23 de January de 2019
Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Apartamento e vagas de garagem – Imóvel adquirido pelo genitor do apelante mediante sucessão testamentária – Formal de partilha não registrado – Compra e venda dos direitos sobre o imóvel legado por contrato particular celebrado entre o apelante, sua genitora e os demais herdeiros de seu pai – Anuência dos cedentes da posse manifestada na Ata Notarial que integra o título prenotado – Possibilidade de acréscimo da posse do requerente à de seus antecessores que não figuram no registro imobiliário como titulares do domínio – Usucapião – Apartamento e vagas de garagem – Uso habitual como moradia

Escrito por portaldori

Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Dúvida julgada procedente – Apartamento e vagas de garagem – Imóvel adquirido pelo genitor do apelante mediante sucessão testamentária – Formal de partilha não registrado – Compra e venda dos direitos sobre o imóvel legado por contrato particular celebrado entre o apelante, sua genitora e os demais herdeiros de seu pai – Anuência dos cedentes da posse manifestada na Ata Notarial que integra o título prenotado – Possibilidade de acréscimo da posse do requerente à de seus antecessores que não figuram no registro imobiliário como titulares do domínio – Usucapião – Apartamento e vagas de garagem – Uso habitual como moradia – Edifício residencial em que a propriedade e o uso das vagas de garagem são vinculadas à propriedade do apartamento – Possibilidade de redução do prazo da usucapião extraordinária em razão do uso da unidade autônoma (apartamento) para moradia – Certidões de distribuição de ações que devem abranger todos os titulares da posse pelo período da prescrição aquisitiva do imóvel – Hipótese, porém, em que os cedentes da posse receberam o imóvel da anterior proprietária, por meio de sucessão testamentária, com partilha homologada por sentença transitada em julgado, e em que o requerente exerce posse, em nome próprio, por período superior ao prazo da prescrição aquisitiva – Recurso provido para julgar a dúvida improcedente.

Trata-se de apelação interposta por Marcelo Daud contra r. sentença que manteve a recusa do Sr. 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto em promover o registro de aquisição da propriedade do apartamento 111 do 11º pavimento e das vagas de garagem nºs 07 e 08 do Edifício Cida Marly, objeto, respectivamente, das matrículas nºs 62.110, 62.111 e 62.112, porque o genitor do apelante recebeu o imóvel por sucessão da proprietária e não transmitiu seus direitos reais por escritura pública, não sendo possível a soma de posses entre titular de domínio e usucapiente, nem a cessão de direito real sem observação da forma prevista em lei.

O apelante alegou, em suma, que o apartamento e as vagas de gavarem eram de propriedade de sua tia, Aparecida Nonato Assen, que faleceu em 05 de dezembro de 2005. Disse que desde então passou a residir no apartamento e a utilizar as vagas de garagem que foram herdadas por seu pai, Mauro Daud. Esclareceu que em 09 de junho de 2006 comprou os direitos de seus genitores sobre o apartamento e as vagas de garagem, mas em razão do falecimento de seu pai, em 22 de fevereiro de 2010, a celebração desse negócio somente foi formalizada em 14 de fevereiro de 2017 por meio de contrato feito com a viúva e os herdeiros de Mauro Daud e em que constou que destinado a ratificar a compra e venda celebrada em 09 de junho de 2006. Aduziu que o exercício de posse sobre o apartamento e as vagas de garagem foi confirmado pela Ata Notarial que integra o título apresentado para registro. Informou que seus genitores residiram em sua companhia em razão da idade, o que, porém, não caracterizou composse. Por fim, a eventual possibilidade de registro do formal de partilha extraído do inventário dos bens de Aparecida Nonato Assen e de realização da partilha dos bens deixados pelo falecimento de Mauro Daud não impedem o reconhecimento da aquisição do domínio sobre o apartamento e as vagas de garagem em razão da usucapião. Requereu a reforma da r. sentença para que a dúvida seja julgada improcedente (fls. 420/434).

A douta Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 452/455).

É o relatório.

O título apresentado para registro consiste no conjunto dos documentos que instruíram o pedido de usucapião extrajudicial.

E o contrato de compra e venda dos imóveis constitui somente um dos documentos que, com a Ata Notarial e os demais documentos apresentados, se destinou a comprovar a origem e o período de posse exercido pelo apelante.

Por esse motivo, a celebração do contrato de compra e venda por escrito particular não caracteriza impedimento ao registro da usucapião.

Conforme a nota de devolução reproduzida às fls. 344/345, o registro da usucapião extrajudicial foi negado porque: I) em 04 de setembro de 2007 e em 06 de abril de 2010 foram protocolados títulos em que os genitores do apelante declararam que ocupavam os imóveis (apartamento e vagas de garagem), o que afasta o exercício de posse exclusiva pelo apelante; II) as vagas de garagem são objeto de matrículas próprias, não se destinam à moradia, e não podem ter o prazo de usucapião reduzido na forma do parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil; III) devem ser apresentadas certidões de distribuição da comarca do imóvel e do domicílio do apelante, de seus genitores e de seus irmãos, com os respectivos cônjuges; IV) o requerimento inicial deve ser assinado pelo requerente e seu advogado e ter as firmas reconhecidas.

A exigência de reconhecimento de firmas do apelante e de seu advogado no requerimento de registro da aquisição da propriedade dos imóveis pela usucapião foi atendida junto com o pedido de suscitação de dúvida, conforme se verifica às fls. 17/26, sendo a firma do apelante reconhecida também na procuração outorgada ao seu advogado (fls. 27/28), com o que ficou suprida, de forma oportuna, a exigência nesse sentido.

As demais exigências formuladas pelo Sr. 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto foram integralmente impugnadas pelo apelante (fls. 17/26 e 368/384), razão pela qual passo a analisá-las de maneira individualizada.

As certidões das matrículas nºs 62.110, 62.111 e 62.112 (fls. 60/62 e 348/350) demonstram que o apartamento 111 do 11º pavimento e as vagas de garagem nºs 07 e 08 do Edifício Cida Marly estão registrados como de propriedade de Aparecida Nonato Assen.

Por sua vez, o formal de partilha de fls. 71/ 331 comprova que Aparecida Nonato Assen faleceu em 02 de dezembro de 2005 (fls. 78) e que em vida legou, por meio de testamento cerrado, o apartamento e as vagas de garagem para Mauro Daud (fls. 79/88).

A sucessão testamentária relativa ao apartamento e vagas de garagem foi observada no julgamento da partilha dos bens deixados pelo falecimento de Aparecida Nonato Assen (fls. 303/318 e 330).

Mauro Daud, por seu turno, faleceu em 22 de fevereiro de 2010 e deixou viúva Nídia Márcia Daud, bem como filhos que são o apelante e, ainda, Melani Daud Florido, Márcia Helena Daud e Mauro Daud Filho (fls. 333).

Posteriormente, em 14 de fevereiro de 2017 o apelante celebrou com a viúva e demais herdeiros de Mauro Daud, os últimos assistidos por seus respectivos cônjuges, contrato particular (fls. 55/59) em que consta que o apelante comprou de seus genitores os direitos sobre o apartamento e as vagas de garagem por negócio jurídico celebrado em 09 de junho de 2006 (fls. 56), mediante preço que foi integralmente pago na referida data (fls. 57), e que desde então o apelante exerce posse exclusiva sobre esses bens (fls. 57).

O exercício de posse exclusiva do apelante sobre o imóvel, por período superior a dez anos (fls. 32), também foi reconhecido pela viúva e pelos demais herdeiros de Mauro Daud, assistidos por seus respectivos cônjuges, na Ata Notarial de fls. 31/33, lavrada em 03 de novembro de 2016.

A ex-esposa do apelante, de igual modo, apresentou declaração de que estavam separados de fato quando da aquisição da posse e que, portanto, não se opõe ao reconhecimento do domínio do apartamento e das vagas de garagem na forma requerida (fls. 38/39).

As testemunhas que intervieram na Ata Notarial confirmaram o exercício de posse por período superior a dez anos (fls. 33) e, mais, disseram que o apelante utiliza o apartamento para sua moradia (fls. 34).

Embora tenha adquirido o apartamento e as vagas de garagem por sucessão testamentária, Mauro Daud não promoveu o registro do formal de partilha dos bens deixados por Aparecida Nonato Assen que, portanto, continua a figurar nas matrículas como proprietária dos imóveis.

Em que pese a transmissão da propriedade ter ocorrido com a abertura da sucessão, o registro do formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Aparecida Nonato Assen era requisito para o pleno exercício, por Mauro Daud, dos direitos inerentes ao domínio do apartamento e das vagas de garagem, pois como esclarece Miguel Maria de Serpa Lopes sobre os efeitos do registro do título:

“Se, nos atos inter vivos, opera como elemento de transferência do domínio, nos atos causa mortis é exigível como condição de disponibilidade do domínio e como elemento indispensável à sua revelação, ainda que este se haja transmitido por efeito da morte do de cujus (Tratado dos Registros Públicos, Vol. IV, 6º ed., Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p. 38).

Não figurando Mauro Daud e sua esposa no Registro Imobiliário como proprietários do apartamento e das vagas de garagem, aplica-se o disposto no art. 1.243 do Código Civil:

“O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.

Por essas razões, não há impedimento para que o atual possuidor acresça o período de posse que foi exercido por seus antecessores, ou seja, Mauro Daud e sua esposa, pois não se cuida de proprietários cujo domínio resulte do Registro de Imóveis.

O ato de instituição do condomínio edilício é o instrumento em que se define a destinação das unidades autônomas, como previsto no inciso III do art. 1.332 do Código Civil.

Cuidando-se de edifício com unidades residenciais, o destino das vagas de garagem é vinculado ao previsto na convenção do condomínio que pode vedar a alienação e a locação para não condôminos, ainda que essas vagas tenham matrículas próprias (art.1.331, § 1º, do Código Civil).

Por isso, não há livre disposição sobre as vagas de garagem cujo domínio vincula-se ao do apartamento que constituir a unidade autônoma do edifício residencial, exceto se houver previsão distinta na respectiva convenção.

O uso das vagas de garagem, ademais, é inerente ao da moradia no apartamento a que são vinculadas, por questão de conveniência e comodidade do morador, assim como usualmente ocorre com as vagas localizadas em imóveis de natureza e uso distintos.

Em decorrência, a redução do prazo da aquisição do domínio pela usucapião que é prevista no parágrafo único do art. 1.238 do Código Civil é aplicável tanto ao apartamento como às vagas de garagem cuja propriedade lhe é vinculada:

“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo“.

Por fim, o pedido de usucapião extrajudicial deve ser instruído com as certidões negativas dos distribuidores da situação do imóvel e do domicílio do requerente, na forma do inciso III do art. 216-A da Lei nº 6.015/73.

Essas certidões devem ser apresentadas em nome do requerente da usucapião e de todos os antecessores no período da prescrição aquisitiva.

No presente caso foram apresentadas certidões de distribuição em nome do requerente (fls. 47/48), abrangendo a certidão de distribuição cível estadual a Comarca de São José do Rio Preto, ou seja, a da situação do imóvel (fls. 49).

Contudo, neste caso concreto o requerente demonstrou, pela Ata Notarial, que exerce posse do imóvel, em nome próprio, por período superior a dez anos que é o da prescrição aquisitiva e, mais, comprovou por documentos que a posse teve origem em negócio jurídico celebrado com seus genitores que receberam o imóvel da anterior proprietária por meio de sucessão hereditária.

Em decorrência, também in casu as certidões apresentadas são suficientes para o registro da usucapião.

Ante o exposto, pelo meu voto dou provimento ao recurso para julgar a dúvida improcedente.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Fonte: INR Publicações – DJe/SP | 21/01/2019.

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