Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves
Tema(s): Negatória de paternidade Filiação socioafetiva Registro civil
Tribunal TJRS
Data: 11/02/2015
PODER JUDICIÁRIO
---------- RS ----------
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SFVC
Nº 70058658790 (Nº CNJ: 0058442-61.2014.8.21.7000)
2014/Cível
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO CIVIL. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. DESCABIMENTO DA AJG. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. A anulação do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude). 3. Se o autor registrou a criança há mais de trinta anos, mesmo sabendo da grande probabilidade desta não ser sua filha, e a tratou sempre como filha, então não pode pretender a desconstituição do vínculo, pela inexistência do liame biológico. 4. É inequívoca a voluntariedade do ato, pois a autora nasceu quase dois anos antes do casamento do autor com a genitora da ré, não havendo dúvida alguma sobre a paternidade socioafetiva. Recurso desprovido.
Apelação Cível
Sétima Câmara Cível
Nº 70058658790
(Nº CNJ: 0058442-61.2014.8.21.7000)
Comarca de Panambi
A.B.D.F.
..
APELANTE
C.D.
..
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro e Des.ª Sandra Brisolara Medeiros.
Porto Alegre, 16 de abril de 2014.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (RELATOR)
Trata-se da irresignação de ADAIR B. D. F., com a r. sentença que julgou improcedente a ação negatória de paternidade que move contra CAROLINE D.
Sustenta o recorrente que a recorrida não é sua filha biológica e que nunca relacionamento socioafetivo. Diz que, embora tenha registrado a paternidade em relação à recorrida, ela sempre foi criada pelos avós maternos. Alega que, não havendo liame biológico, não se pode imputar a paternidade. Aduz que os elementos caracterizadores da posse do estado de filho não estão presentes, pois jamais houve convivência entre as partes. Pretende seja desconstituída a paternidade em relação à recorrida.
Intimada, a recorrida apresentou contra-razões sustentando que o recorrente assumiu a paternidade por livre e espontânea vontade. Diz que o motivo da demanda é o fato de o recorrente ter direitos a valores e bens de uma herança de seu pai e não querer que no futuro ela tenha qualquer tipo de direito. Refere que os depoimentos confirmam a existência de uma relação social, afetiva e familiar entre as partes, inclusive com a continuidade do casamento da sua mãe e o recorrente e a existência de mais irmãos. Destaca que o reconhecimento voluntário é irrevogável. Pede o desprovimento do recurso.
Com vista aos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Foi observado o disposto no art. 551, § 2º do CPC.
É o relatório.
VOTOS
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves (RELATOR)
Estou desacolhendo o pleito recursal.
Com efeito, a sentença não merece reparo, pois não restou demonstrada a ocorrência de vício de consentimento capaz de macular o ato jurídico de reconhecimento da filiação. Ou seja, embora o autor tenha afirmado que acreditava que a filha era sua e que somente veio a descobrir isso há pouco tempo, este fato não é verdadeiro, pois ele mesmo, em suas próprias declarações, afirma que registrou a ré para que a menina não ficasse desamparada, já que se casou com a mãe dela (CD fl. 60).
Portanto, o autor sabia ou pelo menos tinha fundadas razões para não promover o registro da criança, mas optou por assumir livremente a paternidade, o que não deixa de ser um gesto nobre. Mas não pode agora alegar que foi induzido a erro, pois falsear a verdade constitui litigância de má-fé !
Aliás, somente após a ruptura da relação afetiva com a genitora da recorrida, é que o autor resolveu tomar providência para romper também o liame jurídico de paternidade com a filha biológica dela, esquecendo-se porém do vínculo socioafetivo existente, o qual apesar da menina saber que não era sua filha, ele sempre foi sua figura paterna. Ainda que não tenha afeto pela ré, o que é uma questão subjetiva, inequivocamente está presente a posse do estado de filha.
Portanto, além de não ter sido induzido a erro o autor, que voluntariamente promoveu o registro da filha, mesmo sabendo que não era o pai biológico dela, ficou claríssima a relação socioafetiva entretida entre ele e a filha CAROLINE.
Observo, pois, que o ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB), sendo que a desconstituição do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico, tais como coação, erro, dolo, simulação ou fraude.
No caso em exame, ficou bastante claro que não houve vício algum no ato jurídico de reconhecimento da filha, mas mero arrependimento do autor pelo estabelecimento do vínculo parental e, ao que se infere, a inconformidade se dá mesmo em razão dele ter recebido alguns bens como herança e ele não quer que a recorrida tenha direito a eles um dia...
Diante disso, extrai-se, com clareza solar, o total descabimento da pretensão deduzida pelo autor, sendo pacífico o entendimento jurisprudencial desta Câmara no sentido de que é irrevogável o reconhecimento da paternidade em situações como a que foi posta na presente ação, como se vê:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. NÃO CARACTERIZADO ERRO OU VÍCIO DE CONSENTIMENTO. O reconhecimento do filho no registro de nascimento é irrevogável. Inteligência do art. 1.609 do CC e art. 1º da Lei n. 8.560/92. A anulação do ato somente é admitida quando demonstrada a existência de coação, erro, dolo, simulação ou fraude, o que não se verifica na espécie. Inviável anular o registro civil da menor realizado por livre vontade do apelante. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054450713, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 28/08/2013)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PERFILHAÇÃO. REGISTRO CIVIL. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável, nos termos do que dispõem o artigo 1º da Lei nº 8.560/92 e artigo 1.609 do CCB, impondo-se que seja provada a ocorrência de vício do ato jurídico, ou seja, erro, dolo, coação, simulação ou fraude, para que se possa admitir a anulação do registro civil. O simples arrependimento e a alegada ausência de liame afetivo não são suficientes para a procedência da ação negatória de paternidade. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível Nº 70053552659, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 06/06/2013)
APELAÇÃO C[ÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO. VÍCIO INEXISTENTE. O reconhecimento de filho é um ato jurídico irrevogável e irretratável, de acordo com os arts. 1º da Lei nº 8.560/92 e 1.609 do Código Civil, sendo que a anulação do registro apenas é possível quando comprovada a ocorrência de um dos vícios do ato jurídico, tais como coação, erro, dolo, simulação ou fraude. Na hipótese, não houve vício algum no ato jurídico de reconhecimento da filha, senão mero arrependimento do autor pelo estabelecimento do vínculo parental, cabível o indeferimento da inicial. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70052346533, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 13/12/2012)
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. REGISTRO CIVIL. INOCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. 1. O ato de reconhecimento de filho é irrevogável (art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do CCB). 2. Se o autor entabulou acordo em ação de investigação de paternidade e registrou a criança, mesmo sabendo da probabilidade de não ser sua filha biológica, pois poderia, na ocasião postular exame de DNA, então não pode pretender a desconstituição do vínculo, pois foi inequívoca a voluntariedade do ato. 3. A anulação do registro, para ser admitida, deve ser sobejamente demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico (coação, erro, dolo, simulação ou fraude), não se prestando a presente ação para sanar dúvida e, muito menos, para tentar desconstituir acordo entabulado em ação de investigação de paternidade. 4. Se o autor não aponta nenhum desses vícios na formalização do registro, mas acena apenas para a dúvida acerca do liame biológico, então é manifestamente vazia a pretensão deduzida. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70051120673, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 24/10/2012)
Portanto o autor não foi induzido a erro ao registrar a filha e assumiu voluntariamente o vínculo parental, mesmo ciente da inexistência do vínculo biológico, nada justificando o seu arrependimento.
Com tais considerações, estou acolhendo, também como razão de decidir, os argumentos postos no parecer do Ministério Público, de lavra do eminente PROCURADOR DE JUSTIÇA ROBERTO BANDEIRA PEREIRA, que peço vênia para transcrever, in verbis:
No mérito, deve ser desprovido.
Em que pesem os argumentos expostos, com a devida vênia, não merece reforma a sentença. Isso porque o apelante, consoante se verifica na certidão de nascimento acostada (fl. 10), declarou ser o pai de Caroline sendo tal manifestação irrevogável, nos termos do que dispõe o artigo 1.609 do Código Civil.
Nessa linha, em decorrência de tal regra, não obstante o exame de DNA comprovando a inexistência de paternidade biológica, impossível alterar-se o registro da jovem, uma vez que nenhum vício quanto à manifestação da vontade foi comprovado nos autos, quando do registro de nascimento.
Outrossim, observa-se que o reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável, como já referido. Portanto, uma vez consolidado o estado de filiação da apelada, nascida em 18/02/1982 (fl. 10), em relação ao pai registral/apelante, impossível se faz acolher a pretensão posta no recurso.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte, ao examinar questão análoga, assim ementada:
“Apelação Cível. Negatória de Paternidade. Vício de vontade não comprovado. Irrevogabilidade do reconhecimento voluntário de paternidade. Indeferimento do Exame de DNA. Agravo Retido. Inutilidade da prova pericial ante a impossibilidade de alterar o registro. 1. O reconhecimento voluntário de paternidade é irrevogável e irretratável, e não cede diante da simples dúvida do reconhecente. 2. Ainda que o exame de DNA viesse a afastar a paternidade biológica, não teria o condão de alterar o reconhecimento da paternidade constante do registro de nascimento. Logo, não há razão para permitir sua realização se nenhum dos vícios aptos a desconstituir o registro – erro, dolo ou coação – for sequer ventilado na instrução. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA)(Apelação Cível nº 70020274551, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 29/08/2007”. (Grifo nosso).
4. Isto posto, manifesta-se o Ministério Público pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.
Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro (REVISORA) - De acordo com o (a) Relator (a).
Des.ª Sandra Brisolara Medeiros - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70058658790, Comarca de Panambi: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador (a) de 1º Grau: KATIUSCIA KUNTZ BRUST
Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 11 de Fevereiro de 2015