O
comprador de imóvel que se submete a pacto de alienação fiduciária em garantia,
caso busque judicialmente a resolução do contrato e a devolução dos valores
pagos com base apenas na alegação de que não consegue mais honrar as
prestações, não tem direito à devolução do dinheiro após a simples retenção de
um percentual em favor do vendedor, nos moldes previstos pelo Código de Defesa
do Consumidor (CDC).
Nesses
casos, com a configuração da hipótese de quebra antecipada do contrato,
aplica-se o previsto nos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997, que
preveem a entrega ao devedor, concluída a venda do bem em leilão, do valor que
sobrar do pagamento do total da dívida, das despesas e dos encargos incidentes.
O
entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, com
base no CDC, havia determinado a resolução do contrato de compra e venda de
imóvel com a retenção, em favor do credor, de 20% da quantia paga.
Relator
do recurso do vendedor, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou que o
diferencial da alienação fiduciária é a possibilidade de realização do crédito
por via extrajudicial, sendo a cobrança efetuada por meio de oficial do
registro de imóveis, a quem compete intimar o devedor a pagar a dívida,
acrescida de juros e demais encargos, no prazo de 15 dias.
"Não
purgada a mora, ao oficial compete, ainda, promover o registro na matrícula do
imóvel da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, quando,
então, será deflagrado o procedimento de venda extrajudicial do bem mediante
leilões", acrescentou.
Entretanto, o relator lembrou que, no caso dos autos, foi o adquirente que ajuizou a ação de resolução de contrato, mesmo sem o vendedor, em princípio, ter dado causa ao litígio.
Alegação genérica
Nesse
cenário, Sanseverino destacou que, na maioria das vezes, a ação de resolução –
proposta normalmente pelo credor – tem como causa a ocorrência de
inadimplemento, como previsto pelo artigo 475 do Código Civil. Entretanto,
apontou, existem hipóteses em que o pedido de resolução é formulado pelo
devedor, como no caso de bem que perece ou se deteriora sem culpa do adquirente
(artigos 234 e 235 do CC/2002).
Além
disso, ressaltou o ministro, é possível o pedido de resolução com base na
onerosidade excessiva – hipótese, entretanto, não compatível com o caso em
julgamento, no qual não foram apontados, pelo autor, os requisitos de vantagem
extrema de uma das partes ou de acontecimento extraordinário ou imprevisível (artigo 478 do código).
No caso sob análise – disse Sanseverino –, se houve descumprimento, não foi por parte do credor, mas do devedor, autor da ação de resolução, que manifestou comportamento contrário à execução do contrato, alegando genericamente não ter condições de continuar pagando as prestações. Para o ministro, criou-se uma situação inusitada, fora das hipóteses previstas pela legislação.
Quebra antecipada
Paulo
de Tarso Sanseverino afirmou que a conduta do adquirente pode ser relacionada
ao instituto da quebra antecipada, no qual há o inadimplemento mesmo antes do
vencimento, quando o devedor pratica atos abertamente contrários ao cumprimento
do contrato, a exemplo da tentativa de resolução do acordo. Ainda assim –
ressaltou –, o credor não discordou do pedido de resolução, mas sim da forma
como os valores seriam devolvidos ao adquirente.
Em
consequência, nessa hipótese, o relator entendeu que poderia ser acolhida a
resolução do contrato pelo desinteresse do adquirente em permanecer com o bem;
todavia, a devolução dos valores pagos não deve ocorrer na forma do artigo 53 do CDC – segundo o qual, após
ressarcidas as despesas do vendedor mediante a retenção de parte do pagamento,
devolve-se o restante ao adquirente.
"A
devolução dos valores pagos deverá observar o procedimento estabelecido nos
artigos 26 e 27 da Lei 9.514/1997, pelo qual, resolvido o contrato de compra e
venda, consolida-se a propriedade na pessoa do credor fiduciário, para, então,
submeter-se o bem a leilão, na forma dos parágrafos 1º e 2º do artigo 27,
satisfazendo-se o débito do autor ainda inadimplido e solvendo-se as demais
dívidas relativas ao imóvel, para devolver-se o que sobejar ao adquirente, se
sobejar", concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso do credor.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1867209