Responda rápido: se por um lado muitos casamentos se desfizeram
durante este ano, quantos casais de namorados você conhece que decidiram juntar
escovas e irem morar juntos durante em 2020? A pandemia da Covid 19 que
surpreendeu a todos no primeiro trimestre deste ano, levou vários casais a um
dilema diante da obrigatoriedade de distanciamento social: separar-se ou dar um
passo mais adiante no sentido de morar juntos para atenuar a dor da solidão?
Porém, juntar as escovas pode trazer algumas consequências civis como a
configuração da União Estável e seus desdobramentos, alerta o advogado Mauricio
Benedito Petraglia Junior, que há mais de quinze anos em Direito de Família e
planejamento sucessório.
Segundo o advogado, mesmo que em setembro os cartórios de Mato
Grosso tenham registrado um aumento de 155% em casamentos, comparado ao mesmo
período do ano passado, a maioria dos casais que decidiu partilhar da vivência
do lar simplesmente “juntou as panelas”, e sem hesitar amanheceu debaixo do
mesmo teto, não pensando nas consequências jurídicas de seus atos. Agora, após
oito meses de pandemia e de uma rotina doméstica bem estabelecida, muitos que
se uniram impensadamente começaram a se perguntar qual a natureza do
compromisso assumido, ou ainda, quais os direitos e obrigações do casal? Terei
de dividir meus bens? Tenho de pagar pensão?
Mauricio B. Petraglia, que também é especialista em Direito
Processual Civil e Direito Empresarial, afirma que é necessário ficar atento
pois quando namorados decidem viver sob o mesmo teto pode ficar configurada a
união estável, cuja consequência jurídica e de direitos é semelhante a de um
casamento.
“Tem de ser analisado cada caso, pois a mera convivência sob o
mesmo teto não basta por si só para caracterizá-la. A união estável é uma
proteção estatal, um reconhecimento como entidade familiar, conferido pela
Constituição Federal aos casais que têm convivência pública, contínua e
duradoura, com o propósito de constituição de família. Portanto, o objetivo de
constituir família tem de ser presente, não bastando um mero projeto de
casamento futuro, como ocorre com os noivos, pois aí embora haja um
relacionamento mais sério, ocorre apenas o que a jurisprudência chama de
“namoro qualificado”, não gerando direitos”, explica.
Para ilustrar melhor a diferença entre namoro qualificado e a
união estável, o advogado ressalta que a maneira mais fácil de identificar um
casal em união estável, é pensar naqueles conhecidos que todos temos, e que
acreditamos sejam casados, mas não sabemos se de fato o são, pois nunca fomos
numa celebração de núpcias ou solenidade matrimonial em cartório.
“Se esses não são formalmente casados, com certeza vivem em
união estável, dada a semelhança com o matrimônio. Dentre as consequências
advindas da configuração da união estável, penso que as mais relevantes são a
equiparação ao casamento no regime de comunhão parcial de bens (se outro não
for escolhido), além do direito aos alimentos, à herança no caso de morte e à
meação dos bens comuns adquiridos no decorrer desta relação na hipótese de
separação (chamada juridicamente de dissolução da união). Ah, e antes que você
me pergunte, já adianto: ter filhos não é requisito para configuração da união
estável”, explica.
O advogado ressalta também que atualmente não importa o tempo de
duração do relacionamento para que seja configurada a união estável entre os
casais. “Antigamente a lei exigia um período mínimo de cinco anos de
convivência sob o mesmo teto. Atualmente isso mão importa mais e, para se ter
noção, sequer há a obrigatoriedade de que o casal resida sob o mesmo teto –
chamada de more uxorio -, pois há situações de reconhecimento da união estável
entre pessoas morando em casas distintas.
Maurício revela que o contrato de união estável é um instrumento
extremamente importante e que todos nessa situação deveriam ter a maturidade de
fazer, porque através dele o casal poderá estabelecer o regime de bens que
vigorará, como, por exemplo, a separação total de bens, evitando muita
dor-de-cabeça se houver a ruptura do relacionamento. Além disso, segundo ele,
fazer um documento facilitará muito a vida do cônjuge sobrevivente no caso de
morte, possibilitando acesso mais fácil à benefícios previdenciários e herança,
dentre outros.
“Já o contrato de namoro é um tanto polêmico, porquanto vem
sendo considerado como um documento ineficaz por boa parte da doutrina e
jurisprudência, porque a união estável é um “ato-fato jurídico”, ou seja, é um
acontecimento que advém da conduta humana, mas não depende da vontade
consciente. Eu particularmente penso que o contrato de namoro é uma boa
oportunidade para projetar o futuro e dar mais segurança ao casal, pois embora
não possam através dele afastar a união estável, podem, por exemplo, prever através
de uma cláusula suspensiva, que se esta vier a ser configurada, o regime de
bens será aquele previamente escolhido durante o namoro”, diz.
Por último, além da questão dos bens que envolvem uma união
estável, o advogado revela que até mesmo os animais estimação do casal podem
ser motivo de questionamento.
“Não há regulamentação legal quanto a isso, de modo que, se não houver acordo entre as partes, o juiz deverá encontrar uma forma de equacionar esse problema, levando-se em conta especialmente o interesse do animal. Há Tribunais, por exemplo, aplicando por analogia regras previstas para os filhos, estabelecendo assim a guarda compartilhada ou unilateral do pet, inclusive situações em algumas arbitrando pensão alimentícia para ajudar na criação do bichinho de estimação”, finalizou.