21 de January de 2015
MEDIDA CAUTELAR PARA OBSTAR TRANSFERÊNCIA DE AÇÕES DA CRT E ORDINÁRIA PARA REVOGAR PROCURAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO E ANULAR VENDA DE AÇÕES.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE DA RSG. Hipótese em que não se apresentam as situações descritas nos incisos do art. 70 do CPC, sendo mantida a improcedência da denunciação. REVOGAÇÃO DE MANDATO. A Procuração em causa própria é irrevogável e não sujeita o mandatário à prestação de contas, visto já ter pago o preço, nem à diferença de preço obtido. Exegese do art. 1.317 do Código Civil. VENDA DE AÇÕES. O arrependimento da parte autora em relação à venda de ações não invalida o negócio celebrado entre partes maiores e capazes. Indemonstrado o vício de consentimento e a alegada lesão, a sentença de improcedência da ordinária que visa revogar o instrumento de procuração e anular a venda de ações é medida que se impõe, e, de conseqüência, a improcedência da cautelar que objetivava obstar a transferência de ações. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL

DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

N 70.004.058.889

RIO PARDO

ADIVAR GUSBERTI APELANTE

CARLOS A SOUZA E CIA. LTDA. APELADO

RSG CONSULTORIA DE INVESTIMENTOS E PARTIC. LTDA. INTERESSADA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso de apelação.

Custas, na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Desembargadores, Paulo Augusto Montes Lopes, Presidente, e Claudir Fidelis Faccenda.

Porto Alegre, 12 de junho de 2002.

DRA. ANA BEATRIZ ISER,

Relatora.

RELATÓRIO

DRA. ANA BEATRIZ ISER (RELATORA) –

Trata-se de medida cautelar inominada, ajuizada por CARLOS A SOUZA & CIA. LTDA. contra ADIVAR GUSBERTI, que objetiva a suspensão da transferência de ações até final da ordinária de revogação de mandato por instrumento público e de nulidade da compra e venda, na qual foi deferida liminar e prestada caução.

Citado, contestou o demandado (fls. 35/41), denunciando da lide a empresa para quem substabeleceu o mandato, a RSG Consultoria de Investimentos e Participações Ltda., que apresentou defesa nos autos da ordinária (fls. 134/142).

Em audiência de instrução, foi tomado o depoimento pessoal do representante legal da empresa autora e ouvidas testemunhas, seguindo-se a apresentação de memoriais (fls. 98/104 e 112/118), após encerrada a instrução.

Sobreveio sentença (fls. 127/143), que julgou conjuntamente as ações cautelar e a ordinária, entre as mesmas partes, dando-lhes provimento de procedência, para o fim de invalidar o contrato de compra e venda das ações e o instrumento de mandato, determinando o desbloqueio das ações, com sua restituição ao demandante e entregue ao réu, já descontado o valor das custas e honorários do demandante e seus procuradores, o valor dado em caução bem como para, confirmar a liminar, determinando permaneçam bloqueadas ao réu as 46.428 ações tipo PN; por fim, julgar improcedentes as denunciações havidas na ordinária e na cautelar.

Inconformado, apelou o réu (fls. 146/160), sustentando que a cautelar e a ordinária merecem juízo de improcedência, posto que há impossibilidade jurídica do pedido, na medida em que o mandato em causa própria é irrevogável; a procuração foi feita em cartório, dentro dos estritos ditames legais, sendo lida para o autor, que conheceu seu conteúdo, inclusive o teor da cláusula de irrevogabilidade; o recorrido estava no amplo direito de substabelecer o mandato e negociar as ações, o que torna incabível o entendimento esposado pelo julgador; restou demonstrado que o autor conhecia o valor que lhe fora ofertado para realização do negócio bem como o preço pago pelas ações, isto é, o valor de balcão, que não tinha e não tem referência com o valor patrimonial; a negociação foi efetivada pelo preço de mercado, à época, maio/96, a média de R$ 0,10; o depoimento do autor é no sentido de que vendeu as ações de livre e espontânea vontade, tanto que procurou outros corretores e só vendeu pela melhor oferta e a quem lhe interessava, tendo demonstrado inconformidade com a venda somente após treze meses da venda, quando as ações estavam em alta no mercado, restando, com isso, evidenciada a inexistência de dolo, erro ou lesão capaz de justificar a revogação do mandato; havia, aliás, um conhecimento geral, pela população, dos fatos que estavam ocorrendo, tanto as notícias veiculadas através de televisão, revistas e jornais; o negócio relativo à compra e venda de ações é incerto e por longo período os investidores sofreram perdas, ante as quedas de mercado, e nem por isso buscaram junto aos vendedores os valores que efetivamente perderam em seus negócios. Sustentou o descabimento da cautelar, posto que inexistente o periculum in mora e a inexatidão do valor da caução, que deveria ser, no caso, de R$ 35.749,56, valor apontado pela parte autora como o correto para a venda das ações. Sustentou a necessidade de a denunciação da lide ser julgada procedente, a fim de possibilitar o reembolso, em caso de ganho da ação. Concluiu pela legalidade da negociação, colacionando julgados acerca da matéria. Postulou o provimento do recurso de apelação.

Com preparo (fl. 270-v.), subiram os autos, e, por distribuição, vieram a esta Relatora.

É o relatório.

VOTO

DRA. ANA BEATRIZ ISER (RELATORA) –

Cumpre inicialmente referir que a hipótese não comporta juízo de procedência da denunciação da lide, posto que inocorrente qualquer das situações descritas nos incisos do art. 70 do CPC, a acarretar a manutenção da sentença e a condenação do apelante ao pagamento dos ônus decorrentes da sucumbência, na forma fixada na sentença.

Entretanto, no que concerne ao juízo de procedência da cautelar e da ordinária, dou provimento ao apelo para modificar o provimento judicial para improcedência.

Após alienar o lote de 46.428 ações da CRT, ingressou o autor com ação visando anular o negócio realizado com Adivar Gusberti, eis que cobrou R$ 3.500,00 pelo montante das ações, quando, em 29.04.96, cada ação possuia o valor nominal de R4 0,77, o que importaria receber o valor de R$ 35.749,56. Alegou a existência de vício de consentimento e de lesão, que geraram enriquecimento de uma das partes e empobrecimento da outra.

Ocorre que não se denota dos autos nem a existência de vício de consentimento, nem há prova da alegada lesão.

A procuração foi outorgada em causa própria, em caráter irrevogável, irretratável, independentemente de prestação de contas ao mandante pelo mandatário, que não fica sujeito a pagar ao mandante diferença de preço obtido. Inserta no instrumento a cláusula “in rem suam”, desaparece o interesse econômico do mandante, e, por tratar-se de mandato de simples execução de negócio já concluído, posto que a vendedora já recebera o preço, há impossibilidade de ser revogada, por implicar transferência de direitos.

E como afirmado pelo apelado, o preço restou quitado, tendo a empresa autora recebido pelo lote de ações o valor de R$ 3.500,00.

O depoimento pessoal do representante da empresa autora, tomado nos autos da cautelar, afasta a existência de vício de consentimento, seja na forma de erro, dolo ou coação.

No que concerne à alegada lesão, a alea faz parte do negócio, notadamente quando se refere a ações, que oscilam a todo momento, havendo a variação no preço até dentro de um mesmo dia, o que não se dirá após treze meses.

Como bem colocou o demandado em sua defesa, uma coisa é o valor patrimonial das ações, outra é o seu valor de mercado, e, no caso concreto, restou evidenciado que a venda foi feita pelo valor de mercado das ações.

Destaco que o arrependimento da autora em relação à venda feita não torna inválido o negócio, celebrado entre partes maiores e capazes.

Assim, a improcedência da ordinária é medida que se impõe, a tornar sem efeito, de conseqüência, a liminar concedida no bojo da cautelar, determinando a devolução da caução para quem a prestou.

Dou parcial provimento, portanto, ao recurso de apelação, invertendo os ônus da sucumbência quanto à cautelar e a ordinária, mantida a sentença no que concerne à denunciação e sucumbência dela decorrente.

DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES (PRESIDENTE) - De acordo.

DES. CLAUDIR FIDELIS FACCENDA - De acordo.

Decisor de 1º Grau: Daniel André Kohler Berthold.

Disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

http://www.tjrs.jus.br/