Relator: Antônio Mônaco Neto
Tribunal TJBA
Data: 21/11/2014
1.Relatório
Tratam os presentes autos de AÇÃO ORDINÁRIA DE NULIDADE DE CLAUSULA DE ACORDO JUDICIAL movida por J.F.A., por intermédio de advogado regularmente constituído, em face de E.M.C.K., qualificada na exordial, buscando prestação jurisdicional que lhe garanta a nulidade de clausula de acordo judicial decorrente de Divórcio Consensual homologado por este Juízo.
Requisitou preliminarmente o autor a concessão da assistência judiciaria gratuita.
Aduziu, em síntese, que de Ação de Divórcio Consensual entre o Requerente e a Requerida que tramitou na presente vara no ano de 1995, celebrou-se acordo no qual, em uma de suas clausulas, a qual visa anular na presente ação, foi outorgado à acionada a propriedade do imóvel localizado na Av. Princesa Izabel, Graça, sendo a referida clausula nula, por ter agido o autor por ignorância da lei, expressa nos arts. 1.175 e 1.176 do Código Civil de 1916, além de que a parte ré teria agido dolosamente no período do divórcio, com o fim de vender a propriedade.
A parte Ré realizou contestação intempestiva (fls. 84 à 89), tornando-se revel. Juntou documentos de FLS. 90/132
O autor apresentou réplica à contestação (fls. 137 à 145), onde afirmou que a contestação da parte ré é intempestiva, além de impugnar os fatos apresentados na contestação intempestiva, reforçando a nulidade da clausula em questão. Juntou documentos de fls. 146 à 153.
Ouvido o Ministério Público, proferiu parecer opinando pelo não acolhimento da arguição de nulidade da cláusula em questão.
Por se tratar de questão eminentemente de direito, foi anunciado o julgamento antecipado da lide. Intimadas as partes por seus advogados, não houve qualquer resposta das mesmas.
Assim, vieram-me os autos conclusos para sentença.
2.Fundamentação
2.1 – Da intempestividade da contestação e da revelia
Constatada a data da citação da parte ré, 16 de Março de 2006, bem como a data na qual ofereceu contestação, 20 de Abril de 2006, nota-se que esta foi oferecida fora do prazo reservado por lei de 15 dias para a contestação, sendo intempestiva e ocorrendo os efeitos da revelia.
Ocorre a revelia ou contumácia quando, regularmente citado, o réu deixa de oferecer resposta à ação, no prazo legal. Importante destacar que o réu não tem o dever de contestar o pedido, mas deve suportar o ônus, caso não o faça.
No entanto, é importante observar a lição de Humberto Theodoro Junior:
“Isto, porém, não quer dizer que a revelia importe automático julgamento de procedência do pedido. […] De mais a mais, embora aceitos como verídicos os fatos, a consequência jurídica a extrair deles pode não ser a pretendida pelo autor. Nesse caso, mesmo perante a revelia do réu, o pedido será julgado improcedente” ( THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. 50º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 393-394)
Entendimento semelhante é o de Fredie Didier Junior, o qual afirma que:
“A revelia não significa vitória do autor na causa, pois os fatos podem não se subsumir a regra de direito invocada. Ao réu revel é permitido, sem impugnar os fatos, tratar, apenas, do direito.
A confissão ficta, principal efeito da revelia, não equivale ao reconhecimento da procedência do pedido. Como qualquer confissão, incide apenas sobre os fatos afirmados pelo demandante”. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, Vol. 1. 14ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2012. p. 543.)
É importante destacar, também, que, mesmo que a contestação seja intempestiva e o réu considerado revel, não é obrigado o juiz a desentranhar a peça dos autos e descartar suas respectivas informações, não sendo, estes, efeitos da revelia. Consoante é o entendimento do STJ:
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - DEMANDA INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO - QUESTÃO PROCESSUAL - CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA - DEVOLUÇÃO DOS AUTOS ALÉM DO PRAZO LEGAL - PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO - INVIABILIDADE - PRINCÍPIO DA DOCUMENTAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS.
I - A previsão legal (CPC, artigo 195) de desentranhamento de peças e documentos apresentados juntamente com os autos - devolvidos em cartório além do prazo legal - não impede permaneçam nos autos, conquanto sem efeito jurídico, em observância ao princípio da documentação dos atos processuais.
II - O desentranhamento da contestação intempestiva não constitui um dos efeitos da revelia. O réu revel pode intervir no processo a qualquer tempo, de modo que a peça intempestiva pode permanecer nos autos, eventualmente, alertando o Juízo sobre matéria de ordem pública, a qual pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição. Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no Ag: 1074506 RS 2008/0170522-8, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 17/02/2009, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2009 RDDP vol. 74 p. 153)
2.2 – Da Nulidade
2.2.2 – No Direito Civil
A nulidade é uma sanção pela ofensa a determinados requisitos legais, não devendo produzir efeito jurídico, em função do defeito o qual possui. Com o fim de restituir a normalidade e a segurança das relações jurídicas, o direito civil admite, e em certos casos impõe, o reconhecimento da declaração de nulidade.
Esta nulidade, no entanto, possui níveis, de acordo com o tipo de elemento violado, podendo ser absoluta ou relativa. Nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
“[...] é correto dizer-se que o ato nulo (nulidade absoluta), desvalioso por excelência, viola norma de ordem pública, de natureza cogente, e carrega em si vício considerado grave.
O ato anulável (nulidade relativa), por sua vez, contaminado por vício menos grave, decorre da infringência de norma jurídica protetora de interesses eminentemente privados.” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 1 : parte geral. 14. ed. São Paulo : Saraiva, 2012)
Diferentemente da nulidade absoluta, a nulidade relativa (anulabilidade), a qual verifica ser a que se enquadraria na presente demanda, não tem efeito antes de julgada por sentença e não poderá ser pronunciada de ofício, exigindo, pois, para o seu reconhecimento, alegação dos legítimos interessados. Advertem ainda GAGLIANO e PAMPLONA FILHO que “a anulação do ato negocial, sem pedido expresso de restituição da coisa indevidamente transferida ao réu, não permite ao juiz concedê-lo de ofício, à luz do princípio processual do nemo judex sine actore.” (GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 1 : parte geral. 14. ed. São Paulo : Saraiva, 2012).
Trazia o Código Civil de 1916, em seu artigo 147, bem como o referente a esta temática no código civil de 2002, este, acrescido dos casos de lesão e estado de perigo (art. 171), os casos de anulabilidade de um ato jurídico, in verbis:
Art. 147. É anulável o ato jurídico:
I. Por incapacidade relativa do agente (art. 6).
II. Por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação, ou fraude (art. 86 a 113).
A parte autora aduz o vício que afirma existir é decorrente de erro, um vicio de consentimento, o qual será tratado adiante.
2.2.1 – No Direito Processual Civil
No campo do processo civil, a codificação e a doutrina pátria entendem haver dois tipos de nulidade: a absoluta e a relativa. O primeiro tipo é aquele contrário ao ordenamento e que não são sanáveis, nascendo ineficazes e não produzindo efeitos jurídicos, devendo o juiz decretar a nulidade de oficio; já o segundo tipo, embora apresente vício, é capaz de produzir efeitos, se a parte não requerer a sua invalidação. Importante destacar que a nulidade pode atingir toda a relação processual como um determinado ato do procedimento.
Nas palavras de Humberto Theodoro Junior:
“Quando a ilegalidade atinge tutela de interesses de ordem pública, ocorre a nulidade ( ou nulidade absoluta), que ao juiz cumpre decretar de ofício, quando conhecer do ato processal viciado […].
Sempre, porém, que a ilegalidade tiver repercussão sobre interesse apenas privado da parte (que, por isso, tem disponibilidade do direito tutelado pela norma ofendida), oque ocorre é a anulabilidade ( ou nulidade relativa). Pela menor repercussão social do vício, a lei reserva para o titular da faculdade prejudicada o juízo de conveniência sobre anular ou manter o ato defeituoso. Não cabe ao juiz, por sua própria iniciativa, decretar a invalidação de ato apenas anulável. Sem o requerimento da parte interessada, o ato se convalida ( é como se não portasse o defeito que nele se instalou).” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Vol. I. 50º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 288)
Ao que se verifica, a pretensão analisada refere-se à nulidade relativa, devendo a parte que demanda a nulidade comprova-la, para que o juiz, se entender que há a nulidade relativa, decreta-la, na forma do art. 249.
2.3 – Do erro
O erro é uma das hipóteses dos chamados Vícios do negócio Jurídico, que são os vícios que impedem seja a vontade declarada livre e de boa-fé, prejudicando, por conseguinte, a validade do negócio jurídico.
O defeito do negócio jurídico em tela expressa uma equivocada representação da realidade, uma opinião não verdadeira a respeito do negócio, do seu objeto ou da pessoa com quem se trava a relação jurídica. Este defeito do negócio, portanto, vicia a própria vontade do agente, atuando no campo psíquico (subjetivo).
Para que seja anulável, entende a codificação que o erro deve ser substancial, ou seja, é aquele sem o qual não o teria realizado. No Código Civil de 1916, vigente à época do acordo homologado por este juízo, onde houve a doação do imóvel em questão, decorrente de divórcio consensual, tratam do erro substancial os arts. 87 e 88, equivalentes ao art. 139 do CC de 2002:
Art. 87. Considera-se erro substancial o que interessa à natureza do ato, o objeto principal de declaração, ou alguma das qualidades a ele essenciais.
Art. 88. Tem-se igualmente por erro substancial o que disser respeito a qualidades essenciais da pessoa, a quem se refira a declaração de vontade.
No que afirma a parte autora ser desconhecedora da lei e, por isso, ter ocorrido erro, deve se observar o disposto no art. 3 do Decreto-lei 4.657 de 1942, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro:
Art. 3 - Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.
Dessa forma, não cabe a alegação do autor de que incidiu em erro por desconhecer a lei, não havendo falsa compreensão da realidade, ainda mais ao ter sido assistido por um advogado, tendo, inclusive, o divórcio consensual sido referendado pelo Ministério Público à época e homologado por este Juízo.
Analogamente, entendem a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espirito Santo e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
AGRAVO INTERNO NA APELAÇAO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. MODIFICAÇAO CLÁUSULA. SEPARAÇAO. PARTILHA DE BENS. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. ANULAÇAO. NAO DEMONSTRAÇAO DA EXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. REVELIA. PRESUNÇAO APENAS RELATIVA. RECURSO DESPROVIDO. 1 - O efeito da revelia não dispensa a presença, nos autos, de elementos suficientes para a persuasão do juiz. A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor é relativa, e não absoluta, podendo ceder frente às provas existentes nos autos, em consonância com o princípio do livre convencimento do juiz. 2 - O acordo celebrado pelas partes, em audiência de conciliação realizada perante o juiz de direito, reveste-se da forma de negócio jurídico, podendo ser anulada a sentença homologatória somente quando comprovada a existência de vício de consentimento. 3 - Inexistindo prova de qualquer vício capaz de macular o acordo entabulado em audiência, e devidamente homologado pelo Juiz competente, inclusive com a presença do representante do Ministério Público, o arrependimento posterior não é motivo suficiente para ensejar a nulidade da sentença que o homologou. 4 - Embora se deva reconhecer que a situação emocional das pessoas que litigam para desfazer o casamento possa provocar descontroles emocionais, tal argumento não se mostra idôneo à invalidação de cláusula constante do acordo de separação. Recurso a que se nega provimento.
(TJ-ES - AGT: 2070001116 ES 002070001116, Relator: CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Data de Julgamento: 19/05/2009, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/07/2009)
DIREITO DE FAMÍLIA. ANULATÓRIA DE DECISÃO JUDICIAL QUE HOMOLOGOU PARTILHA AMIGÁVEL DE BENS OPERADA EM SEDE DA SEPARAÇÃO CONJUGAL. SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO ANUAL COM FULCRO NO ART. 1.029, PARÁGRAFO ÚNICO, INC. II, DO CPC. INCIDÊNCIA, NO CASO, CONTUDO, DO PRAZO QUADRIENAL PREVISTO NO ART. 178, INC. II, DO CC/2002. PRECEDENTES DA CORTE E DO STJ. APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º, DO CPC. IMÓVEL DO CASAL DOADO AOS FILHOS, COM CLÁUSULA DE USUFRUTO VITALÍCIO A AMBOS OS SEPARANDOS. POSTERIOR INTERESSE DA AUTORA EM ALIENAR A SUA PARTE DO TERRENO. ALEGAÇÃO DE QUE, À ÉPOCA DA AVENÇA, INCORRERA EM ERRO, PORQUANTO DESCONHECIA A NATUREZA DO INSTITUTO. IMPOSSIBILIDADE. IGNORÂNCIA QUE NÃO CONFIGURA VÍCIO DE CONSENTIMENTO, TANTO MAIS SE A PARTE ESTAVA ASSISTIDA POR ADVOGADO QUANDO DA CELEBRAÇÃO DO ATO (ART. 138 DO CC). IRRELEVÂNCIA, ADEMAIS, DA AUTORIZAÇÃO DOS DONATÁRIOS PARA A SUA INVALIDAÇÃO. PEDIDO INACOLHIDO. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. 1. O prazo prescricional anual a que alude o art. 1.029, parágrafo único, inc. II, do CPC diz respeito, tão-somente, à anulação de partilha amigável derivada sucessão hereditária, não incidindo, assim, sobre a pretensão de anular divisão consensual de bens operada em sede de separação conjugal, cujo lapso é de 04 (quatro) anos, a teor do art. 178, inc. II, do CC.
2. Inviável o pleito da parte que, arrependida do acordo judicial homologatório de partilha amigável em separação conjugal, invoca haver incorrido em erro essencial porquanto ignorava a lei quanto aos efeitos patrimoniais da cláusula de constituição de usufruto, tanto mais se o fez assistida por advogado (art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil).
(TJ-SC - AC: 286102 SC 2009.028610-2, Relator: Eládio Torret Rocha, Data de Julgamento: 20/05/2011, Quarta Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Criciúma)
2.4. Conclusão
Verifica-se que o agente é capaz, o objeto, lícito, e a forma prescrita ou não defesa em lei, fora representado por advogado regularmente constituído, realizando doação voluntária em acordo homologado por este Juízo em divórcio consensual, não tendo sido demonstrado vício que determine a anulação da cláusula questionada, haja vista o desconhecimento da lei não é motivo suficiente para tal, somado ao fato de que o ora requerente, a época do divórcio, ter sido assistido por um advogado, tratando-se, portanto, de mero arrependimento.
3.Decisão
Defiro os pedidos de assistência judiciaria gratuita das partes autora e ré.
Destarte, ante o escandido e tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, não reconhecendo nulidade de cláusula de acordo de separação judicial.
Transitado em julgado, determino ao cartório que certifique nos autos e, após, baixa na distribuição e arquivamento do feito, com a devida remessa para SECAPI, conforme as práticas de estilo.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Antônio Mônaco Neto
Juiz de Direito
Disponível na Jurisprudência do IBDFAM do Dia 21 de Novembro de 2014
http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2893/Nulidade%20de%20cláusula.%20Propriedade.%20Imóvel.%20Acordo