19 de January de 2015
Registro civil. Casamento. Apelido de família

Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves

Tema(s):Registro civil Casamento Apelido de família

Tribunal TJRS

Data: 16/01/2015

REGISTRO CIVIL. CASAMENTO. POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DO APELIDO DE FAMÍLIA DO MARIDO PELA CÔNJUGE E SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO MATERNO. PERMANÊNCIA DO PATRONÍMICO PATERNO. IDENTIFICAÇÃO DO TRONCO FAMILIAR. 1. Ao casar o cônjuge pode acrescer aos seus os apelidos de família do outro cônjuge. Inteligência dos art. 1.565, §1º, CCB. 2. O sistema registral é de inclusão e não de exclusão e está submetido ao princípio da legalidade, sendo que a liberdade individual encontra limite nas disposições de ordem pública. 3. A possibilidade de alteração de nome no casamento constitui exceção dentro da regra geral de imutabilidade e, sendo exceção, deve ser interpretada restritivamente. 4. Considerando que a autora possui motivos ponderáveis para suprimir o patronímico materno e considerando que tal medida é usual em nossa sociedade, correta a sentença que atendeu o pedido nessa parte, indeferindo-o com relação à supressão do patronímico paterno, que identifica o tronco familiar. Recurso desprovido.

APELAÇÃO CÍVEL

SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70 060 868 775

(N° CNJ: 0279440-66.2014.8.21.7000)

COMARCA DE IJUÍ

MICHELE ADAM EIDT

APELANTE

A JUSTICA

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO E DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS.

Porto Alegre, 27 de agosto de 2014.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES,

Relator.

RELATÓRIO

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)

Trata-se da irresignação de MICHELE A. E. com a r. sentença que julgou parcialmente procedente a ação de retificação de registro civil por ela proposta, para que o seu nome passe a ser em virtude do casamento MICHELE EIDT CHAN.

Sustenta a recorrente que ao manter o patronímico paterno, a r. sentença feriu o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o seu direito de personalidade, pois o uso do nome paterno fere a sua honra e não a identifica no núcleo familiar. Alega que a omissão de seu genitor, ao permitir a sua convivência com o avô materno, mesmo ciente da molestações e abusos por ele praticados, é razão juridicamente relevante para ensejar a supressão judicial do patronímico paterno. Aduz que não há qualquer risco de lesão a terceiros de boa-fé, não havendo razão plausível para obtar a supressão pleiteada, em decorrência da relativização do princípio da imutabilidade. Diz que no meio profissional e social é conhecida apenas pelo sobrenome do marido. Pretende que na retificação do seu registro civil seja também suprimido o patronímico paterno ou a conversão do feito em diligência, caso o Colegiado entenda necessária a dilação probatória à demonstração dos fatos alegados. Pede o provimento do recurso.

O recurso foi recebido no duplo efeito.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

Foi observado o disposto no artigo 551, § 2º, do CPC.

É o relatório.

VOTOS

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (RELATOR)

Estou confirmando a r. sentença recorrida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Inicialmente, confesso que sempre tive uma postura bastante liberal em relação à adoção do nome a ser utilizado pela mulher quando contraía casamento, até por entender que a troca do nome da mulher se prendia a razões de ordem cultural e fazia parte da nossa tradição, cujo nascedouro está no longínquo Direito Romano.

Apenas para ilustrar, vale lembrar que as razões disso remontam à Antigüidade, como bem retrata FUSTEL DE COULANGES na sua obra “A Cidade Antiga”. Essa obra magnífica aponta que havia o culto da religião familiar, sendo que o casamento levava a mulher a romper com as divindades cultuadas pela família paterna e se submetia à da família do marido, da qual passava a fazer parte. Essa inserção da mulher na nova família é que constitui a justificativa para a troca de nome, hábito este que varou os tempos e se mantém até hoje, precisamente pelo fato de que o nome patronímico constitui o indicativo por excelência do núcleo familiar.

No Brasil, o casamento era indissolúvel, tendo o divórcio sido aprovado somente em 1977, e as questões relativas ao nome da mulher casada estavam introjetadas na consciência das pessoas, a partir dos referenciais familiares e, em verdade as pessoas, ao casarem criavam um novo núcleo familiar, e o nome da prole partia do nome da mulher, quando incorporava ao seu o nome do marido.

Aliás, o nome de uma pessoa constitui “a designação pela qual se identificam e se distinguem as pessoas naturais, nas relações concernentes ao aspecto civil da sua vida jurídica” (LIMONGI FRANÇA, in “Do nome civil das pessoas naturais”, pág. 22). E esse nome é composto de duas partes, (a) o prenome, que também é chamado de nome individual, e (b) o nome patronímico, que é chamado de nome de família ou apelido de família.

No caso em tela, cuida-se de questão relativa ao apelido de família, valendo lembrar que o prenome também pode ser alterado, mas apenas nos casos de (a) adoção de crianças ou adolescentes (art. 47, §5º, ECA), (b) exposição da pessoa ao ridículo e, (c) motivadamente, no primeiro ano após a pessoa atingir a maioridade civil (art. 55, LRP).

Sempre foi prevista no nosso ordenamento jurídico a alteração do nome da mulher quando ocorresse o casamento.

Assim, vale lembrar que o Decreto nº 181 de 1890, que instituiu o casamento civil no país, já previa que um dos efeitos do matrimônio era “conferir à mulher o direito de usar o nome da família do marido e gozar das suas honras e direitos que, pela legislação brasileira se possam comunicar a ela”.

Depois, com a edição do Código Civil de 1916, foi prevista a alteração compulsória do nome da mulher no seu art. 240, estabelecendo que, com o advento do matrimônio, a mulher assumia os apelidos de família do marido. Friso que a lei falava em assumir e não em acrescer. Isso certamente dava margem à interpretação de que poderia excluir os seus próprios apelidos de família. E a mera assunção pela mulher dos apelidos de família do marido, com a exclusão dos da sua família de origem, se prendia a razões de ordem prática: evitava nomes ‘quilométricos’.

Com a edição da Lei nº 6.515/77, essa alteração de nome passou a ser meramente opcional, como se infere do art. 50, que estabeleceu diversas alterações no Código Civil, entre as quais a do art. 240, e dispôs no parágrafo único que “a mulher poderá acrescer aos seus os apelidos de família do marido”. Ou seja, a mulher não mais passou a assumir dos apelidos de família do marido: ficou com a faculdade apenas de acrescentá-los.

Tanto era essa a intenção do legislador, que a Lei dos Registros Públicos previa no art. 57, §2º, que a mulher solteira, desquitada ou viúva, de homem solteiro desquitado ou viúvo poderia, excepcionalmente, e por motivo ponderável, averbar ao seu nome o patronímico do companheiro, mas “sem prejuízo dos apelidos próprios, de família”. Ou seja, já se tratava mesmo de mero acréscimo.

A justificativa dessa faculdade de acrescer os apelidos de família do marido (e depois também do companheiro, no concubinato more uxório) se prendeu inequivocamente a razões de ordem cultural, já que o ideal seria cada pessoa manter o próprio nome. É que não se pode desconhecer que era da tradição do nosso direito que as mulheres adotassem também os apelidos de família do marido. E, no contexto de famílias conservadoras, a mãe, as tias, as avós, as bisavós, enfim, todas as mulheres ao casar assumiam o nome de família dos respectivos maridos, sendo natural que esse referencial familiar fosse preservado.

Com o Novo Código Civil, sob o pretexto de dar tratamento igualitário a homens e mulheres, o legislador inventou – literalmente inventou, isto é tirou do vazio – uma disposição absurda: permitiu que não apenas a mulher, mas também o marido poderia acrescer aos seus os apelidos de família do outro.

É preciso refletir com muito cuidado o alcance dessa alteração, que se presta, sobretudo, a atender mais a possíveis fraudes e interesses escusos do que propriamente preservar algum interesse de família. Jamais, em tempo algum, se cogitou, no Direito Brasileiro, de que o homem viesse a adotar os apelidos de família da mulher.

Nem a tradição, nem razões de ordem prática agasalham essa alteração concebida pelo legislador pátrio. É uma disposição vazia, sem sentido algum. E perigosa, no que concerne ao fator segurança. Se for possível a supressão dos apelidos de família, desaparecem os resquícios formais de vínculo de uma pessoa com a sua família de origem. E pessoas afeitas ao ilícito, não apenas as mulheres, mas também os homens, poderão se valer desse artifício para obtenção de vantagens indevidas. O valor segurança se confunde com o interesse público.

É preciso ter em mira que a questão do registro civil que foi trazida no presente feito tem relevância.

A adoção dos apelidos de família do marido pela mulher e da mulher pelo marido devem ser vistas com cautela, tratando-se de uma mera faculdade que excepciona a regra geral de imutabilidade do nome. E, como exceção à regra geral deve, segundo a melhor regra de hermenêutica, ser interpretada restritivamente.

Assim, como o art. 1.565, §1º, do Código Civil estabelece que, ao casar um cônjuge pode acrescer aos seus os apelidos de família do outro cônjuge, é forçoso convir que inexiste autorização legal para a supressão de apelidos de família, pois estes são, como regra, imutáveis, como se infere dos arts. 56 a 58 da Lei dos Registros Públicos.

De outra banda, é forçoso convir que o sistema registral é de inclusão de nome e não de exclusão e, além disso, está submetido ao princípio da legalidade, isto é, em matéria registral deve ser observado o que a lei prevê e não o que a lei não proíbe, cumprindo enfatizar que a liberdade individual encontra limite necessário nas disposições de ordem pública.

No presente caso, considerando os motivos ponderáveis apontados pela recorrente e o costume já assentado em nossa sociedade, tenho que é plenamente cabível a supressão do patronímico materno e a adoção do patronímico do marido, mas é inviável a supressão do patronímico paterno, pois esse identifica o tronco familiar da pessoa.

Com esse enfoque, peço vênia para transcrever, também, o douto parecer de lavra do culto PROCURADOR DE JUSTIÇA ROBERTO BANDEIRA PEREIRA, in verbis:

“3. No mérito, entende o Signatário que deve ser desprovido.

Adoto o parecer da lavra da Promotora de Justiça, Dra. Diolinda Kurrle Hannusch, que, com propriedade, bem analisou o caso em tela, assim manifestando-se (fls. 31/32v.), verbis,

“(...)O nome civil integra a personalidade do ser humano, exercendo as funções precípuas de individualização e identificação das pessoas nas relações de direitos e obrigações desenvolvidas em sociedade.

Por isso, a fim de prestigiar a segurança jurídica nas relações sociais, evitar fraudes e fuga da responsabilização penal e civil, a regra geral, trazida pela Lei n. 6.015/73, é da imutabilidade do prenome, com previsão de alteração do nome apenas em casos excepcionais.

No entanto, o casamento traz ao nubente a oportunidade de acrescer, ao seu nome, o sobrenome do outro, consoante dispõe o artigo 1.565, § 1º, do Código Civil: “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro” (art. 1.565, § 1º, do Código Civil).

Destarte, em que pese o acréscimo do nome do nubente não tenha sido procedido quando da habilitação ao casamento, é viável o deferimento do pedido para que seja acrescido posteriormente, contanto que preservado pelo menos um dos sobrenomes de solteiro, o qual permite identificar o grupo familiar originário do consorte.

Com efeito, a possibilidade de alteração do nome no casamento constitui exceção à regra geral da imutabilidade do nome e, portanto, deve ser interpretada restritivamente.

Nesse sentido a orientação adotada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como se evidencia nas ementas de reiteradas decisões em casos semelhantes ao dos autos:

APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. CASAMENTO CELEBRADO NO EXTERIOR, JÁ DEVIDAMENTE TRASLADADO. INCLUSÃO DO SOBRENOME DO MARIDO. POSSIBILIDADE. Caso de casamento de pessoa brasileira, celebrado no exterior, com pessoa estrangeira, e já trasladado ao Brasil. Hipótese em que o casamento celebrado no exterior já está apto a produzir efeitos no Brasil. Inteligência do artigo 1.544, do CCB, e do artigo 32, § 1º, da Lei n.º 6.015/73. Um dos efeitos do casamento é justamente conferir o direito a qualquer dos cônjuges, de acrescer ao seu nome o sobrenome do outro. Inteligência do artigo 1.565, § 1º, do CCB. Logo, estando o casamento que a apelante celebrou no exterior apto a produzir efeitos no Brasil, é viável acolher a pretensão dela, de retificar o seu registro civil, para acrescer ao nome dela o sobrenome do marido. DERAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70049052566, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/12/2012)

APELAÇÃO. REGISTRO CIVIL.RETIFICAÇÃO. ACRÉSCIMO DO SOBRENOME DO CÔNJUGE APÓS O CASAMENTO. Possível agregar ao nome de família o sobrenome do cônjuge, art. 1565, § 1º, Código Civil. Inexiste óbice para que a adição ocorra em momento posterior ao casamento, sendo viável a utilização da via judicial para tanto, conforme o art. 109 da lei n. 6015/73. RECUSO PROVIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. (Apelação Cível Nº 70047953146, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 16/05/2012)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. PEDIDO DE SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO BIOLÓGICO-FAMILIAR, ACRESCIDO AO PATRONÍMICO DO MARIDO EM DECORRÊNCIA DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO EXITOSA. IMPOSSIBILIDADE. A alteração do nome só pode ser permitida de forma excepcional e justificada. O nome que não provoca prejuízo, nem expõe a pessoa ao ridículo, não deve ser alterado. No caso em exame, o pedido retificador visa excluir o patronímico biológico da parte, acrescido ao nome de casamento em razão de pedido exitoso de retificação de registro, aforado no ano de 1994. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70053055653, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 02/05/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO CIVIL. CASAMENTO. ACRÉSCIMO DO SOBRENOME DO NUBENTE. PEDIDO RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PARA SUPRESSÃO DO PATRONÍMICO MATERNO. POSSIBILIDADE. 1. Não há vedação legal à supressão do sobrenome materno quando do casamento, desde que não configure prejuízo à ancestralidade ou à segurança jurídica que decorre da verdade registral. Inteligência do art. 1.565, § 1º, do Código Civil. Precedente do STJ. 2. Sendo plausível a alegação da postulante, no sentido de que não procedeu à supressão do patronímico materno quando da habilitação para o casamento em razão de informação equivocada que lhe foi prestada, de que somente seria possível o acréscimo do sobrenome de seu nubente, não há razão para obstar retificação de registro pretendida, na medida em que não se verifica prejuízo de qualquer ordem. 3. Manifesta procedência do recurso que autoriza julgamento monocrático, conforme o disposto no art. 557, §1º-A, do CPC. RECURSO PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Apelação Cível Nº 70052518016, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 15/01/2013)

Portanto, das ementas supratranscritas depreende-se que o pedido veiculado por MICHELE pode ser apenas parcialmente deferido, a fim de lhe ser permitido o acréscimo do sobrenome do marido, no máximo com a exclusão do patronímico materno, sem que haja qualquer alteração quanto ao patronímico paterno, o qual deve ser mantido, porquanto este garante a identificação da ancestralidade ou grupo biológico a que pertence a autora, e, por consequência, a segurança das relações jurídicas.”.

Sendo assim, não merece reparos o decisum, que deve ser mantido, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

4. Diante do exposto, manifesta-se o Ministério Público pelo conhecimento e desprovimento do apelo.”

ISTO POSTO, nego provimento ao recurso.

DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª SANDRA BRISOLARA MEDEIROS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70060868775, Comarca de Ijuí: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: NASSER HATEM

Disponível na Jurisprudência do IBDFAM, do Dia 16 de Janeiro de 2015

http://ibdfam.org.br/jurisprudencia/2983/%20Registro%20civil.%20Casamento.%20Apelido%20de%20fam%C3%ADlia