não pode ser presumida). Isso porque usufruto vidual e domínio são institutos diversos, sendo um temporário e o outro de caráter definitivo, o que torna desnecessária a prévia rescisão ou anulação da partilha, já que não se alterará a propriedade dos bens partilhados.
3. Se impossível se tornar o usufruto da esposa sobreviva pela alienação dos bens inventariados, deverá ela ser indenizada.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 472465/SP, Rel.
Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS),
TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe
24/06/2010).
Os embargos de declaração interpostos em face do referido acórdão foram rejeitados pela Terceira Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça (fls. 114/121 19/08/2010).
Sobreveio petição da viúva nos autos do inventário, requerendo o imediato cumprimento do acórdão quanto à parte líquida e a liquidação por arbitramento da parte ilíquida, em apartado (fls. 39/55).
Os executados apresentaram impugnação, requerendo a remessa da discussão para as vias ordinárias, considerando o encerramento da prestação jurisdicional nos autos do inventário e por ser a questão de alta indagação. Alegam a ocorrência de prescrição (fls. 56/63) e a pendência de ação rescisória junto ao Superior Tribunal de Justiça, processo nº 4996 (fls. 64/74), questionando o acórdão que deferiu o direito ora executado pela viúva.
A decisão agravada acolheu em parte a impugnação, admitindo o processamento da execução nos mesmos autos do inventário, conforme sistemática processual trazida pela Lei nº 11.232/05. Considerou desnecessária a menção na partilha acerca do usufruto vidual, por decorrer da lei, motivo pelo qual também não há prescrição. Quanto ao cumprimento do acórdão, determinou que a exequente apresentasse memória de cálculo do débito exequendo, devendo os herdeiros depositar mensalmente um quarto dos rendimentos da empresa imobiliária da Sé Ltda, disponibilizando à exequente balanço contábil mensal e documentos, sob pena de multa diária de R$ 500,00.
Insistem os recorrentes que a pretensão da agravada é questão de alta indagação, devendo ser remetida às vias ordinárias, conforme art. 984 do CPC. Afirmam que há necessidade de realização de perícia contábil para avaliação dos rendimentos da empresa objeto da partilha, além de outros procedimentos impraticáveis nos autos do inventário. Aduzem, ainda, que a jurisdição do magistrado do inventário encerra-se com a homologação da partilha.
Entretanto, não se verifica nenhuma ilegalidade no prosseguimento do cumprimento de sentença nos autos do inventário.
Isto porque a questão relativa ao direito de usufruto da viúva já foi reconhecido dentro do inventário, conforme acórdão prolatado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, acima mencionado. Não há que se falar, pois, em questão de alta indagação. A ação rescisória ajuizada pelos ora agravantes perante o C. STJ não tem o condão de impedir o cumprimento de sentença, na medida em que não há notícia de concessão de nenhuma tutela antecipatória naqueles autos. Por esta razão, não é possível também acolher a alegação de que a ação rescisória seria questão prejudicial ao cumprimento de sentença em questão.
Eventual necessidade de perícia ou de realização de provas para se averiguar o valor devido à viúva em razão do usufruto reconhecido é matéria pertinente à liquidação de sentença, não justificando o ajuizamento de ação autônoma para tal finalidade.
Não há que se falar, outrossim, em encerramento da prestação jurisdicional pelo Juízo do inventário, na medida em que é competente para julgar o cumprimento de sentença o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição, conforme determina o art. 475-P, III, do CPC. Vale ressaltar, ainda, que a reforma processual introduzida pela Lei 11.232/2005 tem aplicabilidade imediata.
O acórdão do AgRg no Recurso Especial nº 472.465 SP, dispôs que:
“[...] De início, impende asseverar que no plano de partilha (fls. 32/38), homologado judicialmente (fl. 39), não constou qualquer transação sobre o usufruto vidual; apenas existiu a meação da viúva, casada sob o regime da comunhão parcial de bens, pelo que não há falar, com relação ao usufruto legal, em incidência dos efeitos da coisa julgada. É dizer, o usufruto vidual não foi previsto na partilha, tampouco ocorreu a sua renúncia (que não pode ser presumida) ou eventual compensação por esse direito, de sorte que os efeitos da divisão de bens não inibe o reconhecimento do direito de fruição da viúva, segundo o disposto no art. 1.611, § 1º, do CC/1916. Isso porque usufruto vidual e domínio são institutos diversos, sendo um temporário e o outro de caráter definitivo, o que torna desnecessária, na espécie, a prévia rescisão ou anulação da partilha, já que não se alterará a propriedade dos bens partilhados [...]” (fls. 106/111 grifo não original).
Nestes termos, insubsistente a alegação recursal de cabimento de ação anulatória de partilha ou de rescisão da sentença, ante a ausência de alteração da propriedade dos bens partilhados, sendo matéria já decidida pelo acordão do C. STJ.
Inexistente, ainda, a alegada prescrição . O direito ao usufruto foi reconhecido em decisão monocrática mantida no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 472.465-SP, conforme julgamento do C. STJ datado de 08/06/2010. O provimento possui natureza declaratória e, portanto, insuscetível de prescrição.
A decisão recorrida reconheceu o direito da viúva à soma dos juros de poupança (frutos civis) da quantia depositada nas contas indicadas nos autos, desde a abertura da sucessão até o seu levantamento. Não houve inclusão de correção monetária na base de cálculo do usufruto vidual:
“Quanto ao cumprimento do acórdão, vejamos: 1) A exequente possui direito à soma dos (i) juros de poupança (frutos civis) da quantia depositada nas contas bancárias indicadas nos itens II.2.1.A e II.2.1.B de fl. 924 desde a abertura da sucessão até os respectivos levantamentos ; mais a (ii) indenização na proporção de 1/3 das quantias levantadas, pelas razões expostas no item 3 abaixo. A soma apurada (i e ii) deverá ser corrigida a partir de cada levantamento até o dia do efetivo pagamento. Para tal fim, apresente a exequente memória de cálculo atualizada do débito exequendo, nos termos acima”.
A determinação de correção dos valores somente incide a partir do seu levantamento e persiste até o efetivo pagamento, não decorrendo, neste caso, do usufruto vidual, mas sim da necessidade de atualização dos valores levantados.
Os agravantes discordam da estipulação de indenização sobre os ativos financeiros levantados pelos herdeiros.
Sem razão, contudo, uma vez que tal indenização decorre de mero cumprimento do decidido no acórdão do C. STJ:
3. Se impossível se tornar o
usufruto da esposa sobreviva pela alienação dos bens
inventariados, deverá ela ser indenizada.
A decisão recorrida adotou critério razoável em relação à indenização sobre os ativos financeiros, determinando a apuração dos frutos civis incidentes sobre a quantia depositada nas contas bancárias e, no tocante aos valores já levantados pelos herdeiros, determinou que se adotasse o mesmo procedimento para cálculo da indenização da viúva previsto em caso de venda de bens imóveis, abaixo descrito: “[...]Quando bens sujeitos a usufruto são alienados, havendo concordância do usufrutuário, na ausência de previsão legal, aplica-se por analogia a Lei Estadual nº 10.705/2000, segundo a qual o valor do usufruto corresponderia a 1/3 sobre o valor da nua propriedade . Nesse sentido, dispõe o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo: Agravo de instrumento Inventário e Partilha Instituição de usufruto e nua propriedade Valores Aplicação por analogia da Lei Estadual n.º 10.705/2000 Fração de 1/3 para o usufruto e 2/3 para a nua-propriedade - Valores declinados pela agravante inventariante encontram-se corretos Decisão reformada AGRAVO PROVIDO. (AI nº 0043177-97.2012.8.26.0000; Rel. Miguel Brandi; 7ª Câmara de Direito Privado; Dt. j. 03/05/2012) Assim, em caso de futura venda de imóvel pertencente à imobiliária da Sé, sob a concordância da usufrutuária, a exequente terá direito a 1/3 sobre 1/4 do preço líquido do imóvel à época da venda ”[...].(destaque não original).
Não houve, assim erro material.
Quanto ao item 3 da decisão, não há o erro material apontado, conquanto a menção ao percentual de um terço não se referia ao usufruto vidual, mas sim à fixação de indenização em relação aos bens alienados.
Não se vislumbra bis in idem na aplicação da multa diária de R$ 500,00 para compelir os agravantes a apresentar os documentos descritos na decisão impugnada.
Isto porque a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC aplica-se em caso de não pagamento do débito no prazo de quinze dias. A multa de R$ 500,00, por sua vez, tem por finalidade garantir o cumprimento da obrigação de fazer acessória, de apresentação dos balanços contábeis e mensais da empresa imobiliária da Sé Ltda, a qual pode ser imposta de ofício, nos exatos termos do § 5º do art. 461 do CPC. Por fim, não há que se falar em litigância de má-fé, na medida em que os agravantes apenas exerceram seu direito de defesa, de tal sorte que não restou caracterizada nenhuma das hipóteses do art. 17 do Código de Processo Civil para aplicação de suas penalidades.
Concluindo, a decisão agravada é mantida.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso .
VIVIANI NICOLAU
Relator
Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 17 de Dezembro de 2014.
http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2949/Inventário.%20Usufruto%20vidual