Embora a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) admita que, para a preservação da última
vontade do autor do testamento, é possível flexibilizar alguns requisitos
formais no registro do documento, a assinatura do tabelião ou de seu substituto
legal é requisito indispensável de validade. Afinal, o notário é quem possui fé
pública para dar autenticidade ao testamento.
O
entendimento foi fixado pela Terceira Turma ao manter acórdão do Tribunal de
Justiça da Paraíba (TJPB) que negou pedido de abertura, registro e cumprimento
de testamento público apresentado por uma irmã da falecida – documento no qual
a titular teria deixado todos os bens para as suas irmãs.
Por sua vez, o viúvo apresentou testamento registrado apenas 19 dias antes do documento indicado pela irmã, no qual somente ele era apontado como beneficiário.
Suspeita de fraude
Pela
falta da assinatura do tabelião ou de seu substituto legal, o juiz julgou
improcedente o pedido da irmã – decisão mantida pelo TJPB. Para o tribunal, não
poderia produzir qualquer efeito jurídico um documento sem a assinatura do
responsável pelo cartório e que, além disso, apresentava evidências de
falsificação da assinatura da falecida – situações essas que, segundo a corte
paraibana, dispensariam a necessidade de perícia grafotécnica.
Por meio de recurso especial, a irmã argumentou, entre outros pontos, que a divergência da assinatura ocorreu porque a falecida tinha um tumor cerebral, o que comprometia sua coordenação motora. Ela também defendeu a possibilidade de flexibilização do rigor formal no exame dos requisitos de validade do testamento, em respeito à vontade do testador.
Segurança jurídica
O
ministro Moura Ribeiro explicou que os testamentos são atos solenes, cercados
por formalidades essenciais cujo objetivo é resguardar a última vontade do
testador – que não estará mais vivo para confirmá-la – e também os direitos dos
herdeiros necessários, circunstâncias pelas quais, em regra, devem ser
observados os requisitos do artigo 1.864 do Código Civil de 2002.
Entretanto,
exatamente para preservar a manifestação de vontade da pessoa que morreu, Moura
Ribeiro enfatizou que o rigor das formalidades legais deve ser observado com
parcimônia e de acordo com as peculiaridades de cada caso.
Na
hipótese dos autos, o ministro ressaltou que o notário é dotado de fé pública,
e sua atuação faz parte da própria substância do ato, de forma que sua
assinatura – e também a sua presença – é imprescindível para a própria
manifestação de última vontade da parte, como forma de evitar nulidades e
garantir segurança jurídica.
"Como negócio jurídico, o testamento, para ser válido, requer também a presença dos requisitos do artigo 104 do CC/2002, quais sejam, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, sendo que, no caso, o último requisito não se mostrou presente, porque a lei exige expressamente a assinatura do tabelião que presenciou e registrou o negócio jurídico, que, como visto, tem fé pública e confere legitimidade a ele", afirmou o relator.
Situações estranhas
Em seu
voto, o ministro também analisou decisões dos colegiados do STJ que, apesar de
flexibilizarem os requisitos para o testamento, referiam-se a situações
distintas, a exemplo do REsp 1.633.254, no qual a Terceira Turma confirmou a possibilidade de substituição de
assinatura formal pela impressão digital – caso em que, todavia, tratou-se de
testamento particular, para o qual é dispensada a presença do tabelião.
Ao
manter o acórdão do TJPB, Moura Ribeiro destacou a existência de situações que
causam "estranheza" nos autos, como o fato de o segundo testamento
ter sido elaborado apenas 19 dias depois de testamento público formal, validado
por tabelião, o qual foi apresentado por pessoa casada com a falecida durante
43 anos e dava aos bens destinação totalmente diferente.
"Todas
essas peculiaridades trazidas, além da grave ausência de assinatura e
identificação do tabelião que teria participado da confecção do testamento
público, revelam haver fortes indícios de que o instrumento não traduz com
segurança a real vontade da testadora, e, por isso, tal grave vício formal e
máculas não podem ser relegadas", concluiu o ministro.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1703376
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