*A autora é advogada sócia da Tatsch Advogados Associados, assessora jurídica do Colégio Notarial do Brasil, mestre em Direito pela UNISINOS, especialista em Direito Processual Civil pela UNISINOS, professora de Direito Civil Parte Geral da UNISINOS e coordenadora da especialização em Direito Notarial e Registral da UNISINOS, professora do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, professora da Escola Superior da Advocacia do Rio Grande do Sul, coautora da obra "Escrituras Públicas de Separação, Divórcio, Inventário e Partilha Consensuais - análise civil, processual civil, tributária e notarial", publicado pela editora RT, organizadora e coautora da obra "Direito Sucessório em Perspectiva Interdisciplinar", publicado pela editora Elsevier, organizadora e coautora da obra "Direito de Família em Perspectiva Interdisciplinar", publicado pela editora Elsevier e, ainda, colunista do Boletim Eletrônico INR e responsável pela Sala Temática sobre Direito Notarial, no Portal do Grupo SERAC (http://www.gruposerac.com.br). Nota da Redação INR: os editores das Publicações INR – Informativo Notarial e Registral alertam que os direitos relativos ao artigo opinativo publicado nesta edição foram adquiridos onerosamente por meio de contrato de cessão celebrado com o autor e que a sua reprodução, em qualquer meio de comunicação, é terminantemente proibida. A procuração é o instrumento pelo qual se materializa a outorga de poderes por mandato. O mandato é um negócio jurídico, consensual, personalíssimo, preparatório, revogável e bilateral imperfeito, pelo qual alguém fica apoderado para praticar atos em nome e no interesse de outrem. O mandato não se confunde com a representação, muito embora possa constar representação privada e voluntária no contrato de mandato, caso um dos contratantes, o mandante, de modo espontâneo, confira poderes a outra pessoa, o mandatário, para que este celebre ato ou atos jurídicos em seu nome. O Código Civil dispõe sobre a representação e sobre o mandato em partes diferentes. A representação vem disciplinada na Parte Geral, no Livro III, Título I, que trata do negócio jurídico (arts. 115 a 120). Já o mandato tem sua regulamentação na Parte Especial, no Livro I, Título VI, juntamente com os contratos em espécie (arts. 653 a 692). Pois bem, separados pela distância física dos caracteres e teleológica, o mandato com cláusula em causa própria e a representação com cláusula de celebração consigo mesmo, por vezes são confundidos, o que não deve acontecer, pois são coisas distintas! O art. 117 do Código Civil, com uma redação pouco pragmática, ou no mínimo invertida, prevê que o ato celebrado pelo representante consigo mesmo é inválida, mais precisamente, é anulável: “Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos.” Assim, o ato ou negócio jurídico que o representante realizar consigo mesmo, ainda que preenchidos todos os requisitos nucleares do suporte fático, ingressa no mundo jurídico inválido, ou seja, passível de anulação por decisão judicial. No entanto, o ingresso defeituoso no mundo jurídico pode ser evitado, desde que o representado ou a lei permitam a celebração pelo representante consigo mesmo. Portanto, o representado poderá, por meio de autorização expressa, conceder poderes especiais para que o representante celebre ato ou negócio jurídico consigo mesmo, restando superada a causa de anulação. A autorização deverá seguir a forma adotada para a outorga dos poderes, o que significa dizer, mediante a inclusão de cláusula específica na procuração. Atenção! Referida cláusula não se confunde com a procuração em causa própria. A cláusula inserida para afastar a causa de anulação prevista no art. 117 do Código Civil não afasta a natureza de representação, nem o dever de prestação de contas e, ainda, no caso de falecimento do representado/mandante, opera-se a extinção do mandato. Coisa distinta é o mandato com cláusula “em causa própria”, que poderá ser incluída na procuração. Neste caso, o mandatário atua para si mesmo, circunstância que o isenta da prestação de contas, até porque o negócio é celebrado no seu interesse exclusivo, normamente porque já foram satisfeitos todos os interesses do mandante. A procuração em causa própria é muito mais um negócio jurídico translativo de direitos reais ou creditícios, do que um contrato de representação de interesses próprios, daí a sua irrevogabilidade e sua não extinção no caso de morte de qualquer uma das partes. Em que pese o Código Civil tratar do mandato em causa própria apenas no art. 685, feita uma rápida pesquisa nos Códigos de Normas Extrajudiciais de alguns Estados, como a Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, e na Consolidação Normativa Notarial e Registral do Rio Grande do Sul, verificou-se que em todos estes Estados os requisitos da procuração em causa própria estão previstos em normas, sendo exigidos os mesmos requisitos da compra e venda, o que faz todo o sentido, considerando-se a natureza mais translativa do que representativa do referido mandato. Além da descrição do objeto, do preço e do consentimento, é pressuposto para que se caracterize a procuração em causa própria o pagamento do Imposto de Transmissão, inter vivos, no caso de transmissão a título oneroso, ou doação, no caso de transmissão a título gratuito. A ausência de qualquer dos requisitos desnatura a procuração em causa própria, ainda que por meio dela sejam outorgados poderes para transferência de bem para o próprio outorgado/mandatário. Neste caso, a cláusula poderia apenas servir para afastar a causa de anulação, prevista no art. 117 do Código Civil, e permitir a celebração de ato ou negócio jurídico pelo representante consigo mesmo. Fonte: http://gruposerac.com.br