A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um
recurso especial em que o recorrente pretendia anular registro de paternidade
em razão de o menor não ser seu filho biológico – o que foi comprovado por
exame de DNA. Por unanimidade, o colegiado considerou que o suposto pai foi
induzido em erro na ocasião do registro, bem como não criou vínculo
socioafetivo com a criança.
Relator
do recurso, o ministro Marco Aurélio Bellizze afirmou que não se pode obrigar o
pai registral a manter uma relação de afeto baseada no vício de consentimento,
impondo-lhe os deveres da paternidade, sem que ele queira assumir essa posição
de maneira voluntária e consciente.
Na ação negatória de paternidade movida pelo pai registral, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) entendeu que ele não foi induzido em erro. Segundo o TJPR, embora tivesse mantido relacionamento casual com a mãe e fosse presumível que ambos pudessem ter outros parceiros sexuais, o autor da ação reconheceu a paternidade voluntariamente, na época do nascimento, e não poderia agora, cerca de dez anos depois, levantar dúvida sobre esse fato.
Anulação do registro deve se pautar no interesse do menor
Marco
Aurélio Bellizze afirmou que a paternidade socioafetiva deve prevalecer quando
em conflito com a verdade biológica. De acordo com o magistrado, há uma
presunção de verdade na declaração de paternidade feita no momento do registro
da criança, a qual só pode ser afastada com a demonstração de grave vício de
consentimento. Por isso, eventual divergência entre a paternidade declarada e a
biológica, por si só, não autoriza a invalidação do registro, cabendo ao pai
registral comprovar erro ou falsidade, nos termos dos artigos 1.601 e 1.604 do
Código Civil.
Por outro lado, quando o indivíduo se declara pai biológico ciente de que não o é (a chamada "adoção à brasileira") e estabelece vínculo afetivo com a criança, o interesse desta impede a modificação do registro, independentemente da verdade biológica. A anulação do registro – enfatizou o relator – deve se pautar no princípio do melhor e prioritário interesse do menor, mas sem se sobrepor, de forma absoluta, à voluntariedade da paternidade socioafetiva.
Paternidade socioafetiva tem respaldo no ordenamento
De
acordo com Bellizze, a paternidade socioafetiva é respaldada pelo ordenamento
jurídico brasileiro, mas exige, por parte do pai, a vontade de ser reconhecido
como tal – intenção que não pode decorrer de vício de consentimento, como se
verificou no caso em julgamento. A sentença – ressaltou o relator – reconheceu
que o pai registral assumiu a paternidade por acreditar que a criança fosse
fruto de seu relacionamento passageiro com a mãe, o que se revelou falso após o
exame de DNA. Ainda segundo a sentença, não se desenvolveu relação socioafetiva
entre o menor e o pai registral.
Quanto
à conclusão do TJPR, o ministro afirmou que não é possível entender que não
houve erro de consentimento no caso apenas pelo fato de o pai registral ter
tido um relacionamento curto e instável com a genitora e, a despeito disso, ter
declarado a paternidade no registro.
Para
Bellizze, embora os relacionamentos contemporâneos sejam cada vez mais
superficiais e efêmeros, isso não implica a presunção de que eventual gravidez
deles advinda possa ser considerada duvidosa quanto à paternidade, "sob
pena de se estabelecer, de forma execrável, uma prévia e descabida suspeita
sobre o próprio caráter da genitora".
"Comprovada
a ausência do vínculo biológico e de não ter sido constituído o estado de
filiação, os requisitos necessários à anulação do registro civil estão
presentes, o que justifica a procedência do pedido inicial", concluiu o
relator ao restabelecer a sentença de primeiro grau.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo
judicial.