27 de February de 2019
Registro de Imóveis – Cédula Rural Pignoratícia – Registro Negado – Recurso Desprovido – 1) Para validade da hipoteca prestada por quem figure no fólio como casado em regime de comunhão universal de bens, de rigor a expressa anuência do cônjuge – Se já divorciados, a exigência somente se esvai depois do efetivo registro da carta de sentença em que efetuada a partilha do patrimônio do casal, atribuindo-se o imóvel dado em garantia integralmente ao cônjuge signatário da hipoteca

Número do processo: 0000243-90.2016.8.26.0257

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 264

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 0000243-90.2016.8.26.0257

(264/2017-E)

Registro de Imóveis – Cédula Rural Pignoratícia – Registro Negado – Recurso Desprovido – 1) Para validade da hipoteca prestada por quem figure no fólio como casado em regime de comunhão universal de bens, de rigor a expressa anuência do cônjuge – Se já divorciados, a exigência somente se esvai depois do efetivo registro da carta de sentença em que efetuada a partilha do patrimônio do casal, atribuindo-se o imóvel dado em garantia integralmente ao cônjuge signatário da hipoteca – 2) Na esteira do quanto sedimentado pelo E. STJ, em nova orientação, bem como pelas Câmaras de Direito Privado deste C. TJSP, o art. 60, §3°, do Decreto 167/67 faz referência ao art. 60, §2°, do mesmo Decreto, de modo que válido o aval prestado por terceiros em cédula de crédito rural – Revisão da posição anterior deste E. CSM, tornando-a consonante com os entendimentos do E. STJ e das Ínclitas Câmaras de Direito Privado desta Corte – 3) Alteração do valor principal da dívida, seus encargos, e forma de pagamento caracterizam evidente novação, na forma do art. 360, I, do CC – Não se trata de mero aditamento do contrato anterior, ou de singela prorrogação do prazo de vencimento, de tal modo que inaplicáveis os arts. 12 e 13 do Decreto-Lei 167/67 – Não se há falar, pois, em averbação – Necessidade de prévio cancelamento do registro do contrato originário, para que o novo pacto seja, por sua vez, registrado.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso administrativo tirado de r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ipuã, que julgou procedente pedido de dúvida, para o fim de manter a recusa a averbação de aditamento de cédula rural pignoratícia.

O recorrente afirma, em síntese, já estar o concedente da garantia imobiliária devidamente divorciado, razão por que desnecessária a anuência do ex-cônjuge para a validade da hipoteca. Sustentou, ainda, a validade da garantia prestada por terceiro em cédula de crédito rural. Versou sobre a ocorrência de mero aditamento do contrato originário, refutando tenha havido novação, a tornar prescindível o cancelamento do registro do contrato inicial.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Preambularmente, cumpre observar não haver notícia de registro da partilha resultante do divórcio de Mauro César Clemente e Alessandra Mosconi, casados sob regime da comunhão universal de bens, proprietários do imóvel dado em hipoteca. Irrelevante o só fato de a partilha já ter ocorrido. Apenas depois de registrada é que terá, para a hipótese dos autos, relevo jurídico. Enquanto não levada a registro, será de rigor que Alessandra Mosconi participe do contrato, anuindo com a alteração da garantia.

De outro bordo, a segunda exigência afigura-se descabida, como bem decidiu a r. sentença recorrida. Dispõe o art. 60, §3°, do Decreto-Lei 167/67:

“Art 60. Aplicam-se à cédula de crédito rural, à nota promissória rural e à duplicata rural, no que forem cabíveis, as normas de direito cambial, inclusive quanto a aval, dispensado porém o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas.

§ 1º O endossatário ou o portador de Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural não tem direito de regresso contra o primeiro endossante e seus avalistas.

§ 2° É nulo o aval dado em Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, salvo quando dado pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente ou por outras pessoas jurídicas.

§ 3º Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas.”

Prevalece, no âmbito deste E. CSM, o entendimento de que a nulidade versada no §3° é alusiva a garantias prestadas em cédula de crédito rural, nota promissória e duplicata rural, modalidades elencadas no caput. E era este, também, o posicionamento do E. STJ, que, todavia, reviu-o a partir de 2014, passando a decidir que o §3° trata de nulidades de garantias prestadas apenas nas hipóteses do §2° (nota promissória rural e duplicata rural).

É que a redação da norma em análise inicia com o advérbio “também” (“Também são nulas…”), parecendo remeter às nulidades tratadas no §2°. Esta Altiva Corte Bandeirante seguiu a esteira do E. STJ e igualmente mudou o entendimento originário. Prevalece, agora, neste ínclito TJSP, a orientação de que garantias reais ou pessoais somente serão nulas quando dadas em nota promissória rural, ou duplicata rural, escapando da nulidade, portanto, o aval prestado em cédula de crédito rural, modalidade elencada no caput, mas não no §2° do art. 60 referido.

“Cabe observar, inicialmente, quanto à alegação de nulidade do aval prestado pelos apelantes na cédula rural hipotecária que embasa a ação em tela, que este relator, em casos anteriores ao presente, acompanhava entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é ilegal a garantia prestada por terceiros em cédula rural hipotecária emitida por pessoa física, em mencionado título, tendo em vista disposto no § 3º do art. 60 do Decreto-Lei 167/67, entendimento este proferido no julgamento do REsp n. 1.353.244-MS, da Relatoria do Min. Sidnei Sanches, proferido aos 28/05/2013.

Ocorre, porém, que posteriormente a este precedente, a jurisprudência de referida Corte Superior orientou-se, quase que em uníssono, no sentido de que a nulidade das garantias reais ou pessoais prevista no parágrafo 3º de citado dispositivo legal diz respeito unicamente à Nota Promissória Rural ou Duplicata Rural, às quais se reporta o § 2° deste mesmo artigo, ao qual, por sua vez, aquele refere-se diretamente. Este entendimento não se aplica, portanto, à garantia aqui versada, por referir-se à cédula rural hipotecária.

Veja-se a propósito os seguintes precedentes de referida Corte:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÀO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL PIGNORATÍCIA. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO POR PESSOA FÍSICA. AVAL PRESTADO POR TERCEIRO. VALIDADE. DECRETO-LEI 167/1967, ART 60, § 3º. REDAÇÀO DA LEI 6.754/1979. TEMA PACIFICADO. PRECEDENTES. 1. “A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-lei n° 167/67 permite inferir que o significado da expressão “também são nulas outras garantias, reais ou pessoais”, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais” (3ª Turma, REsp 1.483.853/MS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, unânime, DJe de 18.11.2014). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ – AgRg no REsp 1479588/MS Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, Julgado em 6 de agosto de 2015, DJe de 13 de agosto de 2015).

CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL EMITIDA POR PESSOA FÍSICA. GARANTIA DE AVAL PRESTADA POR TERCEIRO. ART. 60, § 3º, DO DECRETO-LEI N° 167/1967. VALIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RESP N° 1.483.853/MS. TERCEIRA TURMA. 1. As mudanças no Decreto-lei n° 167/67 não tiveram como alvo as cédulas de crédito rural. Por isso elas nem sequer foram mencionadas nas proposições que culminaram com a aprovação da Lei n° 6.754/79, que alterou o Decreto-lei referido. 2. A interpretação sistemática do art. 60 do Decreto-lei n° 167/67 permite inferir que o significado da expressão também são nulas outras garantias, reais ou pessoais, disposta no seu § 3º, refere-se diretamente ao § 2º, ou seja, não se dirige às cédulas de crédito rural, mas apenas às notas e duplicatas rurais. 3. Vedar a possibilidade de oferecimento de crédito rural direto mediante a constituição de garantia de natureza pessoal (aval) significa obstruir o acesso a ele pelo pequeno produtor ou só o permitir em linhas de crédito menos vantajosas. 4. Os mutuários não apresentaram argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em novo posicionamento deste órgão fracionário. Incidência da Súmula n° 83 do STJ. 5. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no AREsp 607608/MS Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª Turma, julgado em 18 de junho de 2015, DJe 1º de julho de 2015).

Em face disso, não há mais razão para manter-se o entendimento anteriormente adotado, porquanto não mais prevalece perante o E. Superior Tribunal de Justiça e que se vier a ser mantido, obrigará a parte vencida a socorrer-se perante esse Tribunal, onde, com certeza, obterá sucesso.” (Apelação n° 0000075-36.2015.8.26.0415, Rel. Des. Thiago de Siqueira, j. 3/3/17)

“AÇÃO DECLARATÓRIA – NULIDADE DE AVAL – CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA E ADITIVOS – ART. 60, § 3º, DO DECRETO-LEI N° 167/67 – APLICABILIDADE APENAS ÀS NOTAS PROMISSÓRIAS E DUPLICATAS RURAIS (PARÁGRAFO SEGUNDO) – PREVISÃO ADVINDA DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N° 6.754/79 – ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – PEDIDO – IMPROCEDÊNCIA – SENTENÇA – REFORMA.” (Apelação n° 0964131-76.2012.8.26.0506, Rel. Des. Antônio Luiz Tavares de Almeida, j. 2/2/17)

À vista da uníssona interpretação apresentada pelo E. STJ e, principalmente por este C. TJSP, parece razoável que também a orientação deste E. CSM siga o mesmo prumo, como forma de evitar descompasso com entendimento uniforme das ínclitas Câmaras de Direito Privados.

Válido, pois, o aval prestado por terceiro, em cédula de crédito rural.

Finalmente, acertada a última exigência. Deveras, o que se nota dos termos pactuados é que o documento apresentado não contém singelo aditamento do contrato originário, senão verdadeira novação objetiva. É que os elementos principais da avença inicial foram substancialmente alterados.

Com efeito, as mudanças passam não só pelo termo de vencimento, como quer fazer crer o banco recorrente, mas, igualmente, pela forma de pagamento, pelo valor da dívida principal e pelos encargos financeiros. Não se trata de mera complementação ao contrato inicial, mas de nítida novação, amoldando-se, de todo, ao teor do art. 360, I, da Lei Civil.

Como Vossa Excelência já teve oportunidade de decidir, acolhendo parecer da lavra do MM Juiz Assessor Swarai Cervone de Oliveira:

“As partes pactuaram, por meio do instrumento, a alteração das condições originárias da cédula de crédito bancário. Poderiam fazê-lo, a teor do art. 29, §4°, da Lei 10.931/04. Até aí, não se controverte.

Porém, ao fazê-lo, mudaram toda a base do negócio, novando a dívida. Da leitura do instrumento vê-se, claramente, que houve: 1) alteração (não “mera atualização”) do valor da dívida; 2) alteração das parcelas e dos juros.

Vale dizer, tratando-se de um empréstimo garantido por alienação fiduciária de imóvel, modificaram-se elementos essenciais, constituindo-se novo negócio. Ou seja, novação.” (Processo 0001513-26.2014.8.26.0547, DJ 23/1/17)

O mesmo entendimento já havia sido esposado por esta E. Corregedoria Geral:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Aditamento de Cédula de Crédito Bancário com alienação fiduciária – Título que representa novo negócio jurídico fiduciário, uma vez que altera forma de pagamento, taxa de juros e condições de pagamento, caracterizando inegável novação – Necessidade de registro, com cancelamento do registro anterior – Cobrança de emolumentos em acordo com o registro das novas garantias – Recurso não provido.

É que o título, independentemente de nominado como aditamento, representa novo negócio jurídico fiduciário, uma vez que altera forma de pagamento, taxa de juros e condições de pagamento, caracterizando inegável novação.” (Autos 31.763/2015, Des. Elliot Akel, DJ 15/4/15)

“O título desqualificado, independentemente da denominação atribuída-lhe, documenta novo negócio jurídico fiduciário, em confronto com o objeto do r. 7 da matrícula n.° 158.442: por meio dele, veiculando-se inegável novação objetiva, com majoração da soma total devida pelos devedores fiduciantes, de cuja composição os débitos de duas quotas foram excluídos, pois extintas as obrigações condizentes, e os de duas outras participam, demonstra-se a extinção da obrigação original mediante a constituição de uma nova em seu lugar.

Houve mudança do objeto da obrigação, não mera alteração do teor do vínculo obrigacional, não simples elevação da importância devida; surgiu uma nova dívida em substituição à anterior, transformada em sua essência, não mera modificação do modo de execução da obrigação, retirando-se o animus novandi da conduta dos interessados, do conteúdo do acordo entre os contratantes.

Dentro desse contexto, não há como admitir o acesso do primeiro aditamento ao instrumento particular de pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia e outras avenças ao fólio real, pelo menos enquanto não for cancelado o r.7 da matrícula n.° 158.442, cujos efeitos subsistem ainda que se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido (artigo 252 da Lei n.° 6.015/1973).” (Processo 146.225/2013, Des. Renato Nalini, DJ 13/12/13)

A situação, portanto, não se insere dentre as regidas pelos arts. 12 e 13 do Decreto-Lei 167/67, fazendo-se de rigor prévio cancelamento do registro do contrato anterior, para que este, veiculador da novação, seja, por sua vez, registrado.

Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 10 de julho de 2017.

Iberê de Castro Dias

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 11 de julho de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogados: SIMONE CAZARINI FERREIRA, OAB/SP 252.173 e EDERSON ALÉCIO MARCOS TENÓRIO, OAB/SP 240.694.

Fonte: INR Publicações

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Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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