O Tribunal de Justiça do Estado
do Amazonas (TJAM) reconheceu o vínculo de maternidade socioafetiva post mortem em sentença
expedida recentemente. Foi concedido à requerente o direito à inclusão do nome
da falecida e dos ascendentes maternos em seu registro de nascimento. A
decisão, em ação movida pela Defensoria Pública do Amazonas, é do Juiz de
Direito Dídimo Santana Barros Filho, da 5ª Vara de Família e Sucessões.
Trata-se de um caso de
multiparentalidade, já que não houve prejuízo dos dados biológicos existentes
nos documentos da pleiteante. Em sua decisão, o magistrado atentou ao reconhecimento
da multiparentalidade pelo Superior Tribunal Federal (STF), em relatoria do
ministro Luiz Fux na Repercussão
Geral 622, sobre a coexistência entre parentalidade biológica e
socioafetiva.
A decisão do magistrado reproduz
ainda artigo do advogado e professor Ricardo Calderón, diretor nacional do
IBDFAM, que versa sobre o reconhecimento jurídico da afetividade, vínculo
socioafetivo e biológico em igual grau de hierarquia e a possibilidade jurídica
da multiparentalidade.
Reconhecimento post mortem pode trazer
dificuldades
A filiação socioafetiva tem mesmo
valor, para a Justiça, que vínculos biológicos, registrais, adotivos e outros
envolvidos nas presunções do Código Civil. “Vínculos socioafetivos são laços
que se estabelecem na vida concreta, com uma convivência ostensiva, pública e
duradoura”, esclarece Ricardo Calderón.
Segundo o advogado, é
aconselhável que tal reconhecimento seja feito em vida. “As dificuldades
enfrentadas no reconhecimento post
mortem decorrem justamente de um dos integrantes dessa dada
relação socioafetiva não estar mais presente. Além da dificuldade probatória,
de apuração e a demonstração do vínculo, o poder judiciário poderá ter dúvidas
sobre a verdadeira finalidade do reconhecimento, se não seria exclusivamente
patrimonial.”
A leitura jurídica da afetividade,
atenta Calderón, “não consiste em valorar sentimentos ou apurar amor e desamor,
mas em verificar, na dada realidade concreta, manifestações que demonstrem essa
socioafetividade no trato filial de forma recíproca”.
Irmãos concordaram com o pleito
No caso decorrido no Amazonas,
não houve presença de polo passivo, tendo em vista a plena concordância dos
terceiros interessados na demanda. Os filhos biológicos da falecida foram
postulantes da ação, reconhecendo similar tratamento dado a eles e à requerente.
Desde os seis meses de idade, ela fora criada pela mãe socioafetiva, casada com
seu pai biológico.
Foram anexadas ao processo fotos
que comprovam o convívio da pleiteante com a família, além de sua certidão de
batismo, que considera apenas o nome da mãe socioafetiva, em detrimento da
biológica. Todos os envolvidos julgaram justo o seu reconhecimento como
herdeira no inventário.
O acordo entre as partes facilita
a decisão do judiciário em favor do requerente, de acordo com Calderón. Ele
acrescenta que é recorrente o consenso entre as partes nos processos de
reconhecimento de filiação socioafetiva, desde que todos tenham convivido com a
afetividade e a estabilidade daquela relação.
Provimento 63 do CNJ ainda divide
opiniões
O Provimento 63 do CNJ, de novembro de
2017, permite o reconhecimento e o registro extrajudicial da filiação
socioafetiva. A possibilidade ainda é alvo de críticas, que dão conta da
possibilidade de desvios e fraudes. Para Calderón, contudo, a iniciativa
representou um grande avanço no processo de desjudicialização do Direito de
Família brasileiro.
“Antes do Provimento, qualquer
reconhecimento desse vínculo, ainda que sem qualquer divergência ou
controvérsia, demandava ação judicial para que fosse reconhecido e
formalizado”, explica o advogado. Ele lembra que muitas cidades do interior
brasileiro sequer são comarcas ou têm juízes.
“Isso afastava muitas pessoas,
que precisavam contratar advogado, demandar ação judicial e acompanhar um
processo moroso e caro até o fim”, acrescenta. Além disso, toda a dificuldade
deu origem a um grande déficit registral - notado até hoje -, já que muitas
famílias recompostas por enlaces conjugais não registraram devidamente essas
novas relações.
“Ainda há questões a serem observadas, como melhorias na segurança do sistema, mas não podemos perder o aspecto central do Provimento 63. Não podemos olvidar que estamos cuidando de um direito fundamental, de registro da filiação, que deve ser facilitado pelo Estado e não dificultado”, defende Ricardo.
Disponível em:
http://www.ibdfam.org.br/noticias/6999/Justi%C3%A7a+do+Amazonas+reconhece+v%C3%ADnculo+de+maternidade+socioafetiva+post+mortem