01 de September de 2015
União estável. Reconhecimento. Possibilidade
Relator: Marcelo Carvalho Silva
Tema(s): União estável Reconhecimento Possibilidade Tribunal TJMA Data: 31/08/2015 [...] "A sacralização do casamento faz parecer que seja essa a única forma de constituir família. Mas é à família, e não ao casamento, que a Constituição chama de base da sociedade, merecedora da especial atenção do Estado. (...) A Constituição, ao garantir especial proteção à família, citou algumas entidades familiares, as mais frequentes, mas não as desigualou. Limitou-se a elencá-las, não lhes dispensando tratamento diferenciado. O fato de mencionar primeiro o casamento, depois a união estável e, por último, a família monoparental não significa qualquer preferência nem revela escala de prioridade entre eles. Ainda que a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu a equiparação das entidades familiares, sendo todas merecedoras da mesma proteção." [...] Estado do Maranhão Poder Judiciário _ SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Sessão do dia 02 de Junho de 2015 APELAÇÃO CÍVEL Nº 063/2015 - SÃO LUÍS PROCESSO Nº 0049950-05.2012.8.10.0001 Apelante :S. M. C. Advogado :Ronaldo Soares Malheiro Apelado :J. C. C. Advogado :Carlos Alberto Silva Nina, Enide Maria Aquino Nina e Carlos Sebastião Silva Nina Relator :Desembargador Marcelo Carvalho Silva ACÓRDÃO Nº __________________ EMENTA DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL PÓS MORTE. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTES. SEPARAÇÃO DE FATO NÃO COMPROVADA. UNIÃO ESTÁVEL CONFIGURADA. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. FAMÍLIAS PARALELAS. FENÔMENO FREQUENTE. PROTEÇÃO ESTATAL. REFORMA DA SENTENÇA. APELAÇÃO PROVIDA. I -O reconhecimento da união estável exige demonstração de convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família, bem como que inexistam impedimentos à constituição dessa relação. Inteligência dos artigos 1.723 e 1.726 do Código Civil. II - No caso sob análise, tem-se que o de cujus, mesmo não estando separado de fato da esposa, manteve união estável com a apelante por mais de 15 (quinze) anos, o que caracteriza a família paralela, fenômeno de frequência significativa na realidade brasileira. O não reconhecimento de seus efeitos jurídicos traz como consequências severas injustiças. IV - O Des. Lourival Serejo pondera: "Se o nosso Código Civil optou por desconhecer uma realidade que se apresenta reiteradamente, a justiça precisa ter sensibilidade suficiente para encontrar uma resposta satisfatória a quem clama por sua intervenção." V – O comando sentencial deve ser reformado para o fim de reconhecer a união estável. VI - Apelação provida, contrariando o parecer ministerial. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por maioria de votos, em desacordo com o parecer do Ministério Público, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Relator. Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Marcelo Carvalho Silva, Antônio Guerreiro Júnior e José de Ribamar Castro. Funcionou pelo Ministério Público o Dr. Raimundo Nonato de Carvalho Filho. São Luís (MA), 02 de Junho de 2015. Desembargador Marcelo Carvalho Silva Relator APELAÇÃO CÍVEL Nº 063/2015 - SÃO LUÍS PROCESSO Nº 0049950-05.2012.8.10.0001 RELATÓRIO Adoto como relatório a parte expositiva do parecer do Ministério Público com atuação nesta instância (fls. 272/282), da lavra do eminente Procurador de Justiça, Dr. Raimundo Nonato de Carvalho Filho, que ora transcrevo, in verbis: Trata-se de Apelação Cível (fls. 222/236) interposta por S. M. C., contra a r. sentença proferida pelo MM. Juíza de Direito da 4 Vara da Família desta Capital (fls. 214/220) que, nos autos da Ação Declaratória de Reconhecimento de União Estável (pós-morte) promovida pela ora apelante, em face de J. C. C., julgou improcedente o pedido contido na exordial, nos termos do artigo2699, inciso I, do Código de Processo Civill, não reconhecendo a união estável entre a autora com o falecido F. E. S. C., uma vez que não restou comprovado nos autos requisitos legais da união estável. Em razões de fls. 223/236, a ora Apelante aduz, preliminarmente, a nulidade da sentença, em "razão de suposta fundamentação inadequada quanto à causa de pedir principal, já que esquivou-se em analisar a existência da separação de fato da apelada com de cujus, analisando apenas a causa de pedir imediata, ou seja, o pedido propriamente quanto ao reconhecimento da união estável. Ainda em sede de preliminar, argui nulidade da sentença, por esta não ter sido proferida pela mesma autoridade que instruiu o feito. Quanto a questão de fundo, sustenta que manteve, de forma ininterrupta, por mais de 15 (dez) anos, uma relação com o falecido, com animus e marido e mulher," duradoura, pública e contínua ", havendo inclusive um filho em comum. Segue aduzindo que na contestação apresentada pela requerida, ora Apelada, esta se limitou apenas a informar que não existe ação de inventário em tramitação, sequer impugnou os fatos narrados na inicial, nem discorreu sobre a matéria processual ou de direito. Diz, também, que na Audiência de Instrução realizada, foram colhidos depoimentos mediante gravação de DVD, restando provados os elementos caracterizadores da existência de união estável entre a Apelante e o falecido, bem como a separação de fato deste em relação à Apelada. Adiante, menciona acerca da existência da união estável, pois esta fora comprovada mediante a juntada de vários documentos, dentre estes a certidão de filho havido pelo casal, endereço em comum nos diferentes locais em que conviveram durante a constância da união estável, bem como a designação da companheira como dependente em clube recreativo, além de registros (comprovantes) de passeios e viagens realizadas em família e fotografias. Destaca, que a Magistrada sentenciante equivocou-se quando fundamentou o decisum baseado na simples existência formal do casamento, sem analisar a causa de pedir principal, qual seja, existência da separação de fato, analisando apenas a causa de pedir imediata, ou seja, o pedido propriamente quanto ao reconhecimento da união estável. Por fim, aduz sobre a existência de um entendimento do STJ no sentido de que não há necessidade de início de prova material para o reconhecimento da união estável, ainda que para fins previdenciários, bem como a companheira tem direito à pensão mesmo que o falecido fosse casado, desde que separado de fato. Assim, requer que seja dado provimento ao apelo para cassar a sentença recorrida, proferindo-se nova sentença, com o devido exame das questões suscitadas na inicial ou, sucessivamente, reformar a sentença para que julgue procedente o pedido formulado na exordial. Em despacho de fl. 246, a MM . Juíza de base recebe o apelo interposto em seus efeitos legais e determina a intimação da parte ex adversa, a fim de que apresente as suas contrarrazões. Ao contra-arrazoar (fls. 249/263) o recurso, a Apelada sustenta inicialmente que embora a Apelante diga ter mantido relação duradoura e estável com o falecido, cabia a ela provar tal convivência, visto que não provou, apenas juntou aos autos provas de que tinha apenas um relacionamento sexual com o marido da requerente, e com este teve um filho, e em razão disso, o mesmo custeava as despesas desse filho menor de idade, sendo natural que constasse seu nome no pagamento dessas despesas, no endereço em que o menor residia. Da mesma forma defende que a Apelante omitiu a verdade sobre a existência de uma Ação de Oferecimento de Pensão, proposta pelo falecido, em favor do filho que teve com esta, com o intuído de induzir o Judiciário a erro. Argumenta que os depoimentos das testemunhas confirmaram apenas a existência do filho que a Apelante teve com o falecido, e a juntada das fotos provou apenas reuniões furtivas com a apelante. Assevera que pela regra do artigo 1.723, do novo Código Civil, é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, o que não restou provado pela Apelante. Informa, ainda, a título de argumentação, que se levado em conta o disposto nos arts. 1658 e 1659, do novel Diploma Civil, da mesma forma direito algum assiste à Apelante no que concerne à partilha de bens, na medida em que estes são oriundos de herança e/ou de valores exclusivamente pertencentes ao Apelado. Deste modo, requer seja negado provimento à apelação, mantendo-se a sentença em todos os seus termos. À fl. 268, os autos são remetidos ao Egrégio TJ/MA, sendo estes recebidos e distribuídos ao Desembargador Relator Marcelo Carvalho Silva, que abriu vistas à Procuradoria Geral de Justiça (fl. 270v). Acrescento que o representante ministerial, afastando as preliminares arguidas pela apelante, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do presente apelo, a fim de que seja mantida incólume a sentença recorrida. É o relatório. VOTO I - Da admissibilidade Atendidos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade exigidos para o regular andamento dos recursos, conheço, pois, do presente apelo. II - Da preliminar de nulidade da sentença. A apelante suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença em razão de fundamentação inadequada, na medida em que a magistrada de 1º grau esquivou-se de analisar a existência da separação de fato da apelante com o de cujus, examinando apenas o reconhecimento da união estável. Entendo que tal preliminar não merece ser acolhida, pois o art. 460 do CPC, consagrou o princípio da congruência, também chamado de princípio da correlação ou da adstrição, segundo o qual a decisão judicial deverá guardar estrita relação com o que foi inicialmente pedido pelo autor. Por outro lado, o princípio do" livre convencimento do juiz "confere ao magistrado o poder-dever de analisar os fatos e fundamentos que entende necessários ao equacionamento da questão, não estando adstrito às teses jurídicas apresentadas pelas partes (AgRg no Ag 685.087/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 25.10.2005). Portanto, não vislumbro na decisão da magistrada de base qualquer nulidade. O cerne da ação ajuizada pela apelante é o reconhecimento de união estável pós morte. A sentença, fundamentada, julgou improcedente o pedido, não reconhecendo a união entre a autora e o falecido. O fato da decisão desagradar a apelante, não pode ser considerado motivo para decretar sua nulidade. Foi suscitado ainda, segundo a apelante," vício insanável "no dispositivo sentencial. Ocorre que, ao redigir o nome do falecido no dispositivo da decisão de mérito, acabou dispondo-o de forma equivocada e errônea. Entretanto, de acordo com autorização contida no art. 463 do CPC, inexatidões materiais, como a do caso em análise, podem ser corrigidas, mesmo depois de publicada a sentença. Foi o que ocorreu conforme despacho retificador de fls. 265/266. Aduz ainda, em sede de preliminar, a nulidade da sentença pelo fato desta não ter sido prolatada pela mesma autoridade que instruiu o feito. Contudo, não assiste razão à apelante, pois o princípio da identidade física do juiz não tem caráter absoluto. Dispõe o art. 132 do CPC que"o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor."O parágrafo único ressalva:"Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas." Considerando que não ficou comprovada a não ocorrência das hipóteses que excepcionam a aplicação da norma do artigo 132, entendo que a sentença não deve ser anulada. Diante de todo o exposto, rejeito todas as preliminares apresentadas pela apelante. III - Do mérito recursal Apesar de não vislumbrar qualquer nulidade na sentença de base, entendo que esta merece ser reformada. O cerne da demanda reside no reconhecimento da união estável da apelante com o de cujus, para que a mesma seja habilitada no inventário, bem como seja reconhecida como dependente para fins de recebimento da pensão por morte. O direito de família, por envolver relações afetivas, deve sempre ter como foco o contexto social onde se insere, devendo refletir a evolução da sociedade. As mudanças ocorridas nas estruturas sociais ao longo dos anos transformaram muitos conceitos, antes inflexíveis, no que diz respeito à família. A união estável e suas condições de existência também acompanharam essas transformações sociais. Até o advento da CF/88, a lei reconhecia apenas o casamento civil. A família era apenas e tão somente constituída pelo casamento. A Carta Magna revolucionou ao dar status de entidade familiar a uniões antes tidas como"ilegítimas"ou"moralmente inadequadas". Dessa forma, fez com que a união estável fosse merecedora da proteção estatal. Assim dispõe o art. 226, § 3º: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)- 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.